Presidente da Calheta Décio Pereira considera que a ilha de S. Jorge “tem coisas únicas” para os turistas desfrutarem

Em entrevista ao Turisver, o presidente da Câmara Municipal da Calheta, na ilha de São Jorge, Açores, realça os atributos únicos de uma ilha que tem muito para oferecer aos turistas durante todo o ano e assume ser defensor de um tipo de turismo assente na recuperação de património e na salvaguarda das riquezas naturais.
Estamos na ilha de São Jorge, que tem dois municípios.Trabalham em conjunto? Consegue haver harmonia na área do turismo?
Numa ilha que tem pouco mais de 60 quilómetros de comprimento, 6 ou 7 de largura, não fazia sentido nenhum que não trabalhássemos em conjunto. Um dos grandes exemplos dessa harmonia e desse entendimento é “Velas Capital do Queijo” e “Calheta Capital das Fajãs”, porque em boa verdade todos produzimos queijo em toda a ilha e todos temos Fajãs em toda a ilha, portanto, isso é um entendimento e acho que tem funcionado bem.
São Jorge penso que está num período de evolução que eu denominaria de muito simpático, é óbvio que nem tudo é como queremos, mas relativamente ao turismo de massas de que tanto se fala, acho que São Jorge já tem os seus próprios filtros, mesmo a questão das viagens aéreas que às vezes são excessivamente caras, é um filtro.
Mas insisto que a pitoresca da ilha de São Jorge tem de facto coisas únicas, somos a única ilha dos Açores onde se apanham amêijoas, as Fajãs mais emblemáticas estão na ilha de São Jorge, temos das melhores ribeiras da Europa para se fazer o Canyoning, temos o queijo de São Jorge que é um produto que dispensa qualquer apresentação e que é de facto um embaixador, não de São Jorge nem dos Açores, mas do nosso país. Somos uma ilha – e também costumo insistir muito nisto -, que dá de tudo, a terra é fértil, somos pessoas afáveis, portanto só temos de ter o cuidado de não nos deixarmos contagiar por certas coisas que vão aparecendo, sobretudo nesse mundo muito comunicacional, onde às vezes nem tudo é bom.
Apercebi-me de que, independentemente das vossas intenções, há sempre o objetivo de captar investimento turístico. As câmaras municipais, nomeadamente a da Calheta, têm sido muito assediadas para a construção de unidades hoteleiras?
Em bom rigor, em São Jorge só existe uma unidade hoteleira que eu possa considerar assim, o resto são pequenos espaços, mas sou particularmente defensor de um turismo mais específico. Estamos aqui no Encontro das Casas Açorianas e podemos ir por esse caminho, que está muito certo, de recuperação de pequenas ruínas, em particular nas Fajãs que têm essas características. Acho que há aqui uma coisa que pode estar a falhar, mas o futuro vai dizê-lo, porque mesmo nas nossas freguesias mais rurais há muita casa abandonada que poderia ser objeto de um incentivo do governo ou algo do tipo para dinamizar a sua recuperação.
Dou-lhe um exemplo muito prático: no meu concelho temos um lugar que se chama Lourais, na freguesia da Ribeira Seca, onde moram atualmente 8 pessoas, que fica num ponto muito estratégico mas bastante longe do mar já, e em que há pessoas neste momento a fazer investimento, e eu não tenho qualquer reserva, aliás, nós temos hoje em dia Fajãs de São Jorge, onde se calhar mais de metade das casas já não são de proprietários locais, mas de pessoas oriundas das mais diversas partes do mundo, e penso que o caminho é esse, ou seja, o da recuperação.
Sei que uma ou duas unidades hoteleiras de alguma dimensão, faz sentido, mas para mim, essa possibilidade de as pessoas poderem estar em contato com o Calhau, com os Cagarros, com tudo isso, acho que isso é uma mais-valia incontornável.
“A nossa grande riqueza aqui em São Jorge é a beleza natural, as paisagens deslumbrantes… não vou estar aqui a estratificar turismo, mas nós temos que ter um turismo que, antes de tudo o mais, seja guardião dessas características, porque se não o for, não vai salvaguardar a nossa maior riqueza…”
Dei uma vista de olhos às estatísticas do turismo nos Açores, e notei que em todo o arquipélago há uma fortíssima concentração do turismo em dois meses, dois meses e meio de verão. Isso é um problema para os empresários?
É um problema que, ano após ano, vai desaparecendo em parte. Dou-lhe mais um exemplo, porque os exemplos são bons para que se perceba realmente o que é que se passa. Há dias fui almoçar a um pequeno restaurante, com capacidade de 30 pessoas, e uma das salas estava ocupada por clientes alemães, estamos em meados de fevereiro e o facto de vermos com toda a naturalidade um pequeno restaurante com turistas estrangeiros nesta data já é um indicativo.
Também com toda a naturalidade, já vemos todos os dias turistas nos trilhos pedestres, há uma comunidade também associada ao surf, em particular na Caldeira de Santo Cristo, para onde já vêm pessoas todo o ano, e portanto, já vai havendo um incremento muito grande do turismo durante a época baixa. Em São Jorge temos todo o tipo de atrativos durante todo o ano, porque normalmente a nossa temperatura é amena, até o mar.
Acho que temos evoluído. São Jorge esteve alguns anos um pouco fora de alguns circuitos, ainda não estamos no ponto perfeito, temos melhorado um pouco as acessibilidades, quer marítimas, quer aéreas, e acho que estamos vocacionados para um bom turismo.
Aqui em São Jorge penso que são apologistas da ideia de ser preferível ter melhores turistas do que mais turistas, ou muitos turistas. É um bocadinho isso?
A nossa grande riqueza aqui em São Jorge é a beleza natural, as paisagens deslumbrantes… não vou estar aqui a estratificar turismo, mas nós temos que ter um turismo que, antes de tudo o mais, seja guardião dessas características, porque se não o for, não vai salvaguardar a nossa maior riqueza, e acho que esse é um trabalho que tarda em começar a ser feito com muita seriedade, porque a nossa fonte de atração das pessoas é para virem procurar uma ave que não se vê noutro lugar, é para descer num trilho que não se vê noutro lugar, é para ver um peixe que existe perto de orla, e temos que salvaguardar isso. Portanto, se me perguntam se isso significa ter turistas com alguma capacidade financeira, naturalmente que sim, mas penso que a salvaguarda do nosso património tem que estar acima de tudo.
O Turisver deslocou-se à ilha de São Jorge a convite das Casas Açorianas