“Os 17 “ladrões” de um negócio da restauração – conheça os custos” por Daniela Silvestre
Neste artigo, Daniela Silvestre, professora no ISCE, apresenta as “17 etapas” que devem ser tidas em atenção pelos empresários que decidem investir num negócio de restauração e bebidas. Devendo ser adaptadas à realidade de cada um, estas etapas devem ser analisadas para que os custos seja, geridos de forma eficiente.
Daniela Silvestre
Professora no ISCE – Instituto Superior de Lisboa e Vale do Tejo
Formadora de Gestão na Escola de Hotelaria e Turismo do Algarve (Faro)
Doutoranda de Gestão pela Universidade Europeia
Nenhum empresário investe num negócio com o intuito de perder dinheiro!
Por esta razão existem alguns empresários bem-intencionados que não apresentam sucesso no seu negócio no ramo da restauração e bebidas dado que cometem algumas falhas para as quais iremos chamar a sua atenção de seguida. Lembramos que não existe um guia de sucesso que se aplique a todos os negócios da área e que o leve ao sucesso de imediato, no entanto, tenha presente que deve adaptar as etapas apresentadas à sua realidade.
1ª etapa: Definição do conceito – este encontra-se relacionado com a caracterização de um dado restaurante e poderá assumir várias categorias. É fundamental que o conceito concebido consiga ir de encontro àquilo que os seus futuros clientes desejam. É sugerida a realização de um estudo de mercado através da auscultação dos gostos e das preferências da população onde este se situará, por forma a perceber se o conceito inicialmente pensado terá sucesso. Foque-se em criar um produto que seja diferente e inovador dos demais, com um público-alvo bem definido;
2ª etapa: Definição de um local estratégico – do referido estudo de mercado pode ser possível compreender se o local é adequado àquele conceito ou se, eventualmente, numa outra localização com maior visibilidade, a sua receita poderia aumentar. Não obstante que os seus custos de localização também podem acompanhar essa receita, desta forma, sugerimos que efetue um cálculo para perceber se existe vantagem acrescida. Muitas vezes assistimos a negócios de sucesso que funcionam muito bem numa dada localização e, quando tentam crescer para outros potenciais locais, não ocorre o mesmo;
3ª etapa: Negociação e seleção dos fornecedores – aspetos como o prazo de entrega, a consistência do produto, a qualidade dos artigos fornecidos, recebimento de encomendas tardias, vantagens de pagamento (existindo fornecedores que garantem bons preços a 30 dias, mas preços superiores quando o pagamento é efetuado a 90 dias) ou descontos devem ser tidos em conta nesta fase do processo;
4ª etapa: Controlo na receção das mercadorias – este é um momento crucial do processo, em que é necessário que se efetuem algumas validações, tais como: critérios de preços e quantidades acordados terão de condizer com os faturados, a qualidade das matérias-primas, prazos de validade e condições de frescura/refrigeração/congelação;
5ª etapa: Condições de armazenamento – É importante reservar um espaço para congelados, outro para frescos e ainda um último para secos/enlatados, sendo recomendada a implementação de critérios de rotações de stocks, tais como: FEFO (primeiro produto a expirar, é o primeiro a sair), FIFO (o primeiro produto a entrar, é o primeiro a sair) – consoante as características do produto – ou até mesmo o LIFO, a produtos com especificidades peculiares. De notar que os produtos com maior rotação devem ficar mais próximos da porta com o intuito de otimização do tempo;
6ª etapa: Requisições – é o nome técnico à transferência de stock do economato/armazém para uma dada seção, deve ter em conta o stock máximo e mínimo definido, a fim da otimização de espaço e de evitar custos desnecessários com stock excessivo que se apresenta parado sem gerar receita;
7ª etapa: Contabilização do desperdício – alguns produtos carecem de desperdício, podendo este ser encarado como perda total ou como reaproveitamento. Caso considere reaproveitamento, deve imputar esse custo ao prato onde irá incluí-lo. Se, porventura, considerar desperdício total, deverá recorrer a mecanismos em que consiga apurar o peso bruto de cada ingrediente que compõe o seu prato. Como forma de contornar esta situação, é possível recorrer a produtos de 4ª e 5ª gama que apresentam um desperdício menor, no entanto, torna-se necessária o cálculo de comparação entre os produtos, tendo em mente uma relação de qualidade-preço;
8ª etapa: Elaboração de fichas técnicas – São receitas padronizadas onde vêm descritos os ingredientes, as quantidades e o método de confeção de cada iguaria. Deve ter também em conta a valorização dos custos diretos. A equipa de cozinha deve ter acesso para que o prato chegue ao cliente de forma consistente, em termos de paladar e apresentação visual, independentemente de quem o confecionou. Um prato não deve ser adulterado, caso exista alguma alteração, deve ser remetida ao Chef de cozinha e os seus custos atualizados. No caso das bebidas, não descure a inclusão das decorações na receita padronizada e a sua valorização. De notar que as fichas técnicas devem ser revistas com alguma periodicidade, decorrente da oscilação de preços das matérias que os compõem. Cada receita corresponde a uma ficha técnica, no entanto, o seu reportório de fichas técnicas deve corresponder ao triplo de pratos existentes na carta, como estratégia de segurança;
9ª etapa: Definição de preços de venda – Depois de efetuar o cálculo do preço de custo – que advém da valorização da ficha técnica – deve utilizar uma estratégia de preços objetiva, baseada em indicadores (por exemplo o mark up ou o rácio de comidas) podendo ainda combiná-la com uma análise de concorrência. Não é recomendável que utilize estratégias de preços intuitivas, sem que reconheça os seus custos previamente;
10ª etapa: Fixação do Preço de Venda ao Público (PVP) – o preço de venda – mencionado na etapa anterior – deverá ser o preço sobre o qual aplicará a taxa de IVA (imposto sobre o valor acrescentado) em vigor, resultando desse cálculo o PVP. Este deve ser encarado como preço da carta, ou seja, o preço pelo qual o seu cliente paga o prato que solicita, portanto, algumas estratégias de marketing remetem-nos para valores arredondados a uma casa decimal apenas;
11ª etapa: Conhecimento de custos indiretos: são considerados outros custos diferentes de matérias-primas.
- Custos com o pessoal (gerente, diretor de F&B, cozinheiros, empregados de mesa, escanção, …) – salários, impostos associados, seguros de acidentes de trabalho, formação (40h/ano); subsídios inerentes à atividade descritos em código do trabalho e em contrato coletivo de trabalho (abono para falhas, prémio de línguas, subsídio de férias e de natal, subsídio de alimentação – muitas vezes é dado em género, acarretando um custo superior);
- Outros custos: água, luz, gás, telecomunicações, taxas e licenças, seguros diversos, prestações de serviços especializados – advogado, contabilista, empresa especialista em higiene e segurança alimentar, controlo de pragas, … – custos de higiene e limpeza – material descartável e produtos de desinfeção e limpeza – custos de fardamento, custos de lavandaria, custos de deslocação e estadas, …
Após a discriminação de alguns dos custos indiretos, note que estes não se esgotam apenas neste pequeno resumo enumerador, fica dependente das características da sua exploração.
12ª etapa: Elaboração de inventários – estes dizem respeito à contagem de produtos, quer estejam fechados ou abertos, por forma a que sejam posteriormente valorizados a um preço médio com intuito de conhecer qual o custo do consumo real num dado período. Existe a obrigatoriedade legal de o comunicar anualmente à autoridade tributária, no entanto, a periodicidade de realização dependerá da sua atividade/controlo;
13ª etapa: Controlo de rácios de comidas – este é um indicador de gestão que relaciona os custos das matérias-primas com a receita líquida presente na rubrica de comidas, servindo como baliza de referência quanto à percentagem de custo presente nas nossas receitas, sendo referenciado por alguns autores que não deverá ser muito superior a 30%, sob pena de influenciar a rentabilidade do negócio. Os rácios de bebidas costumam ser inferiores ao indicador apresentado;
14ª etapa: Registo de quebras – todo e qualquer desvio que possa existir deve ser registado por forma a não influenciar o consumo do período em análise, bem como do rácio. As quebras podem existir devido a danificações nas matérias-primas, prazos de validade ultrapassados, erros na produção (elaboração de um pedido errado). É recomendável que todo o staff tenha consciência dos custos aquando do transporte de material, desse processo podem ocorrer quebras “evitáveis”, quando manuseados com cuidado;
15ª etapa: Análise de desvios – devido à realização das fichas técnicas é possível apurar a gramagem exata de cada ingrediente no prato, se analisarmos o número de doses vendidas, encontramos o consumo teórico de cada matéria-prima num dado produto. Caso este consumo não coincida com a realidade efetivamente consumida – que advém da realização de inventários – é necessário encontrar de onde advém o problema e corrigi-lo;
16ª etapa: Registo de consumos internos – é importante que os consumos devidamente autorizados que advêm da direção, reuniões com potenciais clientes e outros, sejam registados como forma de dar saída do stock e para que não existam diferenças de inventário nem discrepância no rácio;
17ª etapa: O IVA – este imposto não deverá ser tido em conta em nenhum dos seus cálculos, ou seja, deve conhecer os preços de custos líquidos – livres de imposto – e deve efetuar os seus cálculos sem o mesmo incluído, uma vez que o gerente é apenas um intermediário no processo. Note que algumas das suas compras podem contem uma taxa de IVA diferente do IVA de venda aplicado, o imposto a entregar ao estado será apurado por diferença.
As dezassete etapas acima referidas são reflexo dos principais ”ladrões” que deve ter em atenção num negócio de restauração e bebidas decorrentes de custos de exploração. Estes custos deverão ser geridos de forma eficiente, visto existirem autores na literatura que afirmam que, em média, a taxa de rentabilidade de um negócio de restauração situa-se inferior a 10% caso exista controlo, conhecimento profundo dos custos e verificações constantes como as sugeridas acima. Se, porventura, esse controlo não existir, a sua margem de rentabilidade ficará muito próxima de zero, sendo necessário aumentar os preços de venda como forma de aumentar a sua margem de contribuição, o que geralmente não é bem aceite por parte dos consumidores. Em suma, é necessário o envolvimento de toda a equipa no processo através do conhecimento profundo de todos os custos para que este processo seja encarado como fator importante no desenvolvimento e crescimento do negócio, para isso, não descure a formação dos mesmos. Como diria Robert Collier: “O sucesso é a soma de pequenos esforços repetidos dia após dia.”