Ilha da Boavista (Parte II): Aqui mora a “Alma” de Cabo Verde
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Existe um tempo embalado pela tal de “morabeza”, esse sentimento tão genuíno das gentes de Cabo Verde e que mais não é do que a arte de saber receber, a simpatia com que nos olham e sorriem. Um tempo deliciosamente aquecido pelas areias das praias e refrescado pela suave brisa que sopra do mar. Um tempo que na ilha da Boavista se torna ainda mais doce.
Por Fernando Borges
Há mais um dia que acorda. Há mais um dia que nos espera para nos levar por outros trilhos da ilha da Boavista. Desta vez para sul e num Land Cruiser 4×4. Também em ritmo de passeio, por vezes, e outras vezes em ritmo de expedição oferecendo-nos algumas experiências que nos transportam o nosso imaginário para os vastos desertos do Saara, para as aventuras vividas por quem já percorreu alguns dos caminhos do famoso Paris-Dakar.
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Repetem-se alguns lugares, como Rabil, atravessam-se mais uma vez dunas e desertos, percorrem-se promontórios que ligam uma praia a outra praia, como a Praia de Chave à de Lacacão, que para Odair Rodrigues, um jovem guia turístico que nos abriu muitas das “janelas” da Boavista, é um dos mais belos cenários da ilha. Mas para chegar a este paraíso, é necessário atravessar mais um oceano de pedra e pó, um caminho que se estende ao Morro Vermelho, ao Chã dos Prazeres e ao Curral Velho.
Mas de repente, como que por magia, ali está ela, a Praia de Santa Mónica. Irresistível na sua beleza criada por um jogo de dunas e sombras. E o azul do mar logo ali. Paramos e ficamos em êxtase perante a imagem fantástica que é proporcionada pelos 18 quilómetros de areias brancas e pelas falésias e grutas da Praia da Varandinha. Um lugar especial que atrai praticantes de desportos náuticos, como o surf, windsurf e mergulho, uma atividade muito procurada devido ao anel de corais que a envolve, servindo de habitat natural a muitas espécies da fauna marinha, e uma porta de entrada para a Reserva Natural Morro de Areia, para terminar em mais uma “praia impossivelmente bonita”. E aí, junto a um rústico restaurante de praia, acontecem outros mergulhos entre o cheiro de um peixe acabadinho de sair do mar a ser ali ser assado junto a um estrado transformado em esplanada! Sente-se pureza no ar. E genuinidade nos gestos.
Intensamente… Sal Rei!
Mas há que continuar, que seguir em outras direções. De outros pequenos vilarejos, como Bofareira e Povoação Velha, lugares onde o tempo passa sem pressa entre conversas à soleira de uma porta ou no banco de uma praça sob a sombra de uma acácia. De repetir um olhar sobre os “ossos” metálicos do Santa Maria. E de sentir a vida que acontece em Sal Rei, a capital da ilha. Uma vila que, apesar de ter perdido muito do seu esplendor, continua a encantar pela vida que ali acontece.
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Também aqui o tempo parece ter-se esquecido das horas. E para nos encantar lá está a bonita e simples igreja de Santa Isabel, os ainda existentes exemplares de antigas casas coloniais, as antigas moradias baixas e coloridas, as ruas de terra batida e as sombras das acácias onde se joga o uril, um jogo tradicional de Cabo Verde e de onde por vezes chega o som de um pilão a moer o milho para a cachupa.
E à espera de um olhar mais atento lá está o antigo edifício da alfândega, bem de frente para o mar e para a praia de Diante, talvez o lugar mais frequentado da vila, de onde pela madrugada partem pescadores nos seus coloridos barcos, por onde caminham vendedoras de frutas e legumes, onde jovens contagiam de alegria quem ali está com os seus jogos, corridas, mergulhos e saltos acrobáticos para a água, e onde ao início da tarde regressam esses mesmos pescadores com a faina matinal.
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“Tuddret?…Tudbô”!
A mesma Sal Rei que é ponto de partida para um passeio em catamarã pelas águas e costas da ilha, do velho porto onde se inicia a rua que vai dar à praça principal da cidade, com as suas duas esplanadas e restaurantes a oferecerem um certo ar cosmopolita, das lojas de artesanato, dos pequenos bares onde se brinda à vida, dos velhos barcos de pesca que à noite descansam sob mais uma acácia, das esquinas, praças e ruas onde se trocam palavras e gestos de paixão.
E foi aqui, ao lado dessa praça e a olhar o mar, no restaurante “Sodade”, nascido de uma antiga casa marcadamente colonial, que recebemos mais uma noite enquanto degustávamos uma saborosa e tradicional “cahupa” de peixe, e onde aconteceu o reencontro com o músico, compositor e cantor “bubista” Tibô Évora, que nos ofereceu, à capela e à janela, uma morna e uma coladeira.
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Sentia-se que esta viagem estava a chegar ao fim. Mas esta era uma noite de festa em Sal Rei. Era o dia da Festa do Município e da sua padroeira, Nha Santa Isabel, e véspera do Dia da Independência, de todos os espaços se encherem de atividades sociais, culturais e desportivas. Por isso havia que ir até à praça principal onde se perfilavam “barracas” transformadas em bares, onde se cruzavam mil sons e ritmos de mornas, coladeiras e funanás, centro de muita vida e alegria.
E que melhor despedida poderia haver se não esta, a de fazermos parte de tudo isto? Talvez e apenas recordar a resposta de Wilza Vieira, também ela guia e assistente da Solférias quando lhe perguntei como era viver na Boavista. Sim, a resposta foi um doce e melodioso “quê pó di marra coedjo”, que é como quem diz “é muito curtido”. E é! Somos testemunhas dessa forma genuína de estar, de viver e de sentir. Também de receber.
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E parte-se! Parte-se com um “tuddret” a bailar na nossa cabeça. Uma outra palavra do crioulo cabo-verdiano que é igualmente uma inspiração na filosofia de vida da sua gente, uma combinação cheia de positivismo e autenticidade acompanhada sempre com um sorriso que apenas significa “tudo bem?” e que na ilha da Boavista apenas pode ter uma resposta: “Tudbô!”
O Turisver participou nesta famtrip a convite da Solférias.
Leia aqui a primeira parte da reportagem da famtrip à ilha da Boavista.