Operadores tradicionais perderam importância para o Algarve, diz Hélder Martins
Na segunda parte da entrevista com Hélder Martins, presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve (AHETA) falámos sobre a oferta de alojamento na região, de assimetrias, acessibilidades e sobre perspetivas para o turismo algarvio.
Hoje, o Aeroporto de Faro ainda é um problema?
O aeroporto não é um problema, mas a acessibilidade ao aeroporto é. Deveria haver um metro de superfície que ligasse ao aeroporto, e não há. O aeroporto tem capacidade de crescer e tem uma dinâmica muito grande, nomeadamente no que toca à captação de novas rotas, é um aeroporto moderno, funcional e dinâmico. O problema é que assim que o turista sai do Aeroporto e entra na EN 125, começa logo a ficar com uma péssima imagem da região. O turista continua a não ter uma rede de transportes que lhe permita deslocar-se e apesar de algumas soluções que têm vindo a ser implementadas, como é o caso de uma linha de autocarros rápidos que liga ao centro de Faro, isso não é suficiente.
Portanto o Aeroporto não é um problema, é uma solução, mas o que está à volta do Aeroporto é que precisa de ser pensado de outra maneira.
Do lado da oferta, como estão as coisas? Há oferta a mais?
Um empresário quando decide fazer um investimento para aumentar essa oferta, tem uma noção real do espaço que tem para o fazer. O crescimento da oferta hoje não é tão grande como foi no passado mas existe.
Há uns anos, quando se falava no aumento da oferta falava-se também no acréscimo das camas paralelas, hoje a construção civil não tem crescido tanto como isso, e não creio que o Algarve tenha excesso de oferta, o que tem é uma necessidade de se concentrarem todos os esforços na diminuição da sazonalidade porque se ela não existisse como existe, o Algarve tinha uma oportunidade. Isso vinha acontecendo até chegar a pandemia com uma conjunto de eventos e organizações. Aliás, embora os congressos sejam um segmento que reage muito mais tarde, este ano já começou a ser um bom ano de congressos para o Algarve. Os diferentes espaços para congressos no Algarve têm recebido eventos importantes e há até alguns espaços que já não aceitam mais eventos até ao final do ano.
Portanto, não diria que existe um excesso de oferta, diria sim que existe – já o dissemos ao Turismo de Portugal e vamos trabalhar nisso – é a necessidade de requalificação de algumas unidades. Temos unidades com 30, 40, 50 anos, que precisam de se adaptar e foi pena que não tivéssemos aproveitado este período de paragem de dois anos para fazer esse trabalho. Temos que tornar os espaços mais trend, mais apelativos e mais modernos. Neste âmbito, já fizemos sentir ao Turismo de Portugal a necessidade de haver um programa que o possibilite. Precisamos que hotéis em localizações únicas passem a ser hotéis modernos, adaptados à exigência dos nossos clientes.
Há alguns anos, dividíamos o Algarve em três, uma grande zona central e depois as pontas, menos desenvolvidas. Hoje já se pode olhar o Algarve como um todo?
Ainda há essa diferença mas não vejo isso como um fator negativo. Investi numa dessas pontas, nomeadamente no concelho de Tavira de e tenho um cliente completamente diferente, um cliente que quer tranquilidade, é um turismo de famílias. Existe um turismo jovem, por exemplo em Albufeira, um pouco em Portimão e Vilamoura e existe depois o outro lado, onde o cliente dá mais valor às paisagens, ao ambiente. O desenvolvimento do Algarve foi feito em passos diferentes e até podemos dizer que existe uma zona central e outra que tem barlavento e sotavento.
O turismo é uma atividade democrática e tem que ter produto para todos os gostos e há pessoas que preferirão a zona mais central por causa da animação e outras que preferem a calma. Hoje, não é claro que o cliente que vem ao Algarve na época alta venha só pela praia, há clientes que ficam num hotel em cima do mar e não põem o pé na areia. Por isso, o que deveríamos ter era pequenas unidades, com nichos completamente diferentes como a saúde e bem estar, cycling e walking, por exemplo, numa parte do Algarve que ainda não está explorado. Nós temos um produto importante que é a Via Algarviana mas o problema é que não há alojamento – fixar pessoas no interior é outro problema.
Ao longo da sua vida tem contactado com grandes operadores dos nossos principais mercados. Hoje, o que é que eles lhe transmitem em relação ao Algarve?
A questão dos operadores é uma discussão muito grande e hoje, por via da tecnologia, têm perdido um pouco a sua importância no mercado. Cada vez mais as pessoas preferem marcar as suas férias individualmente e o operador quer um determinado tipo de produto, quer preço. O que se passa neste momento é que os operadores estão a querer aumentos muito pequenos para o próximo ano e se tivermos em conta o aumento de custos que estamos a ter isso implica uma redução grande no preço, por isso os operadores estão a ter grandes dificuldades em fazer contratação, até com unidades com as quais tradicionalmente trabalhavam.
O operador continua a querer quantidade, continua a dizer-nos que outros sítios são mais baratos e melhores e a discussão continua a ser a mesma. O que se verifica hoje é a diminuição da importância do operador tradicional, o aumento do operador online e, nos últimos dois ou três anos, o aumento das reservas diretas. É a lei do mercado e temos que viver com todas essas fórmulas.
Portugueses são importantes para o Algarve
Os portugueses continuam a ser fundamentais para o turismo algarvio?
Sem a mínima dúvida. É verdade que o mercado nacional continua a reagir muito consoante as férias escolares, não garante uma ocupação ao longo do ano mas garante fins de semana a partir do momento em que o tempo melhora. Depois há muitos portugueses que vêm ao Algarve e não são contados como turistas porque têm cá casa.
O Algarve continua ainda a pagar uma fatura injusta porque se dizia que tratava mal os portugueses. É verdade que isso aconteceu mas já há muitos anos e também desde há muitos anos que as coisas estão diferentes, mas o facto é que o trauma ficou.
O português gosta do Algarve, sente-se bem e é um bom cliente, que gasta e é um mercado que está no máximo a três horas de distância, pelo que o Algarve não pode viver sem o mercado nacional.
“A nossa expectativa é que 2023 supere significativamente 2019, passando a ser o melhor ano de sempre para o Algarve”
Na perspetiva da AHETA, a que ponto iremos chegar este ano em termos de recuperação?
Se tivéssemos uma resposta para os problemas, nomeadamente para os recursos humanos, diria que o Algarve poderia estar muito igual a 2019, e se calhar até poderia ficar um pouco acima. Neste momento tenho dúvidas mas não deveremos ficar muito longe de 2019. Na Páscoa as reservas até superaram 2019 e a partir de agora as coisas estão muito equilibradas. Na ótica da AHETA, se conseguirmos chegar aos valores de 2019, será excelente porque significaria que num ano conseguíamos recuperar os dois anos anteriores.
Até agora os dados são todos positivos mas há unidades que estão a ter muitas dificuldades em trabalhar por falta de recursos humanos.
Se para 2022 a perspetiva já é muito positiva, para 2023…
Ainda é mais positiva, a nossa expectativa é que 2023 supere significativamente 2019, passando a ser o melhor ano de sempre para o Algarve.
Mais receitas e mais turistas é o objetivo
O objetivo é crescer em número de turistas com a perspetiva de combater a sazonalidade ou em receitas?
Temos que ter os dois objetivos. O que estamos a ver hoje é que com a perspetiva que temos em termos de negócios, há unidades que já estão a crescer ao nível das receitas. Só que para crescermos no preço precisamos de ter um produto requalificado, um produto que seja mais apelativo.
O Algarve continua a ter um fator diferenciador que se chama segurança, como se chama também atratividade e afetividade e é importante que o crescimento se faça à base do número de turistas mas também é muito importante que o crescimento se faça à conta do aumento das receitas.
Ao longo da nossa entrevista percebi que uma das suas preocupações prende-se com oferecer ao turistas duas realidades bem diferentes, Uma o hotel ou resort e outra o que rodeia a unidade?
Nós somos uma região em que há um conjunto de players com objetivos comuns que passam por manter as nossas empresas, ter mais e melhores funcionários, mais e melhores turistas e melhor produto e todos temos que dar as mãos para que o Algarve se possa mostrar ao exterior como uma região unida, com um produto qualificado de uma ponta à outra. É verdade que temos hotéis de excelência mas para lá chegarmos passamos por locais que não são de excelência e os turistas não são sequer convidados a sair. Ora, nos não somos a Turquia onde um turista vai para um resort e não sai de lá, não tem um táxi à porta – nós temos. Nós queremos que o turismo tenha um efeito multiplicador e só o terá quando a pessoa que vende um café ou um jornal tiver o mesmo nível que tem o sítio onde está alojado.
Não estou com isto a querer dizer que o Algarve só deve ter unidades de cinco estrelas, não é isso. O Algarve tem que ter alojamento de todas as tipologias porque em todas elas pode haver excelência.
“Hoje, o governo é de um partido, a maior parte das câmaras são desse partido e creio que há condições para não haver desculpas para não se fazer isto ou aquilo”
A região é das que tem mais Alojamento Local no país. Como olha para a nova legislação?
Quando eu estava na região de turismo, uma tema sempre em cima da mesa era o das camas paralelas e a fórmula que encontrámos para resolver o problema foi construir um produto novo em que todas as pessoas estavam convidadas a entrar.
Esta decisão sobre o Alojamento Local que agora foi tomada é um problema e não só para o turismo porque um cabeleireiro, por exemplo, não vai poder ocupar um apartamento que seja licenciado para habitação. O Algarve tem cerca de 30% de todo o alojamento local em apartamentos, o que vai criar um problema. Espero que haja bom senso e que o governo possa legislar para clarificar esta situação. É verdade que o alojamento local não está só em apartamentos mas preocupa-se que um dos processos tenha chegado ao fim com a conclusão que teve, podendo fazer jurisprudência.
Há cerca de 100 mil camas classificadas no país, o Algarve tem a maior parte e o Alojamento Local faz hoje parte do produto turístico e é algo que está na mente das pessoas para passarem férias.
Já disse por várias vezes que todos têm que estar de mãos dadas, ora não é de hoje que se diz que o Algarve é a região do país em que a política mais se mete na atividade turística. Isso continua assim?
A política tem uma grande influência e há instituições, como a região de turismo, em que o presidente tem muito a ver com o partido político que está nas câmaras e no Governo. Hoje, o governo é de um partido, a maior parte das câmaras são desse partido e creio que há condições para não haver desculpas para não se fazer isto ou aquilo. Há um conjunto de promessas para o Algarve e espero que o que foi prometido por quem ganhou as eleições, seja cumprido. Como também espero que nenhum dirigente deixe de atacar um problema porque o seu partido está do lado A ou do lado B.