Sandra Nunes premiada nos Xénios 2024 contou no ‘Be Our Guest’ a sua experiência de trabalho em Angola
Sandra Nunes, vencedora do Prémio Xénio 2024 para ‘Melhor Diretor de F&B’ foi a convidada do “Be Our Guest” da ADHP, na passada segunda-feira, onde esteve em análise “A Importância do F&B”, numa sessão moderada por Raul Ribeiro Ferreira, vice-presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal. Ali, a profissional contou como foi a sua experiencia de trabalho em Angola.
Sandra Nunes, que atualmente dirige a área de F&B no Évora Hotel, foi, a dado passo da sua carreira, desafiada para ir para Angola, para abrir uma unidade em Luanda, uma cidade com mais habitantes do Portugal interno, e onde “as coisas correram bem mas podiam ter corrido mal”, disse no “Be Our Guest” de 27 de maio.
“Quando me foi apresentado o projeto de Angola, achei que a abertura de um hotel é sempre um desafio, em Angola ou em qualquer parte do mundo, por isso aceitei”, recordou a profissional, acrescentando que “qualquer um de nós gosta de fazer uma abertura, que é sempre aquele stress, aquele nervosismo, aquele desafio enorme e foi muito nessa base que eu aceitei o desafio sem pensar muito para onde estava a ir.
Mais tarde é que me apercebi que ia para um país 10 vezes maior do que Portugal e para uma cidade que tem a população do nosso país”, isto “sem falar na vertente cultural, na vertente económica e social”.
Mesmo assim deixa claro que “voltaria a aceitar o convite, voltaria a fazer uma abertura em Angola, em Luanda, com tudo aquilo que de negativo sempre possa existir, mas também com tudo aquilo de bom que eu aprendi lá e que me deu mais ambições para a vida”.
Em Luanda foi abrir o Hotel Faias, uma unidade pequena mas com um forte componente de restauração e catering. O Faias, disse, tinha um restaurante que trabalhava muito para as multinacionais e para os Ministérios e o “objetivo era fazer dois turnovers, dois sittings”, o que aconteceu passados quatro meses, levando a que o restaurante rapidamente ganhasse visibilidade no mercado.
“Apesar de ser Angola, a exigência estava lá na mesma, apesar de poder haver uma pequena desculpabilização ao nível do serviço, porque estamos a falar de mão de obra não qualificada, que temos que formar de raiz, estamos a falar da escassez dos produtos, e da inflação”, contou, recordando que “a cesta básica tinha oscilações de 300% -400%” o que fazia com que fosse “uma loucura” trabalhar o F&B com esta estrutura de preços.
“Angola “é outro mundo” e “ninguém ia a um Soba, que é o “chefe” de uma aldeia, negociar o peixe e pedir autorização para que o nosso restaurante pudesse consumir o peixe do Rio Cuanza, por exemplo”
“Em Angola, tens que aprender a defender-te e a ganhares alguma coragem para saíres de algumas situações caricatas”, assume. E foi isso que fez ao ir negociar com o produtor local, algo que, à época, “era perfeitamente fora da caixa”.
Angola “é outro mundo” e “ninguém ia a um Soba, que é o “chefe” de uma aldeia, negociar o peixe e pedir autorização para que o nosso restaurante pudesse consumir o peixe do Rio Cuanza, por exemplo”, tanto que “na altura chamaram-me “louca”, houve um motorista que me disse, você não sabe onde é que está a meter, e eu reagi com um vamos lá, vamos tentar, não vamos desistir já, vamos tentar”.
Os desafios em Angola iam muito além do abastecimento, passavam, por exemplo, como contou Sandra Nunes, pela gestão de pessoas, com Sandra Nunes a confessar que a experiência adquirida em Luanda nesta área “serviu-me e ajudou-me muito para conseguir gerir este problema que nós temos hoje em dia” em Portugal.
Sobre esta área recorda que “o mais desafiador foi criar uma estratégia para que não tivesse de triplicar o número de trabalhadores”. Com a ajuda do administrador o que na altura foi pensado foi “ajustar a questão dos ordenados, de forma a aumentar a assiduidade e com qualidade” o que foi conseguido criando “um ordenado base, imaginem de 300€, e um prémio de assiduidade e de pontualidade de 300€”, ou seja, “se cumprissem a regra, os trabalhadores, ao final do mês, duplicavam o salário”.
Ainda em Angola a Sandra passou do hotel Faias que servia 200, 300 refeições para a segunda maior empresa de catering de Angola, que servia cerca de 3.500 refeições por dia em vários pontos do país, uma experiência de que o vice-presidente da ADHP desafiou a convidada do ‘Be Our Guest’ a falar.
Sandra Nunes recorda que o maior desafio passou pelo facto de ter a trabalhar consigo cozinheiros e ajudantes de cozinha, que “nem sequer sabiam ler, quanto mais interpretar uma ficha técnica”. Para contornar parte do problema, a profissional optou por dar formação extracurricular aos sábados
Sobre esta experiência, Sandra Nunes recorda que o maior desafio passou pelo facto de ter a trabalhar consigo cozinheiros e ajudantes de cozinha, que “nem sequer sabiam ler, quanto mais interpretar uma ficha técnica”. Para contornar parte do problema, a profissional optou por dar formação extracurricular aos sábados.
“Todos os sábados, pegava em equipas diferenciadas de cozinha e, começava, desde a raiz, a formar os cozinheiros, porque era aí que estava o grande problema: se queria substituir os expatriados era na área de cozinhas que tinha de fazê-lo porque era aí que estava o maior número”, contou, frisando que “ao fim de seis meses comecei a ver resultados e ao fim do ano, eu estava a substituir os expatriados” porque “os nacionais, os angolanos, estavam desejosos de aprender”.
Na área de F&B aconteceu o mesmo e “ao fim de um ano, provámos que era possível dar oportunidade aos nacionais para mostrarem que não tão capazes e tão ou mais válidos do que os expatriados”.
Para Sandra Nunes, “a das gestão das cozinhas, em termos de F&B, foi um marco, porque a exigência de fazer 3500 refeições diárias, na maior parte para o Ministério da Defesa, portanto, militares, com protocolos muito fortes, com exigências grandes, levou a que quase tirasse uma licenciatura em protocolo militar”.
A propósito desta experiência angolana da convidada do ‘Be Our Guest’, Raúl Ribeiro Ferreira apontou que em Portugal, e de certa forma na Europa, não se valoriza um diretor que esteve a gerir um hotel de 100 ou 300 quartos em Angola” ao invés do que acontece com quem vem, por exemplo, do Dubai.
Esta é uma situação que, para a diretora de F&B, revela “um bocadinho falta de conhecimento e um bocadinho de preconceito” porque “Angola tem outros desafios que a Europa não tem, e outra forma de lhes dar resposta”. São desafios “muitas vezes mais profundos devido à falta de recursos (…) Ter falta de produto para trabalhar uma carta, trabalhar a área de F&I num país com a escassez da oferta de produto é algo que às vezes se torna muito difícil”, afirmou, acrescentando que muitas vezes as pessoas “não têm noção que Angola importa 90% e na altura em que lá estive Luanda era a segunda cidade mais cara do mundo”, devido a essa falta de produto.
Recorda que à época, “não existia turismo em Angola” e que a maior parte dos hotéis em Luanda trabalhava para os quadros superiores de empresas multinacionais ligadas à área de petróleo, construção, etc., segmentos muito exigentes em termos de qualidade de produto e de serviço, o que fazia com que existissem quartos a 500€ por noite.
Sandra Nunes deixa claro que “estes desafios foram, de facto, surpreendentes para mim e foram maravilhosos”. Por isso reitera que “voltaria a Angola”
A propósito recordou uma situação por que passou: “o administrador do hotel Faias dizia-me que o principal restaurante de Luanda, que estava ali ao lado, o Bistrô com conceito francês, era o melhor e que por isso nós devíamos seguir o conceito francês e não queria, de todo, que fizéssemos uma carta com pratos nacionais angolanos”.
Sandra Nunes compara a situação com o que se passou em Portugal nos anos 80 em que havia “uma certa vergonha” de apresentar pratos nacionais quando “hoje é um orgulho servir gastronomia portuguesa, tipicamente portuguesa, com autenticidade”.
Tendo esta experiência portuguesa, Sandra Nunes conta que teve “a ousadia de às sextas-feiras, um dia peculiar em Angola, oferecer na carta um prato angolano” e foi um sucesso: “era o dia que eu recebia mais clientes”, afirmou, recordando que, ainda assim, “diziam-me ah, um Mufete, nós não comemos isso, não é isto que queria mas está bem, vem isto. E todas as sextas-feiras nós tínhamos a sala cheia e notava-se que era só aquela questão de que o que vem de fora é que é bom”.
“Quebrei um bocadinho o mito que é a cozinha internacional é que é boa”, defende, para acrescentar que “sei que ainda hoje, às sextas-feiras, se servem no hotel pratos tipicamente angolanos”.
A concluir, Sandra Nunes deixa claro que “estes desafios foram, de facto, surpreendentes para mim e foram maravilhosos”. Por isso reitera que “voltaria a Angola”.