Raúl Ribeiro Ferreira: “Limitava o número de estagiários que os hotéis podem ter, para valorizar esses estágios”

Vice-presidente da ADHP, diretor-geral do Lavanda Group e docente na ESHTE na Universidade Lusófona nas áreas de gestão do alojamento e gestão de F&B, Raúl Ribeiro Ferreira não vê que a ‘via verde’ para a imigração vá resolver o problema da falta de mão de obra na hotelaria. Ao Turisver explicou porquê e falou das suas preocupações relativamente à fixação de profissionais qualificados em Portugal.
No último congresso da APECATE, o Raúl disse que o protocolo de cooperação para a imigração laboral regulada, a chamada ‘via verde’ para a imigração, não resolvia o problema da falta de mão da hotelaria, ou eu percebi mal?
O Governo anunciou uma ‘via verde’ para as grandes empresas mas nós temos uma hotelaria baseada nas pequenas e microempresas, e evidentemente não conseguimos basear toda a tipologia da nossa hotelaria apenas em mão de obra estrangeira, até porque mesmo nessa mão de obra imigrante nós vamos concorrer com outros países, e o que nos vai acontecer é que, por uma questão de valor salarial, em termos de preço, se concorrermos com hotéis no Dubai, ou até com a nossa vizinha a Espanha, é que eles vão preferir ir para países onde vão poder sempre ganhar mais dinheiro.
O que vai acontecer é que nós vamos sempre receber a mão de obra menos qualificada que sai dos seus países, e por isso temos de ter equipas de direcção hoteleira, que têm de ser formadas na base de mão de obra nacional que consiga dar formação e orientação a esses novos trabalhadores, os mesmos que depois de terem essa formação vão sair para outros países da Europa, por exemplo, e não podemos ter dúvidas disso. Por isso, a estrutura que vai ser o garante da qualidade será sempre a portuguesa, e com este contexto eu acho que temos de olhar para as coisas dessa forma, e perguntar o que é que temos de fazer para segurar os nossos jovens.
Esta questão dos jovens terem estágio remunerado já é um passo ou não?
Há três tipos de estágios. Há o estágio curricular, que é feito durante o curso, com os jovens a serem remunerados à semelhança de outros, mas eu não penso que o problema seja a remuneração, muito embora essa remuneração seja sempre uma ajuda para o jovem. Eu limitava o número de estagiários que os hotéis podem ter, para valorizar esses estágios e esta situação preocupa-me mais do que os estágios serem remunerados-
Eu costumo dizer aos meus alunos que se houver um hotel que pague 500 ou 1.000 euros, ou que pague o ordenado mínimo, até pode parecer muito bom mas se meterem 50 jovens numa sala eles não vão lá aprender, eles vão lá estar apenas para trabalhar.
Independentemente de tudo, o hotel está a meter mão de obra porque precisa de trabalhadores, ponto. Ou porque o trabalhador é mais qualificado, ou porque é mais fácil de ir buscar estagiários às escolas, só que isso não acrescenta na formação. O jovem até pode estar a receber dinheiro, mas para isso vai trabalhar. Se, hipoteticamente, ele fosse trabalhar diretamente no gabinete do diretor, quase nem precisava de ser pago porque o conhecimento que ia trazer dali era uma mais valia para o seu futuro profissional e isso é mais importante do que os 500 ou 1.000 euros que vai receber.
Depois temos os estágios do IFP, que são pagos e que podem ser uma forma de as empresas pequenas poderem ter mão de obra qualificada, pelo que neste caso não há problema.
O problema reside naqueles estágios não curriculares, que era aquilo que os alunos, no primeiro ano das escolas de hotelaria faziam por auto-recriação porque muitos deles não são obrigados a fazer estágio no ensino superior. Havia um acordo com a escola, por causa dos seguros e para não haver mão de obra escondida, e eles propunham-se.
Mas isso não era uma prática de há muitos anos?
Sim, era corrente, mas o problema é que por causa dos estágios dos advogados, foram alterados esse tipo de estágio, de acordo com a legislação, a pessoa que for desempenhar uma função enquanto estagiário não curricular, tem que receber o mesmo que a pessoa que não está a fazer esse estágio mas que já exerce as suas funções nessa aérea na unidade. E aqui levanta-se um problema: se fizermos de conta que não sabemos disso, vamos ter um dissabor porque a lei diz que a pessoa passa a ser integrada automaticamente no mesmo nível onde estão os outros empregados. É a meu ver preciso corrigir esta situação rapidamente porque isso fazia integrar algumas pessoas, fazia dar conhecimentos.
O que nós vamos ter que descobrir é o caminho para segurarmos as pessoas em Portugal porque de contrário vamos exportar toda a nossa mão de obra qualificada.
“Não podemos dizer a um jovem que tire um curso superior ou profissional e quando depois vai desempenhar uma função que qualquer outra pessoa não formada pode desempenhar, porque não há nenhum tipo de regulamentação”
O caminho que vê para a fixação de profissionais qualificados no setor, passa por uma melhor remuneração, um melhor esquema de horários, ou por outras situações?
Eu penso que a primeira coisa a fazer tem que ser a dignificação das profissões da hotelaria. Não podemos dizer a um jovem que tire um curso superior ou profissional e quando depois vai desempenhar uma função que qualquer outra pessoa não formada pode desempenhar, porque não há nenhum tipo de regulamentação. Isto deve começar até para os guias, porque é uma coisa muito visível, e a comunicação social já abordou a matéria, e quando isso acontece, pressiona, e a seguir as coisas acontecem.
Há poucos dias diziam-me “ah, não tenho cozinheiros, mas arranjei uma senhora que faz quartos que tem o marido a trabalhar na obra e eu já lhe perguntei se ele não quer ir para a cozinha”. Ora,isto não pode ser, porque desta forma vamos acabar por matar a nossa “galinha dos ovos de ouro”, vamos dar cabo da qualidade do serviço que temos.
Por isso acho que era importantíssimo voltarmos a uma regulamentação – não é regulamentar por regulamentar ou para dificultar o acesso, mas é dizer que há aqui pessoas que se formam, que estudam, que trabalham e têm uma capacidade diferente das outras – ter jeito não é saber.
Fica com a sensação de que os seus alunos vão continuar nesta área, ou uma parte deles diz adeus a este setor?
Depende de onde vêm. Independentemente de ser professor, eu tenho a vantagem de fazer parte de conselhos gerais e de alguns conselhos consultivos de várias escolas do país, e há escolas em que os alunos ficam quase todos na área, enquanto noutras há uma grande parte que abandona. Isto tem a ver com as escolas para onde vão porque sentem o chamado e vão nem que seja para o outro lado do mundo, porque querem mesmo seguir aquilo, ou outras para onde vão apenas porque está na moda ir para a hotelaria. Depois, quando entram no mercado de trabalho e veem que está desorganizado, acabam por desistir porque são alunos que estudaram muito e não sentem reconhecimento pelo trabalho que fazem.
Eu acredito que temos bons profissionais, por isso são reconhecidos lá fora, e somos um país em que os alunos que vão estudar lá para fora são reconhecidos como tendo um conhecimento bastante alto. Claro que podemos sempre melhorar e podemos sempre acreditar que se pode fazer melhor, mas o trabalho feito é um trabalho bom, o que é preciso é criar primeiro um encanto, mas um encanto que não seja mentira.
Mas há coisas que os outros países conseguem resolver de alguma maneira.Por exemplo, na Islândia há turnos de 12 horas de trabalho e as pessoas têm 3 dias de folga por semana. Porque é que isso não se consegue em Portugal?
Porque há um permanente levantar de problemas entre os sindicatos e as associações patronais. Eu tenho de chamar a atenção que há um espaço aqui que devia ter sido tomado, que é o das associações profissionais que deviam ter uma posição importante nas negociações, porque as outras duas partes, apesar de se darem relativamente bem, de haver acordos, estão extremadas – as partes têm princípios extremados. E nós vemos, noutras áreas da economia, que são as comissões trabalhadoras, que estão mais perto das associações profissionais, que conseguem mais facilmente acordos. Não é desfazer dos sindicatos, até porque as associações profissionais não querem ser sindicatos mas nós, como não temos uma visão tão extremada das situações, se calhar temos uma visão mais equilibrada.