Raul Ribeiro Ferreira: “Temos que ser proativos e não ficar à espera que a procura se ressinta”

Para Raul Ribeiro Ferreira, diretor-geral da Estalagem Muchaxo – Hotel, o verão, na zona de Cascais, ultrapassou os indicadores de 2019, principalmente ao nível do preço médio. Para o início da época baixa, também não antevê problemas mas há preocupações que se colocam, nomeadamente ao nível dos efeitos da inflação e dos recursos humanos, área em que os problemas não estão resolvidos, bem como da atração dos jovens aos cursos de turismo.
Como é que tem corrido o Verão na zona de Cascais?
Na generalidade, tivemos um verão acima de 2019 e mesmo aqueles que já tinham operações muito vendidas conseguiram aumentar o preço médio e libertar uma margem um pouco maior. As unidades que estavam muito expostas a operadores turísticos e ligadas a contratos de tour operação tradicional tiveram menos capacidade para aumentar os preços, embora o tenham acabado por poder fazê-lo em termos das vendas online que permitem uma maior gestão do preço.
De uma forma genérica, por aquilo que me tem sido transmitido e pela minha experiência, o ano, principalmente a partir de junho, atingiu índices acima do que estava previsto.
No nosso caso particular, aqui na Estalagem Muchaxo – Hotel, por motivo de obras, 2019 não tinha sido o nosso melhor ano – o melhor ano tinha sido 2016 e por isso este é o nosso termo de comparação. O que posso dizer é que, não em termos de ocupação porque em 2016 tivemos taxas de ocupação de 95% e já não havia muito espaço para crescer, mas de preço médio estamos substancialmente acima. Esta situação vai ao encontro daquilo que era a minha expectativa, que era a de termos uma recuperação muito mais rápida do que outros destinos nossos concorrentes porque o tipo de operação que nós temos é mais fácil de montar à última hora uma vez que não estamos tão expostos a operações com um número de pessoas muito elevado, que custam sempre mais a arrancar. O número de turistas de que precisamos permite-nos um last minute muito mais forte do que outros destinos, não precisamos de operações organizadas em charter, por exemplo, ao contrário do que se passa por exemplo, com as ilhas espanholas.
A Estalagem do Muchaxo faz uma grande aposta em serviços de restaurante e bar. Tiveram bons proveitos nessa área?
Tivemos. No nosso caso particular beneficiámos de duas coias: por um lado, houve um reconhecimento por parte do nosso cliente habitual por, durante a pandemia, não termos encerrado e, por outro lado, como não dispensámos trabalhadores, não sentimos a pressão de termos que estar à procura de funcionários para trabalhar. Temos um quadro de pessoal bastante estabilizado, embora tivéssemos sentido também algumas dificuldades, nomeadamente em áreas que íamos abrir.
Além disso, optámos por não aumentar os preços aos nossos clientes habituais, o que fizemos foi tentar que o cliente gastasse mais dentro da unidade, tentando, por exemplo, vender mais meias pensões, e esta foi uma estratégia que nos correu bem.
Isso não significa que não tivessem que fazer alguns ajustamentos devido à inflação…
Fizemos alguns ajustamentos mas pequenos. Devido ao tipo de contratos que tínhamos não sentimos tanto o aumento do custo nomeadamente da energia, vamos senti-lo dentro de pouco tempo, por outro lado, na área dos alimentos procurámos fornecedores que nos conseguissem fornecer os produtos dentro do preço que precisávamos, tudo para refletirmos o menos possível no cliente o aumento do custo dos produtos.
No fundo, com esses ajustamentos, acabámos por penalizar mais o cliente last minute do que o cliente tradicional que, em agosto, representa uma fatia muito elevada da ocupação do hotel e que fazem estadias longas, de 15 dias ou três semanas.
Esse cliente mais tradicional é mercado nacional?
Há algum mercado nacional mas uma grande parte são alemães e espanhóis que já ficam connosco há vários anos, alguns mesmo há gerações.
Na primeira fase da época baixa não teremos problemas
Qual é a perspetiva para a época baixa?
Com os dados que temos, e que se apoiam também no que está a passar-se em Lisboa, temos a ideia de que até meio de Novembro não teremos grandes problemas. Setembro vai correr dentro do que era normal para esse mês, outubro vai acompanhar o que já aconteceu o ano passado em que foi o melhor mês de outubro dos últimos tempos, em várias unidades até o melhor de sempre, porque há várias provas desportivas que acontecem aqui e diversos congressos em Lisboa que também empurram a ocupação para Cascais. Para novembro, os dados que temos permitem-nos antever alguma estabilidade, pelo menos até meio do mês.
Portanto, até meados de novembro não temos grandes preocupações, a partir daí teremos que ver o que se passa. Numa situação normal, dezembro, apesar de ser fraco, é um mês que tem alguma atividade ligada ao Natal e penso que este ano a época natalícia trará muito mais eventos porque as empresas vão querer reunir-se e promover ações nesta época.
Há alguma preocupação em torno de dois problemas mas penso que isso será transversal ao país. Por um lado, a falta de recursos humanos que ainda não sabemos como irá desenvolver-se no futuro porque o problema ficou amenizado mas não está resolvido e é preciso saber o que é que aí vem, mesmo com a importação de mão-de-obra dos PALOPs. Não sabemos se quem vem vai ter uma licença especial para a trabalhar apenas em Portugal ou se o visto de trabalho lhes irá continuar a dar acesso a toda a Europa, o que levará a que continuemos a ter uma fuga de gente para outros países.
É importante percebermos também o que é que está a passar-se nas escolas. O ano letivo está prestes a começar e os dados preliminares indicam que a procura na área do turismo não é tão grande como costumava ser, o que irá dar-nos que pensar. Provavelmente, terá que ser feito algum trabalho de embelezamento das profissões do turismo mais rapidamente do que se estava previsto.
Por outro lado, também é importante perceber que impacto é que a inflação e os juros vão ter na procura, principalmente na classe média. Este ano as pessoas tinham dinheiro mas se calhar no próximo ano não será tanto assim. É preciso perceber como isto vai funcionar até para podermos fazer alguma substituição de mercados ou complementar com outros mercados-alvo. Penso que o mercado norte-americano está em força e poderá ser mais estimulado até porque o dólar está em alta. O petróleo também está em alta e isso pode trazer outros mercados, como o angolano. Penso que temos que ser proativos e não ficar à espera que a procura se ressinta.
Também vai ser interessante percebermos os números do mercado nacional, saber que papel teve o mercado interno neste crescimento das dormidas, para entendermos o dano que pode causar se houver uma crise no mercado português.