TURISMO na Encruzilhada do MUNDO – Retrovisor ou Periscópio, por António Abrantes
António Abrantes analisa a atual conjuntura mundial feita de cenários de incerteza globalizada que tornam também incerto o futuro da atividade turística.
António Abrantes
Docente Universitário
TURISMO na Encruzilhada do MUNDO – Retrovisor ou Periscópio
- Pano de Fundo e Contexto
O Mundo está numa encruzilhada. Fruto de acumular de tensões várias entre Estados, decorrentes da desestruturação da arquitectura mundial pós-queda do Muro de Berlim, da emergência de actores globais autocratas e oligarcas, do ressurgimento de populismos extremistas, da sedimentação crescente de sociedades materialistas, de acelerações tecnológicas disruptivas que, tudo em conjugação, colocam desafios sérios à Humanidade que, colectivamente, estão distantes de ser resolvidos.
Paralelamente, logo em cúmulo, assiste-se à ocorrência de nano ciclos, de aceleração contínua, que têm originado camadas sobrepostas de problemas. É o caso presente. Ainda não saímos de uma catástrofe provocada por uma pandemia e já estamos a defrontar-nos com uma outra, esta originada por deriva(s) autocrática(s) com base numa ideia imperial, abjecta, biltre e fajarda.
Sobre a primeira, porventura, por ser entendida como coisa pouca, eis que a segunda deflagra e actua criando novo sobressalto planetário que perante, oponentes códigos morais e éticos acompanhados de indecisões e calculismos, vem agravar a situação do Mundo.
Da primeira conhece-se a sua evolução e os resultados no plano económico e social. Dívidas públicas soberanas descontroladas, quebras do produto, perda de rendimentos, avolumar de desigualdades. Da segunda é expectável que teremos maiores convulsões económicas e sociais e acréscimos de riscos planetário. Aos danos à ecologia, entendida na relação da humanidade com o seu contexto, somamos agora o jogo da geopolítica.
Em face destas circunstâncias, estamos precisados de visões inspiradoras e agregadoras. A economia deverá ser parte da resposta e nela o turismo tem um papel relevante. Por ser actividade relacional, de proximidade e de interação cultural, em suma, de conhecimento do outro. No final da linha, de paz e tolerância entre os povos.
- 2. Interregno do Turismo
Decorreram dois anos sobre a disseminação do SARS_CoV_2 e da doença pandémica COVID_19. Seguramente, a externalidade de maior impacto com que a actividade económica do turismo já alguma vez se confrontou.
A inibição da mobilidade aérea, rodoviária, ferroviária e marítima; a inibição da mobilidade de pessoas, por confinamento e restrições de circulação internacional e a inibição da mobilidade de bens e serviços, por encerramento de fronteiras, todas elas determinadas pelos Estados, destruturaram os mercados e as famílias. Iguais inibições foram determinadas nos espaços internos da maioria dos países.
Ao ter atingido, frontal e instantaneamente, os principais pilares em que a actividade turística se alicerça, o resultado foi o do colapso do turismo a nível mundial, traduzindo-se num impacto jamais, sequer, ficcionado. Numa situação ímpar, a oferta e a procura turística mundial foram, em paralelo e em simultâneo, suprimidas.
O reinício da actividade tem sido gradual, mas complexa, heterogénea, assimétrica e de avanços e recuos.
Em 2020, segundo a OMT, a chegadas de turistas internacionais tiveram uma quebra de – 72,7% e as receitas turísticas mundiais afundaram para – 64%. Em 2021 o primeiro indicador registou uma quebra de – 71,7% sobre o ano de 2019, não se dispondo ainda de informação quanto às receitas. Em Portugal, segundo o INE e BP, o sentido foi idêntico: No ano de 2020, – 61,6% de hóspedes, – 63,2% de dormidas e – 57,6% de receitas. Em 2021, relativamente ao ano de 2019, – 46,4% de hóspedes, – 46,6% de dormidas e – 45,7% de receitas. Em cima deste panorama, mais desemprego, falências de empresas e desigualdades sociais
Ou seja, a actividade económica do turismo, mundial e de Portugal, continua abaixo da sua capacidade produtiva e rentabilidade quando comparada com a alcançada em 2019. Em linguagem de marinha, apesar da subida em apneia, persiste ainda “debaixo d’água”.
O ano de 2022 perfila(va)-se como de continuidade da retoma, admitindo os mais optimistas, que o seja de recuperação para os níveis de actividade registados em 2019. O contexto actual, por presente força maior é, contudo, de modo a refrear entusiasmos e a sugerir a continuação de dificuldades nas empresas. A escalada no preço dos factores produtivos é uma delas e seria totalmente dispensável, no plano nacional, que se viesse juntar às demais dificuldades presentes no terreno de insuficiente e persistente falta de apoio à economia do turismo; de descapitalização e degradação dos balanços das empresas; do compasso de espera na TAP e da inarrável incapacidade de decisão quanto à nova infra-estrutura aérea na Região de Lisboa, em que, tudo somado, traz dificuldades acrescidas ao serviço turístico e à competitividade no nosso turismo.
As empresas turísticas continuam, assim, em estado de alerta amarelo, com horizonte de nuvens carregadas de incerteza e sem apoios substantivos e o nosso turismo, não obstante os esforços de algumas entidades, na esfera privada e na autoridade turística nacional, está global e objectivamente distante das preocupações governamentais, sem pegada conhecida nos fundos estruturais comunitários (PRR e Portugal 2030).
- 3 . Retrovisor ou Periscópio
Neste mar de questões e de infindas dúvidas colocadas por cenários de incerteza globalizada, o que deseja ser o turismo português?
O Turismo, à semelhança do Mundo presente, está perante desafios novos, decorrentes de motivações e preocupações disruptivas dos consumidores, em geral, e dos visitantes em particular. O turismo sendo hoje constituído por camadas distintas e heterogéneas de consumidores (baby boomers, geração X, millennials, geração Z, hashtag, etc.) terá que responder, por um lado, aos padrões e práticas de viajar de cada elemento como, por outro, ao novo significado e expectativa da viagem decorrentes das suas novas preocupações e motivações, entre as quais sobressaem as de ordem ecológica, tecnológica e individualidade de género.
Uma possível resposta, que apelidamos de retrovisor, recairá na utilização dos recursos existentes e da capacidade produtiva instalada, na sua distribuição geográfica e com as suas características actuais, com recuperação do desempenho, em volume, nos principais indicadores: hóspedes, dormidas, taxas de ocupação, RevPar e receitas turísticas, tendo como referência o ano de 2019. Para tanto podendo mesmo empreender-se reformas graduais, mesmo com alguma inovação, em termos de processos, promoção e melhoria infraestrutural dos destinos.
Sendo possível este posicionamento, poderá até vir a assegurar o potencial produtivo instalado de turismo no nosso país, continuar a prestar o seu contributo para a balança comercial e assegurar uma rentabilidade aos factores de produção da actividade.
Um outro cenário, que designamos de periscópio, pode alternativamente ser prosseguido. Aquele das reformas transformacionais no turismo, preparando-o para o que é já hoje perceptível: respeito pela ecologia; maior atenção às questões ambientais e alterações climáticas, reforço da intangibilidade do serviço, aceleração atomizada do consumidor, diferenciação da oferta de serviços e distribuição dos benefícios do turismo no destino e contributo para o desenvolvimento da sociedade.
Podemos entender que a resposta se possa focar num ou noutro plano. No primeiro, estaremos a privilegiar o curto prazo, com expectativas de normalização e retoma de um status quo de passado recente. No segundo, almeja-se o médio prazo, integrando o turismo nos ODS e no modelo de desenvolvimento económico, social e cultural da Europa, preparando-o, assim, para as novas condições da sua competitividade num futuro já em construção. É neste segundo plano que nos situamos.
Nota: Escrito às 3h30m do dia 24 de Fevereiro de 2022 em que Putin lançou o ataque militar de invasão à República da Ucrânia.