“Turismo Rico, Trabalhadores Pobres!”, por Nuno Abranja

Neste artigo, Nuno Abranja faz uma reflexão sobre o relatório da Pordata sobre a pobreza em Portugal, divulgado no passado dia 17 de outubro, e a sua relação com o Turismo, deixando observações sobre o que poderá estar a bloquear o desenvolvimento do verdadeiro turismo sustentável que protege o ambiente, a economia e a sociedade.
Nuno Abranja
Diretor do Departamento de Turismo, ISCE–Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo
Membro Integrado, CiTUR – Centro de Investigação, Desenvolvimento e Inovação em Turismo
Editor-in-Chief, Tourism and Hospitality International Journal
CEO, OMelhorDoTurismo – Consultora de Formação
Na semana em que saiu o Relatório da Pordata sobre a pobreza em Portugal, tomei a liberdade de refletir sobre a relação entre esta e uma das principais atividades económicas do país, o Turismo. Na verdade, tinha esperança de encontrar dados que me confirmassem que os destinos que mais apostam na atividade turística seriam as regiões mais ricas ou que mais rapidamente enriquecem. No entanto, e sem surpresa, há efetivamente muitas pessoas a enriquecer mas não são os trabalhadores do setor.
No final de 2023 a Agência Lusa publicava que, segundo o Plano de Desenvolvimento Social do Algarve, os indicadores de pobreza desta região, mais elevados do que na média do país, estavam relacionados com a elevada dependência de um monosetor económico, ou seja, a forte concentração de trabalhadores no alojamento e hotelaria. O jornal Público, por sua vez, escrevia, no final de 2023, “Região rica, povo pobre. O turismo é o sonho algarvio que exclui a maioria”. No mesmo sentido, o Observador publicava no final do ano passado que em 2022 “um em cada quatro madeirenses vivia em risco de pobreza, com a segunda maior taxa de analfabetismo no país, mas com turismo acima da média.”. O coordenador do último grande estudo sobre a pobreza em Portugal, Fernando Diogo, professor da Universidade dos Açores, dizia este mês, na RTP Madeira, que a forte dependência do turismo e da construção civil justifica a elevada taxa de pobreza nas regiões autónomas.
Face a estes e outros cenários semelhantes no nosso país, deixo aqui três grandes reflexões que estão a bloquear, porventura, o desenvolvimento do verdadeiro turismo sustentável que protege o ambiente, a economia e a sociedade: i) exploração e marginalização: se não for controlado, o turismo pode agravar as desigualdades locais, proporcionando às grandes empresas estrangeiras a retenção da maior parte dos lucros, enquanto os trabalhadores e a população local permanecem em situação de pobreza; ii) gentrificação e aumento do custo de vida: a valorização de áreas turísticas pode levar ao aumento do custo de vida, expulsando os moradores locais para regiões mais periféricas; e iii) dependência económica exclusiva do turismo: torna as comunidades vulneráveis a crises económicas ou desastres naturais que diminuem o fluxo de turistas.
Efetivamente, as vantagens do turismo deveriam ser obrigatoriamente partilhadas com as populações residentes, pois são estas as proprietárias do território que as empresas turísticas utilizam e que dele dependem. Não obstante, o que se tem visto, um pouco por todo o mundo, é o enriquecimento galopante dos investidores e empresários turísticos, já que não partilham a riqueza com a comunidade local nem com os seus trabalhadores, que, muitos deles, continuam a receber salários de sobrevivência.
Fontes consultadas:
Público (2023). Região rica, povo pobre. O turismo é o sonho algarvio que exclui a maioria. Disponível em https://www.publico.pt/2023/12/22/local/noticia/regiao-rica-povo-pobre-turismo-sonho-algarvio-exclui-maioria-2074636. Acedido a 17/10/2024.
Observador (2023). Investigadores defendem relação entre índices de pobreza no Algarve e dependência de turismo monosetor económico. Disponível em https://observador.pt/2023/12/12/investigadores-defendem-relacao-entre-indices-de-pobreza-no-algarve-e-dependencia-de-turismo-monosetor-economico/. Acedido a 17/10/2024
Observador (2023). Turismo acima da média mas níveis de desemprego e pobreza são elevados na Madeira. Disponível em https://observador.pt/2023/09/22/turismo-acima-da-media-mas-niveis-de-desemprego-e-pobreza-sao-elevados-na-madeira/. Acedido a 17/10/2024.
RTP Madeira (2024). Forte dependência do Turismo e construção civil justifica pobreza nas regiões autónomas (vídeo).Disponível em https://madeira.rtp.pt/sociedade/forte-dependencia-do-turismo-e-construcao-civil-justifica-pobreza-nas-regioes-autonomas-video/. Acedido a 17/10/2024.
Pordata (2024). Homepage. https://www.pordata.pt/pt/estatisticas/pobreza. Acedido a 17/10/2024.