Para o presidente da AHP “não basta trazer as pessoas de forma célere para Portugal, é preciso prepará-las”
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Os recursos humanos, problema central com que a hotelaria se debate e que impacta no serviço ao cliente, foi um dos temas que abordámos nesta segunda parte da entrevista ao presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, Bernardo Trindade. Falámos também de temas como o novo aeroporto, de acessibilidades aéreas, da TAP e do relacionamento com a Tutela, entre outros.
Mudava o rumo da nossa entrevista para abordar alguns temas transversais ao setor. A AHP, na véspera do encontro entre o primeiro-ministro e o líder do PSD, apelou para que dele saísse uma solução para o aeroporto de Lisboa. Está satisfeito com o que se conhece desse encontro?
Aquilo que eu tenho dito ao longo do tempo, e parece-me que isto é pacífico entre todos nós, é que o tempo da política está desajustado do tempo da economia e isto tem implicações, tem consequências. O facto de nós tardarmos numa solução para o aeroporto, de tardarmos relativamente às obras na Portela de forma a garantir mais qualidade a prestadores e clientes naquela que é a porta de entrada no país, é um tema que me preocupa. Há um interesse crescente por Portugal, as companhias aéreas regressaram em força e estão a ser confrontadas com dificuldades que são as dificuldades naturais de operação no aeroporto da Portela.
Respondendo diretamente à sua pergunta sobre se estou satisfeito, digo que é fundamental um compromisso. Aquilo que nós não tivemos nos últimos 50 anos foi um compromisso político porque, independentemente de quem tinha responsabilidades governativas, essa não foi uma opção seguida nos mandatos seguintes, com consequências. A pergunta que eu faço é se Portugal se pode dar a esse luxo?
Nós temos uma vantagem comparativa reconhecida por todos: trazer clientes a consumirem em Portugal, é uma vantagem importante para o turismo, importante para outros setores de atividade que de alguma maneira se alimentam deste interesse. Deve esta dinâmica ser cortada? A Confederação do Turismo, de que a AHP é membro, apresentou recentemente um estudo que valoriza os aspetos de uma não decisão e, de alguma maneira, todos temos que ser transmissores dessa mensagem porque os valores apresentados são muito significativos e do meu ponto de vista Portugal não se pode dar ao luxo de perder a vantagem que tem.
O que me está a dizer é que Portugal e o turismo perdem dinheiro todos os dias, como diz a CTP, por não ter um novo aeroporto?
O estudo da Ernst & Young é muito claro: até 2027, cerca de sete mil milhões de euros serão perdidos devido a uma não decisão e com a implicação social de menos 28 mil empregos.
A que é que atribui o facto de não se terem feito já as obras necessárias na Portela que, segundo já foi dito, potenciariam o aeroporto em mais 20% em menos de um ano?
Eu não vou responder pelo concessionário nem vou responder pelo Estado português, a única coisa que sei é que o cronograma de intervenção no aeroporto da Portela é do conhecimento do Governo e aquilo que a AHP exorta é que não percamos mais tempo por que temos a noção que a qualidade do serviço que é hoje prestado no aeroporto da Portela não é consentânea com as expectativas de quem visita Portugal, de quem quer gastar em Portugal e de quem quer aprofundar conhecimentos em Portugal. Às vezes parece que já nos esquecemos mas ainda no início deste verão, ainda que com uma circunstância global conhecida que foi uma recuperação mais rápida do que o esperado, foi preciso, outra vez, arranjar soluções – lembremo-nos de como é que o SEF e todo um conjunto de agentes e prestadores estavam a funcionar no aeroporto da Portela. Se isso é admissível numa situação extraordinária que possa acontecer, não pode, de maneira nenhuma, ter um caráter estrutural.
Sabe-se que o presidente sempre olhou com bons olhos para as companhias low cost. Lembro-me de uma intervenção sua, na Assembleia Regional da Madeira, em que se debruçou sobre as low costs e a importância que poderiam ter para a Região. Tudo o que se podia fazer e oferecer para as cativar já foi feito ou ainda há trabalho para fazer nesta matéria?
Acho que há uma coisa que é absolutamente clara e inexorável, é que hoje, viajar de avião tornou-se uma commodity e democratizou o acesso a milhões de pessoas no mundo que de outra forma não podiam viajar e isso foi muito positivo. Portanto, low costs ou ligações ponto a ponto num quadro temporal relativamente curto, até três ou quatro horas, fizeram com que Portugal e todas as suas regiões beneficiassem com isso.
Pergunta-me se isso é um trabalho que está concluído? Não, não é um trabalho concluído. Ainda agora a Ryanair, na Madeira, é a prova evidente de que é possível alargar a mais companhias, mais destinos, mais negócio e isso é obviamente muito bom para nós.
“A TAP é um instrumento de mobilidade para trazer turistas a Portugal e se isso pode não ser muito claro no tráfego de médio curso, o que é facto é que no tráfego de longo curso, nomeadamente em países como o Brasil, os Estados Unidos, os territórios africanos, o contributo da TAP tem sido muito importante”
Em termos concretos, que importância é que a AHP atribui à TAP?
A TAP é a companhia de bandeira portuguesa e todos nós sabemos que não há atividade económica do turismo sem transporte aéreo. A TAP é um instrumento de mobilidade para trazer turistas a Portugal e se isso pode não ser muito claro no tráfego de médio curso, o que é facto é que no trafego de longo curso, nomeadamente em países como o Brasil, os Estados Unidos, os territórios africanos, o contributo da TAP tem sido muito importante. Obviamente que a valia da TAP para Portugal não é só uma valia económica, é também uma valia política. A relação da TAP com as Regiões Autónomas, a consagração do princípio da continuidade territorial, a nossa relação com os países de língua oficial portuguesa, conferem à TAP um estatuto muitíssimo importante e, portanto, aquilo que nós queremos é que a TAP, que sofreu um plano de restruturação muito, muito duro, possa ter resultados, possa reconfigurar o seu capital e possa continuar a servir Portugal.
A TAP é sempre muito criticada pelo setor do turismo, quer do Continente quer das Regiões Autónomas. O que é que a companhia, sem prejudicar os seus resultados, pode fazer mais pelo Turismo?
As companhias aéreas, em geral são muito escrutinadas e a TAP, até em resultado do plano de reestruturação, é das empresas mais escrutinadas que existem, pelo que não pode tomar iniciativas que façam perigar quer os seus resultados quer o cumprimento do seu plano de restruturação. Ainda assim, porque há limitações em Lisboa, não só pelo aeroporto mas também porque a TAP perdeu slots em Lisboa, essa capacidade pode ser aproveitada noutras infraestruturas aeroportuárias, designadamente no Porto, em Faro, na Madeira e nos Açores. Este é um tema que deve ser continuado, que implica um envolvimento muito grande não só com o setor aeroportuário mas também com o setor turístico – estou a lembrar-me das Agências Regionais de Promoção Turística que trabalham com a TAP no cumprimento de objetivos comuns – mas acho que devemos olhar para essa limitação dos slots como uma oportunidade para de alguma forma servir melhor o país e o país turístico.
Novo Contrato Coletivo de Trabalho celebrado entre a AHP e o SITESE visou atualização de carreiras e salários
Os recursos humanos parecem ser, hoje em dia, o grande problema da hotelaria. A falta de trabalhadores, nomeadamente qualificados, tem a ver com os vencimentos e com os horários ou vai muito para além disso?
Mais do que dar a minha opinião, vou socorrer-me de um estudo que a Eurofirms apresentou há dias relativamente às justificações para a perda de ativos no setor do turismo. Em primeiro lugar, a questão dos horários, em segundo lugar a questão da remuneração e uma terceira dimensão mais discutível porque depende muito da natureza da empresa, que é uma questão identitária e obviamente que todos nós estamos já a trabalhar sobre isso.
A AHP celebrou com o SITESE um novo Contrato Coletivo de Trabalho, visando, sobretudo, olhar para temas como carreiras e salários, e atualizá-las relativamente às novas dinâmicas. Temos a consciência tranquila relativamente a isso. Os empresários, um pouco por todo o país, têm vindo, até um pouco em função da escassez de recursos humanos, a disponibilizar um conjunto de regalias para poderem acautelar essas questões mas temos que continuar a trabalhar no sentido de tornar voltar a tornar interessante este setor que empregou quase meio milhão de pessoas em Portugal. Esse é, claramente, um desafio que temos pela frente e os empresários estão bem conscientes disso. O que digo é que este é um tema em processo: o tema está identificado, constitui um constrangimento mas nós vamos atuar.
Como é que podemos ultrapassar esta falta de recursos humanos sem pôr em causa o serviço ao cliente? A ideia é receber imigrantes mas coloca-se o problema da falta de formação profissional dessas pessoas. Como é que se resolve isto, tendo em conta que já este ano, nomeadamente no Algarve, houve muitas críticas dos clientes ao serviço prestado?
Nós temos essa consciência e não é só no Algarve. Este regresso que se fez mais rapidamente do que esperávamos, fez com que a qualidade possa ter, em alguns casos, diminuído e estamos muito empenhados na resolução desse problema e em suprir algumas lacunas.
Traz aqui um tema que é muito importante e temos reforçado muito isso, que tem a ver com a importância do novo Acordo de Mobilidade da CPLP que significa que Portugal precisa, dentro do quadro dos países que falam a nossa língua, de trazer pessoas para o setor do turismo. Isto exige um Simplex do ponto de vista de atuação, envolvendo o SEF e serviços consulares, para que não sejam um constrangimento a essa mobilidade, mas temos advogado também a presença do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, designadamente do IEFP [Instituto do Emprego e Formação Profissional], para que o levantamento das necessidades em sede de formação possa, efetivamente, acontecer. Ou seja, não basta trazer as pessoas de forma célere para Portugal, é preciso prepará-las para um qualquer exercício e o IEFP tem aí um papel significativo a assumir, assim como as próprias empresas que hoje fazem também a sua formação.
Essa formação nas empresas, se houver falta de recursos no IEFP, pode ser uma solução?
Com certeza. Tem que ser um trabalho multidisciplinar, um trabalho que envolve entidades públicas e envolve as empresas.
Os contratos com esses imigrantes podem, ou não, ser sazonais?
De alguma maneira temos que ter um compromisso entre este esforço de mobilidade que está a ser feito e a própria vinculação. Não vou advogar contratos sem termo para pessoas que não sei se estão ou não preparadas para esses desafios, ou seja, temos que tentar obter um compromisso entre todos.
Relacionamento com a Tutela
Tivemos dois anos muito duros para todas as empresas e, no caso da hotelaria, existiu uma aproximação entre a AHP e o Governo nas suas variadas vertentes. Passada esta tempestade, esse relacionamento está a continuar?
Completamente. Independentemente de quem tenha responsabilidades governativas, seja este ou aquele partido, o movimento associativo tem que estar disponível para trabalhar em conjunto no sentido de encontrar as melhores soluções e nesta entrevista já fomos aflorando um conjunto de pontos em que a AHP quer marcar presença, onde a AHP acha que pode acrescentar algo e a sensação que temos é que essa mensagem tem sido bem passada.
Costuma dizer-se que uma das situações mais positivas que têm acontecido ao turismo ao longo das últimas décadas é o espírito de continuidade que a Tutela do setor vai tendo, não andando “às curvas”. Essa é uma mais valia que a política tem acrescido ao desenvolvimento do setor?
É um ativo muito importante que, independentemente de quem tenha responsabilidades governativas, haja o cuidado de, podendo corrigir aqui ou ali, manter um corpo que se mantenha muito presente, até para não defraudar as expectativas de aqueles que ainda confiam no turismo.
Posso dar alguns exemplos dessa continuidade de políticas que foi muito importante para o desenvolvimento do turismo, a vários níveis. Desde logo, a criação do Turismo de Portugal, que inicialmente encontrou muitas resistências mas que hoje é um bom exemplo. Ao nível das Regiões de Turismo começámos com mais de 30, passámos para 11 e com o Governo PSD-CDS passaram para cinco. Na promoção turística, mantemos de há 15 anos os Planos de Comercialização e Venda, com 50% de investimento público nas iniciativas privadas de promoção. Só bons exemplos.
Qual é a agenda que a AHP tem em cima da mesa para ir discutindo com o Governo?
Os temas que já identificámos aqui: os que se relacionam com a procura, designadamente os que se relacionam com a decisão do novo aeroporto (a AHP é um parceiro importante no sentido de chamar a atenção para não perdermos fluxos de interesse pelo nosso país e isso implica uma decisão em sede de infraestruturas); olhar para a questão dos recursos humanos de uma forma muito atenta, e já falámos aqui no Acordo de Mobilidade da CPLP, na necessidade de envolvimento de uma série de instituições; falámos também na qualidade dos balanços das empresas e na importância do Banco de Fomento, na importância da Caixa Geral de Depósitos associada ao Banco de Fomento como veículo de expertise que permita, de alguma maneira, responder àquelas que são as solicitações das empresas, sendo estas instituições instrumentos de política pública. Tudo isto são exemplos de que a nossa agenda faz sentido.
É curioso que, nesta fase avançada já da nossa entrevista, não tenhamos falado de dois temas que há alguns anos eram obrigatórios: a sazonalidade e a promoção turística. Não termos abordado estes temas significa que tudo vai bem nestas áreas?
Não é que tudo vá bem mas neste momento, quando elencamos prioridades, há matérias que de alguma maneira acabam por perder uma relevância relativa. A sazonalidade continua ainda a marcar muito algumas regiões e sobre isso devemos manter o relacionamento com as companhias aéreas para podermos atrair novos fluxos que queiram visitar Portugal, e esse trabalho tem sido continuado.
A promoção turística é uma matéria sempre muito importante, nomeadamente as verbas e o descativar verbas que permitam assegurar a Portugal uma representação internacional externa da melhor forma possível porque nós temos os instrumentos, temos as pessoas, estamos a comunicar bem mas comunicar bem implica uma canalização de recursos e de receita que não podemos deixar de despender.
Hoje, alguns desses recursos podem começar a não chegar ao Turismo de Portugal, nomeadamente as receitas dos casinos. Está preocupado com isso?
Esta é uma matéria de que hoje sabemos muito mais do que sabíamos há 15 anos e aquilo a que nós apelamos é que, uma vez que o turismo tem essas verbas próprias, tenhamos as autorizações em tempo para que o Turismo de Portugal possa assegurar a sua política, que é não só uma componente institucional da comunicação de Portugal mas o envolvimento com diversos parceiros, designadamente o setor associativo e privado, para podermos comunicar bem Portugal.
Pode ler a primeira parte da entrevista ao presidente da Associação da Hotelaria de Portugal, aqui.