Cristina Siza Vieira ‘mãe’ do programa HOSPES da AHP: Os hotéis sentem que fazem a diferença
Programa corporativo de Responsabilidade Social e Sustentabilidade Ambiental da AHP, o ‘HOSPES’ atua sobre os vetores social, económico e ambiental. Através dele, desde 2012 até ao final de 2021, os hotéis portugueses já doaram mais de 232.000 bens usados a cerca de 100 instituições de ação social. Porque “Sharing is Caring”.
Existe desde 2013, uma época em que “ainda não se falava de responsabilidade social corporativa” como sublinha ao Turisver Cristina Siza Vieira, vice-presidente executiva da AHP – Associação da Hotelaria de Portugal, sobre o HOSPES, um programa corporativo de Responsabilidade Social e Sustentabilidade Ambiental, que tem como objetivo orientar a vocação e empenho de cada um dos associados e parceiros da AHP para uma causa comum: promover a sustentabilidade da hotelaria e do turismo agindo sobre três vetores – social, económico e ambiental.
“Um Colchão, um Coração” foi o mote para a campanha lançada pela AHP, numa altura em que celebrava 100 anos, “não com esta nova designação, mas desde o velho Grémio”, recorda a responsável, explicando: “O que pensámos inicialmente foi no envolvimento dos hotéis com a comunidade e ao mesmo tempo aproveitar a máxima dos três R – Reduzir, Reciclar, Reaproveitar. No caso concreto da hotelaria, a existência de colchões ainda em bom estado de conservação, mas que por algum motivo já não são bons o suficiente para receber os hóspedes, mas que podem ser reutilizados. Contactámos com algumas IPSS (Instituições Particulares de Solidariedade Social) e inclusive com o Banco dos Bens Doados e percebemos que havia muitas pessoas interessadas na doação destes colchões”.
A par dos colchões, o interesse estendia-se a lençóis e atoalhados e rapidamente passou para equipamentos como televisores, aquecedores de toalhas e mesmo mobiliário.
“Quando os hotéis mudam de classificação, acabam por renovar o equipamento, assim como os lençóis porque não estão com um branco imaculado, mas continuam em ótimas condições e, portanto, era possível dar-lhes uma segunda vida, reintroduzindo-os na economia, mas agora numa economia social”, explica Cristina Siza Vieira.
No entanto, colocava-se uma questão jurídico-formal: “A ideia não era doar os bens a privados, não poderiam ter utilização comercial nem ser revendidos ou aproveitados. Daí que as doações tivessem que ser feitas através de IPSS registadas socialmente como tal, celebrando um protocolo com as mesmas para que possam depois prestar o devido apoio às famílias e aos equipamentos sociais que tenham”.
A AHP passou a ser também abordada pela Direção dos Serviços Prisionais e várias instituições de apoio. Um interesse que começou a crescer, não só da parte de quem necessitava destes bens, mas também dos próprios hotéis, que “começaram a sentir que faziam a diferença quer na doação destes bens quer na nova utilização não comercial dos mesmos”.
Até então tudo era feito através de email, um trabalho moroso: “Foi nessa altura que decidimos criar a plataforma HOSPES, que foi cofinanciada pelo Turismo de Portugal e que permite registar manifestações de interesse, informações de bens disponíveis e agendar a recolha desses mesmos bens”, explica a vice-presidente executiva da AHP, acrescentando: “as IPSS acedem à plataforma (www.hospes.pt), fazem o seu registo e nós verificamos se já têm protocolo assinado com a AHP, caso não tenham enviamos a proposta que deve ser assinada e devolvida à nossa associação e passam a ter acesso à plataforma e aos bens doados disponíveis”.
Muito para além do “We Share”, “We Care”
Se por um lado o programa HOSPES tem um papel na Responsabilidade Social, por outro começou também a ter no que diz respeito ao Ambiente.
“Começámos a medir o impacto ambiental que este tipo de reciclagem trazia e fomos criando outras campanhas, nomeadamente com a recolha de óleos alimentares usados, de papel e cartão, de toneladas de equipamentos elétricos e eletrónicos. A verdade é que o programa HOSPES entre 2013 e 2021 entregou mais de 232 mil bens e só na parte têxtil gerou uma economia de mais de 669 milhões de litros de água e eliminou mais de 57 toneladas de desperdício”, esclarece Cristina Siza Vieira.
Apadrinhado pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, o programa HOSPES da AHP já conta com vários prémios nacionais e internacionais e por diversas vezes esteve presente em situações adversas, como a passagem do ciclone Idai por Moçambique em 2019.
“Apesar de não ser o nosso âmbito, porque ajudamos IPSS com atividade em Portugal, a Associação HELPO (Organização Não Governamental para o Desenvolvimento) com pilar em solo nacional pediu-nos ajuda para apoiar o hospital moçambicano do Dombe com bens como lençóis e produtos de higiene, entre outros. Após dois dias de recolhas e com a ajuda de 30 hotéis e grupos associados e cinco parceiros, conseguimos enviar duas toneladas de bens para Moçambique através desta ONG”, recorda.
Mais recentemente, com a COVID-19 também o Programa HOSPES teve um papel bastante ativo, com o Hospital de Campanha no Estádio Universitário de Lisboa a receber mais de 3.000 bens doados pelos hotéis, entre lençóis, edredões, toalhas, almofadas e fronhas, 17 mil luvas, mais de 13 mil doses individuais de shampoo, mais de 18 mil kits de escovas e pastas de dentes e 8.000 sabonetes.
“Entre maio e dezembro de 2020 foram doadas 9.570 noites a profissionais de saúde, 97.251 kits de higiene e 1.599 refeições servidas a profissionais de saúde”, remata a mesma responsável.
Os números e as campanhas, esses, não param de surpreender e a ajuda da AHP continua a merecer toda a atenção, como foi a campanha “SOS Ucrânia”, que decorreu entre março e julho de 2022 e para a qual foi criada uma plataforma específica, onde as unidades hoteleiras podiam registar o que pretendiam doar. Uma campanha em que foram doados 1.016 bens têxteis e mobiliário e 266 colchões.
“Fizemos uma feira de emprego em Lisboa, o ‘Jobs for Ukraine’, no dia 1 de junho do ano passado, em que estiveram envolvidas 19 empresas hoteleiras, houve 55 candidatos entrevistados, nove saíram com contrato logo ali apalavrado. No total foram mais de 40 processos a que foi dado seguimento”, diz ainda Cristina Siza Vieira, recordando ainda a campanha do Banco Alimentar que decorreu a 26 e 27 de novembro passado, com o Movimento Hotéis Contra a Fome: “Estiveram envolvidos 28 hotéis, contabilizando um total de 2.500 kg de alimentos doados de norte a sul do país e Madeira”.
Uma das preocupações da AHP na revisão hoteleira, “era que também fossem valorizados como requisitos a satisfazer pelos hotéis, princípios de sustentabilidade nos pilares social, económico e ambiental…”
Questionada pelo Turisver sobre “ser suficiente o que se faz no Turismo em termos de responsabilidade social”, a vice-presidente executiva da AHP reforça que no caso da hotelaria “é preciso não esquecer que esta por si só é ‘refém’ de uma série de fornecedores de bens e serviços a montante, e tem clientes para satisfazer, portanto tem a preocupação de selecionar fornecedores também eles responsáveis e com políticas e práticas de sustentabilidade social e ambiental. Muitas vezes parece muito fácil dizer ‘vamos substituir todos os plásticos de uso único por outros materiais’ mas é preciso é que os fornecedores os tenham”. Faz, no entanto, notar que “o que já se faz de sensibilização aos clientes, aos fornecedores, aos trabalhadores já é muito interessante e sabemos também que cada vez mais os clientes valorizam estas práticas, estas políticas e esta coerência. Ou seja, os hotéis são muito preocupados com o comunicar bem, ‘say what you do’, mas também sabem ‘do what you say’.
Cristina Siza Vieira recorda que uma das preocupações da AHP na revisão hoteleira, “era que também fossem valorizados como requisitos a satisfazer pelos hotéis, princípios de sustentabilidade nos pilares social, económico e ambiental” até porque, no futuro, “quem não estiver dotado destas ferramentas vai estar excluído do mercado”.
Os bens doados pelos hotéis na plataforma HOSPES não são uma ciência exata como sublinha a nossa interlocutora: “Em 2022 e apesar destes ainda serem números provisórios foram doados 7.422 bens”. Cristina Siza Vieira relembra que no total, o programa HOSPES já teve desde o início do processo, 127 IPSS com protocolos registadas, 171 hotéis envolvidos e 232.990 bens doados até ao final de 2021. Se gostaria de ter mais? “Sim, confesso que gostaria de ter mais, mas tudo o que vier é muito bem-vindo e não nos podemos esquecer que cada hotel acaba por fazer a sua parte junto da sua comunidade, embora eu continue a pensar que se canalizarmos a ajuda numa só plataforma podemos ajudar bem mais”. E recorda, que as IPSS estão registadas e protocoladas com a AHP e que podem passar declarações para efeitos fiscais e de mecenato, não esquecendo que este programa está também aberto a hotéis e estabelecimentos de alojamento local que não estejam associados à AHP. O único requisito é que os bens doados estejam em bom estado de conservação.
Os selos de Responsabilidade Social e Sustentabilidade Ambiental
Criados em 2015, os Selos “We Share” (Responsabilidade Social) e “We Care” (Sustentabilidade Ambiental) são uma espécie “de reconhecimento” aos hotéis que contribuem para o desenvolvimento sustentável e responsável do setor através de projetos e iniciativas da AHP. Foram atribuídos pela primeira vez durante o 27.º Congresso da Hotelaria e Turismo, em Évora, distinguindo 46 unidades hoteleiras.
Envolver os hoteleiros nestas duas temáticas tão importantes e atuais, criando reconhecimento público através da exibição/afixação dos selos como certificados de empresas social e ambientalmente comprometidas fazem ainda parte dos objetivos da atribuição destes selos, que ao longo dos anos tem vindo a aumentar.