100 episódios depois o comentário de Atilio Forte “Turismo em Destaque” já faz parte do quotidiano
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No passado dia 22 de Novembro, o comentário semanal “Turismo em Destaque”, de Atilio Forte, atingiu o número 100, uma marca que é de celebrar e que o Turisver, que também publica semanalmente este comentário, fruto de uma parceria com o autor, não podia deixar de assinalar. O 100º episódio do “Turismo em Destaque” foi o ponto de partida para a conversa com Atilio Forte, durante a qual abordámos grandes temas da atualidade turística.
Emitiu recentemente o 100º episódio dos comentários semanais “Turismo em Destaque” que, de certa forma, representam uma evolução dos que até 2020 foram publicados no Turisver. Nota uma maior ligação de quem vê estes vídeos do que a que existia quando se tratava de comentários escritos?
Noto que há uma grande evolução. Desde que, no início de 2014, comecei a colaborar com o Turisver como comentador, fizemos durante seis anos e meio textos escritos. Depois fiz um interregno de cerca de seis meses para montar este novo formato e estou há dois anos a fazê-lo com imagem, o que foi uma tentativa de responder às mudanças que o próprio mundo foi registando. Temos assistido a um cada vez mais crescente recurso à tecnologia e à digitalização, à ascensão das redes sociais como canais preferenciais, nomeadamente das novas gerações – a geração dos millennials ou geração Y e a geração Z – tendo havido uma transição de meios e de suporte sobre os quais a informação circula.
Esta evolução tecnológica refletiu-se em muitos domínios da nossa atividade e das nossas vidas e aquilo que eu entendi foi que, também do ponto de vista do comentário, tinha que o atualizar e adaptar a esta nova realidade. Com isso chego muito mais perto e vou muito mais ao encontro das necessidades das novas gerações, porque o formato em que são feitos os comentários, e tendo canais nas redes sociais, as pessoas podem, facilmente e a qualquer momento, não só aceder como também descarregar e ouvir em podcast e hoje em dia sabemos que muitas das notícias que as novas gerações vêm ou ouvem já não são tanto nas televisões ou nos jornais mas são selecionadas do ponto de vista dos conteúdos que têm interesse. Pelos comentários que me fazem, sei que tenho muitos seguidores que sabem que o meu comentário sai todas as terças feiras, mas que os descarregam e só os vêm no fim de semana seguinte. Portanto, a passagem para este novo formato foi uma tentativa de responder a esta nova tendência.
O que é que move o Atilio Forte a fazer um comentário semanal, sabendo-se o imenso trabalho que isso dá?
Essencialmente movem-me duas coisas. A primeira, e a mais importante, é uma paixão enorme que eu tenho pela atividade turística, pelo que me dá prazer estudar, falar e analisar o turismo. O outro motivo é que entendo que devo que dar o meu contributo muitas das vezes para a descodificação das ações, dos acontecimentos, de tudo aquilo que acaba por interagir com a atividade económica do turismo – estamos a falar da maior atividade económica do mundo, daquela que é mais permeável a tudo o que possa suceder no planeta, seja no plano económico, seja no plano social, no plano ambiental…Aquilo que eu noto é que a voracidade com que as coisas se passam no nosso tempo, a velocidade de circulação da informação, muitas das vezes não nos dá tempo para parar e pensar. O que eu procuro fazer todas as semanas é pegar nos temas mais importantes relacionados com o turismo que acontecem em Portugal e no mundo e, no fundo, fazer esta paragem para pensar e, obviamente, sempre que entendo, dar a minha opinião porque este é um comentário que me vincula exclusivamente a mim.
Quando se trata, como é o caso, da opinião de alguém capacitado para o fazer, essa opinião acaba por ser um instrumento importante em termos da influência que exerce em quem está a ouvir. Tem noção do peso dessa influência?
Eu não iria por aí porque não é isso que me move. Hoje, no ciberespaço existem os denominados influencers mas não é esse o meu propósito, embora saiba que, inevitavelmente, até pelas reações que tenho aos comentários, há muitas pessoas que concordam e comentam favoravelmente – felizmente são a maioria – mas também há por vezes pessoas que apresentam discordâncias que são mais do que legítimas.
Sete anos de continuidade no turismo com resultados
Vamos com sete anos de governos socialistas, com secretários de Estado do Turismo socialistas. São anos de contínua evolução do turismo, mesmo tendo em conta que tivemos que gerir a pandemia. Houve uma visão continuada do turismo ao longo destes anos?
Há, de facto, uma visão continuada do turismo, agora essa visão não é muito profunda, ou seja, tem-se conseguido, e bem – e esses resultados estão à vista se fizermos um parênteses nos dois anos de pandemia – dar essa continuidade mas o que temos feito é aquilo que normalmente designo de navegação de cabotagem, sempre com a costa à vista, vamos respondendo e reagindo às questões quando elas aparecem mas não temos um pensamento estruturado e quando o procuramos fazer não tem existido, quanto a mim, a humildade de compreender que o mundo muda e há que repensar aquilo que se fez.
Por exemplo, nós temos uma estratégia que rege as grandes linhas orientadoras do turismo nacional, que é a Estratégia Turismo 2020-2027 que foi lançada no início de 2017, e desenhada e concebida no final de 2016. Ora, a minha pergunta é: será que entretanto nada no mundo mudou que leve a que esta estratégia continue válida? Eu acho que mudou e não só ao nível do produto, dos ativos turísticos, como também por parte da procura. Os consumidores hoje são completamente diferentes, até porque tivemos uma pandemia pelo meio e isso, por si só, seria uma razão mais do que suficiente para que houvesse que readaptar e repensar as linhas orientadoras contidas na ET 20-27 porque muitas delas já estão ultrapassadas.
No pós-verão tem havido uma série de congressos, nomeadamente o da AHRESP e o da AHP, e o que mais se tem ouvido não são críticas sobre o caminho trilhado nestes últimos anos mas sim sobre os apoios ou a falta deles ou a morosidade com que eles chegam. Porque é que os empresários não falam da estratégia, das linhas orientadoras e preocupam-se sempre mais com o lado mais financeiro?
Temos que entender os momentos em que as coias são colocadas e neste momento o que vemos é que, apesar de o ano turístico de 2022 ir ser um ano bastante positivo, não é menos verdade que ele não vai, por si só, apagar todos os resultados negativos trazidos pela pandemia. Tivemos dois anos em que a atividade turística esteve em modo de pausa e isso é algo extremamente marcante e que debilitou muito o tecido empresarial turístico e é natural que as empresas estejam mais focadas no seu dia a dia, nos seus problemas, do que em algumas questões estruturantes.
Há um ponto que para mim é paradigmático. Quando falamos de estratégia ou pelo menos eu, quando falo de estratégia para o turismo, faço sempre uma ligação com a aviação que inclui sete subsectores: as infraestruturas aeroportuárias, o transporte aéreo, a navegação, o controlo, a segurança e a regulação aérea e ainda os serviços em terra. Ora, tivemos oportunidade de ver – e durante a pandemia isto foi uma evidência – que a aviação é parte integrante e uma peça fundamental da atividade turística: o turismo parou e os aeroportos ficaram a servir de parque de estacionamento para os aviões.
Nós queixamo-nos que não temos um aeroporto mas o problema é mais fundo porque o aeroporto não é mais do que um instrumento da política de aviação, é um equipamento, ora se não temos uma estratégia definida para a aviação vamos criar um aeroporto para quê? Aquilo que vemos é que bastou o turismo ter regressado ainda não exatamente aos níveis de 2019 mas perto disso, para começarmos a ficar outra vez com problemas aeroportuários. Há muitos anos que defendo que devíamos criar um grande mercado interno alargado, de raiz lusófona e génese atlântica, nomeadamente dinamizando a CPLP, e termos uma estratégia, do ponto de vista da aviação, de cooperação com alguns países lusófonos e aquilo a que estamos a assistir é que os espanhóis tomarem o nosso lugar, por exemplo, com Angola: hoje há voos Luanda-Porto via Madrid e feitos Madrid-Porto com equipamento Iberia. Não teríamos nós tido possibilidade de fazer isso, até porque neste momento temos uma TAP nacionalizada?
“Estratégia é eu saber que a Lufthansa tem hubs em Frankfurt e em Munique, que a Air France-KLM tem hubs em Paris e em Amesterdão e a IAG em Londres e em Madrid e o que a TAP tem de interesse é o mercado de África e do Atlântico Sul, ou seja, do Brasil, tudo o resto os outros já têm, portanto, se a TAP for vendida a um destes parceiros, o centro de entrada na Europa não vai ser Lisboa …”
Neste momento fala-se que tem que se vender a TAP, eu não sou contra até porque acho que o Estado não tem que estar no negócio da aviação e a TAP deve ser privatizada, mas o que é que ouvimos falar sobre a privatização da TAP? O que é público é que há três potenciais interessados, o Grupo Lufthansa, o Grupo Air France-KLM e o Grupo IAG que tem a Iberia e a BritishAirways, entre outras, mas depois falamos no hub de Lisboa – muitas pessoas ligam o conceito de hub ao aeroporto de Lisboa mas o hub não tem nada a ver com o aeroporto, o hub tem a ver com o facto de uma transportadora aérea fazer de um determinado aeroporto a sua base de operação. Estratégia é eu saber que a Lufthansa tem hubs em Frankfurt e em Munique, que a Air France-KLM tem hubs em Paris e em Amesterdão e a IAG em Londres e em Madrid e o que a TAP tem de interesse é o mercado de África e do Atlântico Sul, ou seja, do Brasil, tudo o resto os outros já têm, portanto, se a TAP for vendida a um destes parceiros, a porta de entrada na Europa não vai ser Lisboa, vai ser o hub que eles já têm. Numa destas situações o que pode acontecer é que quem comprar a TAP diga que o aeroporto de Lisboa fica como hub secundário para África e para o Atlântico Sul, só que a tendência do hub principal é ser um buraco negro que vai sugar aos poucos o trafego do hub secundário e a prazo vamos acabar por ter, inevitavelmente, um problema.
Estes são apenas alguns exemplos que me fazem dizer que é importante olharmos um pouco mais além mas compreendo que a premência das situações, que a exigência e a dimensão dos problemas com que neste momento todos os agentes turísticos se confrontam, sejam empresas sejam de outra natureza, é muito grande e têm que lhes saber dar resposta.
Durante anos tem-se discutido o aeroporto ou a falta dele, a TAP nacionalizada ou privada, parecendo que estes são os únicos problemas em termos de transportes. Nos seus comentários tem uma perspetiva mais de futuro. Porque é que se fala sempre do mesmo quando há outros temas como, por exemplo, a substituição do avião pelo comboio em deslocações intraeuropeias?
Quando me perguntou há pouco se há uma estratégia ou uma política de turismo e eu disse que os resultados têm sido bons mas há muita navegação há vista, o que eu queria dizer é que não existe um pensamento estratégico…
Mas isso não é só da parte do Estado…
Não, não é. O que está a dizer é verdade, ou seja, neste momento nós temos um problema de sustentabilidade, temos uma crise climática que não estamos a resolver, ainda agora acabou a COP 27 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas] que foi um fiasco e há que dizê-lo. Os líderes mundiais, a maior parte dos Estados andam a ter atitudes puramente populistas, fazem promessas para daqui a três, quatro e cinco décadas, quando eles já cá não estarão e ninguém lhes irá cobrar o que não fizeram hoje e quando, porventura, já teremos um planeta comprometido para as gerações vindouras.
Há casos como o de França onde um conjunto de voos intrarregionais foram suspensos e substituídos pelo transporte ferroviário – mas só França tem mais de 2.000Km em Alta Velocidade. As boas práticas da aviação recomendam que dois aeroportos internacionais distem, pelo menos, 600Km entre si, ora, olharmos só para o nosso território, temos três aeroportos internacionais nesse espaço, para não falar do caso de Beja ou outros. Se temos um plano nacional ferroviário que continua a ser excessivamente litoralizado e achamos que o interior não se desenvolve e que não fixamos aí populações – com tudo isto a prejudicar o turismo – e depois vamos fazer uma ligação de Alta Velocidade entre Lisboa e o Porto (que não será em 1h15 porque para isso não poderia ter paragens no caminho mas vamos, apesar de tudo, conseguir um tempo razoável), isso adianta? O que eu também não vi é o preço que terá essa ligação, mas admitamos que será um preço competitivo e como terá menos emissões e menos pegada de carbono, acredito que o consumidor não se importará de pagar um pouco mais por um meio de transporte menos poluente. O problema é que, se hoje já há muitas queixas porque a zona norte está mal servida de voos, as queixas irão aumentar e, por ventura, daqui a uns anos, talvez 10 ou 15, poderemos ter o Aeroporto Sá Carneiro a ser um elefante branco ou a ter muito pouco tráfego. É isto que queremos? São estas questões que faz sentido analisar e é para isso há que ver um pouquinho mais à frente.
Na segunda parte da entrevista com Atilio Forte, na sua qualidade de comentador, poderá ler, entre outros temas:
- O movimento associativo
- Os apoios à actividade turística
- As especificidades do turismo
- A escassez de Recursos Humanos e a qualidade do serviço
- O Turismo na orgânica governativa