Um navio de cruzeiro são dois hotéis de uma cidade flutuante, diz o diretor de hotel do Costa Venezia
Depois do capitão e numa pirâmide hierárquica, é ele o principal responsável de um navio de cruzeiros. Falamos, obviamente, do diretor de hotel que no Costa Venezia é personificado por Miguel Munir. Espanhol nascido em Ceuta, Munir falou com o Turisver durante a travessia do Estreito de Dardanelos.
Por Fernando Borges
Para além das diferenças físicas o que, na sua opinião e como diretor de hotel, difere um navio de cruzeiro de um hotel?
A principal diferença é que “isto” não é um hotel, mas sim dois hotéis flutuantes, uma aldeia ou uma cidade que navega e que tem dois hotéis com cabinas em quase todos os decks, um para os passageiros e outro para a tripulação.
Outra grande diferença entre um navio de cruzeiro e um hotel ou resort é que aqui tens que programar tudo. Enquanto em terra se te falta algo chamas um fornecedor que te traz a qualquer hora o que necessitas, aqui tens que ter um porto onde te chegam as provisões. Por exemplo, no Pireu tínhamos 10 camiões que nos trouxeram fruta, legumes e todos os consumíveis, como papel higiénico, de mãos, toalhetes, os produtos químicos que usamos na lavandaria, sabão… E temos que programar segundo o número de passageiros. Há que controlar o dia a dia. E no caso da comida passa-se o mesmo. E estamos a falar de dezenas de milhar de ovos por dia, toneladas de farinha, de carne, peixe ou marisco, milhares de litros de cerveja, de azeite…
Como é a “pirâmide” organizacional de um navio de cruzeiro?
Aqui existe uma pirâmide encimada pelo comandante que é o responsável pela navegação, pelas manobras e pela segurança, a bandeira ou representante legal. Depois temos o diretor de máquinas, que é o responsável por tudo que é máquinas, como os motores, geradores, ar condicionado, luzes… e que tem sob a sua responsabilidade os engenheiros, os técnicos… E a seguir está o diretor de hotel, que tem abaixo dele todas as outras figuras, como o “cruise diretor”, responsável por toda a área de entretenimento, o “hospitality operation manager”, que coordena todas as operações para garantir a máxima eficiência e hospitalidade junto dos passageiros a bordo e que é o meu braço direito, o “inventory”, que é o responsável pelos bares, e o “controller” que me dá todos os números sobre o tudo o que se consome em cada dia.
Para além deste, temos ainda o diretor de “food & beverage”, o chefe de cozinha, o “bar manager”, o “restaurant manager“ e o “gallery operation manager”, que é a figura que se encarrega de tudo o que esteja ligado ao “lavar”, como pratos, copos, talheres, toalhas…
Resumindo, é uma organização enorme. Estamos a falar neste navio de 1278 tripulantes que são responsáveis pelo bem-estar e segurança de mais de 5,000 passageiros, dos quais apenas 60 estão diretamente ligados à “ponte de comando”, ou seja, ao comandante, e cerca de 70 que respondem perante o chefe dos engenheiros. Os restantes, mais de 1100 respondem perante o diretor de hotel. Claro que tenho que delegar funções. E quando mudo de navio, nunca levo ninguém da equipa anterior. Vou como José Mourinho ou Guardiola quando mudam de equipa. Vou treinar uma equipa nova, porque é sempre melhor começar com uma equipa que não conheço e aprender a trabalhar com eles e eles comigo. São ensinamentos que se adquirem a juntar aos anteriores.
E como passou a ser conviver com esta realidade que se chama Covid-19?
Não foi e não está a ser fácil. Mas já foi mais complicado. Imagina ao princípio com cada porto a ter as suas próprias normas. Itália tinha um procedimento, chegavas a Barcelona e tinhas outro, Marselha tinha outro, chegavas à Grécia e tinhas outro… Cada país tinha o seu próprio protocolo. Tínhamos que negociar com cada porto individualmente. Agora já está diferente. Incluindo a Grécia, onde desde o dia 1 de junho deixou de ser obrigatório o uso de máscara mesmo nos espaços públicos.
Eu, como diretor de hotel e o Covid Manager a bordo, tínhamos reuniões constantes com as autoridades de cada país.. Assim como tínhamos que negociar com as autoridades do país de bandeira do barco, que é italiana, e com a corporação a que pertence a companhia, para chegarmos a um acordo intermédio. Imagina um passageiro sair num porto em que não havia algumas restrições e depois embarcar e ter que usar obrigatoriamente máscara. Era uma situação muito sensível. Tínhamos que tomar decisões que afetassem o mínimo possível o passageiro. Houve a necessidade, juntamente com outras companhias, de apresentar um protocolo comum às diferentes autoridades. Atualmente já não pedimos o Green Pass ou o Certificado Europeu. Apenas o teste antigénio.
Pela grande diversidade na origem de passageiros e tripulantes também faz parte do grupo que ironicamente chama a um navio de cruzeiro de “ONU sobre o mar”?
Poderei chamar, sim. Para quem embarca, e para além das diversas línguas e fisionomias que connosco se cruzam durante o dia e noite e que nos dizem ser oriundos dos mais diversos continentes e países, também a tripulação ajuda-nos a quase poder considerar um navio de cruzeiro como uma “representação” da ONU. Por exemplo são mais de 50 as nacionalidades que entre a tripulação estão presentes, como filipinos, indianos e indonésios a ter uma forte presença pelas suas tradições marítimas, tripulantes oriundos dos mais diversos países africanos, das caraíbas, asiáticos e sul-americanos, assim como italianos por a bandeira da Costa ser italiana, bem como de outras regiões de Europa porque existe um acordo com a Comunidade Europeia perante o qual tem que haver a bordo entre a tripulação uma cota de europeus.
*O Turisver viajou a convite da Costa Cruzeiros