Tiago Féteira Rodrigues: “Passei talvez de um engenheiro informático frustrado para um hoteleiro feliz”

Tiago Féteira Rodrigues é assistente de direção do Hotel NAU Palácio do Governador, em Lisboa, e recebeu o Prémio Xénios da ADHP – Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal como “Melhor Diretor de Alojamentos”. Nasceu em Viseu, onde tirou o curso de Turismo no Instituto Politécnico, depois dos exames nacionais de matemática lhe terem pregado uma partida.
O Tiago sempre quis seguir uma carreira no setor do Turismo?
São os fatídicos exames de matemática que às vezes nos obrigam a optar por outros caminhos. Realmente não era o meu objetivo – eu queria seguir Engenharia Informática e ir para a Universidade de Aveiro -, mas a nota do exame não tinha sido extraordinária e decidi, em vez de ficar um ano parado em casa, ficar na minha terra natal, em Viseu, onde tirei o curso de Turismo. O primeiro ano, pensava eu, seria transitório, só para não parar, estar ativo e estar atento aos exames nacionais. O que aconteceu é que comecei a pensar “isto até é giro, até faz algum sentido”.
Até então nunca tinha pensado fazer uma carreira no Turismo, mas comecei a ver que era uma área tão dinâmica, tão interessante, que nos dá acesso a uma quantidade de informação, cultura geral, interação com outros meios e outras pessoas e foi por aí que comecei a ganhar algum gosto. Por isso mudei. Passei talvez de um engenheiro informático frustrado para um hoteleiro feliz.
Fale-me do seu percurso académico e profissional…
Tirei a licenciatura em Turismo no Instituto Politécnico de Viseu, um curso de três anos e findo esse tempo tive a oportunidade de ter o meu segundo estágio (o primeiro ainda durante o curso foi no hotel Montebelo, em Viseu), no Algarve. Foi aí que começou a minha “diáspora” por Portugal. Saí da escola, fui para Vilamoura como estagiário no Hilton Vilamoura durante três meses, no turno da noite, ou seja, pressupunha-se que eu fosse o apoio para os rececionistas da noite, aprendendo também com eles, mas também fazer aqueles trabalhos que os rececionistas não querem fazer: carregar malas, estacionar carros, enfim tudo o que seja, “from de botton”. Ou seja, comecei mais como tendo umas noções de portaria e absorvendo o conhecimento dos meus colegas, porque à noite há tempo para tudo e formar um estagiário bagageiro num “night auditor”.
Findo o estágio tive a oportunidade de continuar no Hilton Vilamoura, já não como estagiário, mas como rececionista, na parte dos apartamentos. Foi aí que comecei a dar os meus primeiros passos como rececionista de segunda, fiz também muitas noites, era uma receção pequena e que nos obrigava a ir um pouco além do que era o check-in e o check-out, éramos nós também que fazíamos as reservas e o acompanhamento dos proprietários dos apartamentos e foi uma experiência importante.
Acabei por mudar para o resort turístico de luxo Vale de Lobo, onde apesar de ser uma receção maior continua a haver este trabalho de reservas, de night auditor, de rececionista. A certa altura pensei que ali dificilmente haveria evolução, porque posições hierarquicamente mais relevantes já estavam ocupadas por colaboradores que ali estavam há mais anos.
Então tive a oportunidade de fazer a minha primeira abertura no Epic SANA Algarve, em Albufeira, como rececionista de primeira. Foi o meu trajeto mais curto, apenas nove meses, mas fui promovido a chief leader. Tive de abandonar esse projeto, porque casei e vim para Lisboa.
Veio para Lisboa e na capital se mantém?
Fui trabalhar na Pousada de Cascais, na altura Leading Hotels of the World, com standards muito aguerridos, e assumindo as funções de chief leader. Comecei também a ser duty manager, houve essa promoção, chief leader e chaves de ouro, na altura fui também distinguido com essa vontade interna de poder ter mais contacto com o cliente, e fiquei ali três anos.
Fui então desafiado para o projeto onde estou agora, o NAU Palácio do Governador, a minha segunda abertura na carreira, assumindo pela primeira vez o cargo de chefia de uma equipa de 12 pessoas, vai fazer quase oito anos. Passado ano e meio fui convidado para ser assistente de direção do hotel, cargo que desempenho até agora.
“Sou um assistente de direção muito operacional, muitas vezes com uma função de apoio mais imediato das chefias de topo de cada um dos departamentos”
Enquanto Assistente de Direção tem a seu cargo várias funções, que vão desde a coordenação, supervisão de equipa, cooperação na implementação de estratégias, etc. Na prática como é que isto tudo se processa?
Atualmente e passados cinco anos a desempenhar esta função tenho o cuidado de ser um suporte nas várias áreas operacionais. Hoje em dia com um olho mais clínico sobre o que é a operação de alojamento, Food & Beverage, e Spa. O meu dia-a-dia vai muito no sentido da operação que temos no hotel, desde grandes eventos, onde dou o meu apoio na gestão e coordenação, obviamente na parte orçamental, onde dou apoio direto à General Manager do hotel.
Desde o acompanhamento do que é a gestão de alojamento, com apoio e supervisão do front office management, da governanta, acompanhamento e apoio no OGE onde acompanho grupos, até inspeção. E no meio disto tudo ainda ter capacidade para olhar o que é gestão de Spa, gestão de sala, gestão de manutenção, entre outras coisas. Sou um assistente de direção muito operacional, muitas vezes com uma função de apoio mais imediato das chefias de topo de cada um dos departamentos.
Gestão do potencial humano é a maior dificuldade
Quais são as maiores dificuldades que encontra no dia-a-dia?
É na gestão do nosso potencial humano, dos nossos colaboradores, até porque estamos numa transição entre gerações. A maior dificuldade é gerir uma mão-de-obra muito exigente no que ao reconhecimento diz respeito, porque a geração mais jovem quer resultados imediatos e a hotelaria não é um jogo de computador em que se passa de nível muito rapidamente. Há que mostrar-lhes que estão no caminho certo, mas que precisam de dar mais algum tempo para haver esse reconhecimento, há que fazer entender que para termos alguma coisa temos de lutar por ela.
E também é difícil fixar esses trabalhadores?
É difícil mantê-los, porque o que eu me apercebo é que esta geração procura a felicidade e se não a têm no imediato rapidamente saltam para outra atividade profissional. Ou vão para uma rent-a-car ou vão vender casas ou outra coisa qualquer, não quer dizer que eles saltem para a concorrência. Atualmente fala-se de carreiras e eu pergunto-me: daqui a 20 ou 30 anos que carreiras de hoteleiros vamos ter?
Na sua opinião o que é que tem mudado na hotelaria desde que entrou nesta área?
Li recentemente uma entrevista do Raul Ribeiro Ferreira, vice-presidente da ADHP, ao Turisver em que dizia que as escolas “pintam a hotelaria como um mundo de fadas e de sonhos” e, muitas vezes, os miúdos quando saem da escola vêm com uma ideia que está longe de ser a realidade, porque existem dificuldades, existe banco de horas, existem horas de trabalho nas pernas. Isto não é fácil. No último congresso da ADHP falou-se muito dos problemas que já conhecemos, fala-se um pouco de algumas soluções, mas não se fala do “já mudámos e estamos a ter resultados”.
Se queremos cativar esta nova vaga de profissionais da hotelaria que nos chegam da Escola Hoteleira ou não, destes jovens que nos chegam porque acharam giro vir trabalhar para um hotel, vamos ter de pensar de maneira diferente. Não podemos estar à espera que alguém institua uma lei em que as pessoas que trabalham ao fim-de-semana têm de ganhar mais, isso tem de partir dos hoteleiros e das cadeias hoteleiras: mudar este nosso mundo. Alguém do Grupo Vila Galé dizia que temos de “dar dignidade à nossa função”. Não podemos estar à espera dos outros, temos de ser nós. Sabemos os problemas e sabemos as soluções e se as colocarmos em prática vamos voltar a ter hoteleiros rijos, miúdos que se interessem por esta área para carreira.
“Perceber que fui reconhecido pelos meus pares, pelo meu trabalho e empenho foi gratificante”
O que significa para si receber este prémio de “Melhor Diretor de Alojamentos” nos Xénios 2023?
Isto foi tudo uma surpresa inacreditável. Receber um email a dizer “Tiago estás nomeado para” … não estava à espera. Fui tentar perceber quem é que me tinha nomeado, quem é que se tinha lembrado de mim, porque eu estava completamente desfasado desta ideia e depois perceber que passando à fase seguinte o meu trabalho ia ser reconhecido não por voto público, mas por um comité de profissionais desta área que iriam analisar os vários currículos e processos, enfim fiquei a pensar será que posso ganhar, será que não posso? Concorri com pessoas que têm um histórico invejável, têm um currículo muito bom e percebi que estava ali num lote de candidatos com bastante relevância. Mas depois estar no congresso da ADHP, estar na minha casa [o congresso da ADHP decorreu no NAU Salgados Palace] e receber este reconhecimento, para mim foi maravilhoso. Perceber que fui reconhecido pelos meus pares, pelo meu trabalho e empenho foi gratificante.
Sente que este prémio lhe pode abrir portas para outros desafios?
Fechar não fechará, esta exposição é óbvio que leva a outro tipo de interações. Desde o dia em que recebi o prémio tenho tido interações de diversos meios, colegas com quem já não falava há muito tempo, pessoas que não me conheciam e vieram saber quem sou. Este reconhecimento da ADHP é relevante, é digno, dá-nos algum destaque. Acho que sim, só pode abrir portas e não estou a falar de outros desafios, mas também de abraçar projetos que estejam ligados à formação, ao associativismo, claro que sim.
Que conselhos daria às gerações que agora ingressam na área da hotelaria?
Sobretudo que venham com a humildade de quem saiu de uma escola, superior não. Têm de perceber que no dia-a-dia as coisas são mais cruas, que com humildade, abnegação e dedicação os resultados vão aparecer. Mas sobretudo, terem a humildade de perceber que quem cá está teve um trajeto, tem a sua experiência e poderá ter muito para lhes dar. Eu digo que gosto de conhecer pessoas diferentes porque de certeza que vou receber algum conhecimento da parte deles. Estes meninos, como carinhosamente trato alguns, porque lhes vejo essa competência, devem vir com a humildade de quem tem muito para aprender na prática, porque a teoria já tiveram, devem dedicar-se e estar atentos, porque os resultados virão.