Objetivo é recuperar os mercados internacionais, afirma Vítor Silva
Vítor Silva é presidente da ERT do Alentejo e Ribatejo, duas regiões que andam a duas velocidades no turismo, presidindo também à ARPT do Alentejo, à qual cabe igualmente promover o território da Lezíria. Nesta primeira parte da entrevista falámos do Alentejo, de recuperação turística, de mercados e do Aeroporto de Beja, entre outros temas.
Quem acompanhou a informação turística ao longo dos dois últimos anos, ficou com a sensação de que o Alentejo atravessou de forma serena toda a convulsão que o turismo viveu, mas não deve ter sido bem assim?
Não foi nada sereno. As quebras no ano de 2020 foram muito grandes, não foram percentualmente tão grandes como noutras regiões mas obviamente foram muito grandes e houve dois setores que passaram quase para zero: as agências de viagens e a animação turística.
No entanto, o verão de 2020 já foi bom porque houve muitos portugueses a procurarem o Alentejo e o ano de 2021 já foi de recuperação, tanto em termos da ocupação do alojamento como de proveitos. Nós fechámos o ano de 2021 tendo recuperado quase 80% das dormidas e quase 90% dos proveitos relativamente a 2019, o que, dentro da desgraça, foi muito bom, mas ficámos com muitas perdas acumuladas nas empresas, o que deixou muitas “feridas” no setor.
Além disso, tal como aconteceu no geral, também no Alentejo houve muitos trabalhadores que abandonaram o setor. Isso, para nós, é um motivo de preocupação porque a linha estratégica que definidos há muito anos foi a de em tudo o que fazemos ter a marca da qualidade e se temos empresas que se descapitalizaram e muitas que perderam recursos humanos, que não os conseguiram substituir ou substituíram por mão de obra menos qualificada, isso inevitavelmente tem reflexos negativos ao nível da qualidade. A construção de um destino turístico demora muitos anos, nomeadamente no que toca ao posicionamento da marca no mercado nacional e internacional, mas desfazer o que foi feito é muito rápido.
No entanto, chegam ao fim de 2021 com resultados que vos colocam como uma das regiões que ficou mais perto do ano de 2019?
Exatamente. Por isso é que este ano, se formos comparar as taxas de recuperação do crescimento do nosso território com as de outras regiões, parece que nós parecemos “uns coitadinhos” por sermos os que menos crescem mas isso só acontece porque já recuperámos no ano anterior. Isso coloca-nos a ambição de, em termos do alojamento, podermos chegar ao final do ano com valores muito próximos de 2019, e esperamos que a animação turística e as agências de viagens também possam recuperar bem.
Em 2019, dois terços das dormidas eram do turismo interno e só um terço de turismo internacional
No que toca aos mercados, o nacional já conseguiu recuperar os níveis de 2019? E os internacionais?
O Alentejo, juntamente com os Açores, é uma das regiões onde o peso do turismo interno mais se faz sentir. Em 2019, dois terços das dormidas eram do turismo interno e só um terço de turismo internacional, muito embora, desde o princípio deste século, tenhamos feito uma progressão muito grande em termos do turismo internacional porque quando a Agência Regional de Promoção Turística do Alentejo foi criada, em 2004, tínhamos pouco mais de 20% de dormidas de estrangeiros e passámos para 33%, numa situação em que o mercado interno também foi sempre crescendo, ou seja, o aumento do peso dos mercados estrangeiros não foi feito à custa de quebras do mercado interno.
Este ano de 2022 terá que ser o ano em que comecemos uma franca recuperação do mercado externos. Nunca deixámos de estar presentes nesses mercados, fosse em webinars, formações para agentes de viagens, campanhas, etc., mas agora já começámos a estar presentes de forma física, tanto nos mercados como trazendo jornalistas e operadores turísticos ao nosso território.
Faço lembrar que tínhamos como segundo mercado externo em 2019 o Brasil, quase empatado com a Alemanha e como quarto mercado o norte-americano, ou seja, dois mercados que se “evaporaram”, deixando uma falta que os portugueses conseguiram colmatar. Agora temos que recuperar esses mercados mas temos que ser realistas, a pandemia ainda não acabou, embora as pessoas já se tenham habituado a conviver com ela, tanto que em muitos países já nem sequer se use máscara. O que ninguém sabe ainda é o que poderá vir a acontecer no próximo inverno
Para essa recuperação que necessitamos dos mercados internacionais, temos que começar a trabalhá-los de novo em força, nomeadamente o Brasil, a Alemanha e os Estados Unidos que são os mais importantes para nós, e também outros que não são tão importantes mas que podem vir a ter uma inflexão no que toca à forma de os trabalhar. Outros mercados que teremos que trabalhar são o dos Países Baixos e o francês.
“Sempre defendi que o Aeroporto de Beja tinha uma vocação industrial e a esse nível está a progredir bem, já há cerca de centena e meia de pessoas a trabalhar ali, mas voos regulares creio que nunca terá – talvez alguns charters mas nada mais do que isso. Aliás, já tivemos voos charter em Beja e a Agência esteve quase sempre envolvida”
O Aeroporto de Beja pode vir a ter uma importância maior nas chegadas de fluxos turísticos à região?
O Aeroporto de Beja está a ser muito procurado pela aviação executiva, tivemos mais de 120 voos o ano passado, muitos deles relacionados com os grandes investimentos que estão a ser feitos na costa alentejana, e penso que este é um “cluster” em que temos que apostar. A aviação executiva, pela própria natureza dos passageiros que traz, é muito discreta, pelo que o Aeroporto não publicita os voos nem quem vem neles. A ARPTA pertence ao Conselho Consultivo do Aeroporto de Beja e tem estado a trabalhar nisto. Recentemente tivemos uma reunião com a ANA para discutirmos como poderemos implementar mais este tipo de aviação porque é preciso criar condições dentro do próprio aeroporto.
Sempre defendi que o Aeroporto de Beja tinha uma vocação industrial e a esse nível está a progredir bem, já há cerca de centena e meia de pessoas a trabalhar ali, mas voos regulares creio que nunca terá – talvez alguns charters mas nada mais do que isso. Aliás, já tivemos voos charter em Beja e a Agência esteve quase sempre envolvida.
Este tipo de voos de que me falou tem muito a ver com a qualidade da oferta que o Alentejo apresenta em termos de alojamento?
Essas pessoas vêm por duas razões: ou já têm alojamento na costa ou estão interessadas em fazer ali investimento. Faço notar que estão previsto, para os próximos anos, investimentos em torno dos cinco mil milhões de euros na costa alentejana, sempre respeitando os planos de ordenamento. No turismo não temos capacidade de decisão mas a nossa mensagem é a de não facilitar nada em relação aos planos de ordenamento da orla costeira nem em termos das questões ambientais que para nós são decisivas. Transformar acosta alentejana numa costa igual às outras seria estragá-la por completo. Por outro lado, as praias serão sempre públicas, não há praias privadas, não há empreendimentos em cima da costa, desde Troia à Lagoa de Santo André, não é permitido construir na linha de água – é tudo muito recuado, com tipologias muito baixas e de muito baixa densidade. É isto que defendemos e espero que se mantenha.
Falou-me em duas razões…
Os outros passageiros desses voos vêm para a caça, como se sabe a região tem muitas reservas de caça. Não se trata de caça grossa mas é uma atividade económica muito importante no Alentejo, apesar de sabermos que o turismo mais tradicional não se dá muito bem com a caça. Hoje, tudo o que tem a ver com a proteção dos animais é olhado de forma muito atenta, já não se promove a caça, ao contrário do que se fazia antes.
Pode hoje afirmar-se que o Alentejo tem uma oferta e uma procura quase homogénea?
De maneira nenhuma. Nós temos à volta de 30% da procura concentrada em Évora e à volta de Évora, um pouco mais que isso no litoral e o restante dividido pelo resto do Alentejo, o que é uma distribuição ainda muito assimétrica do turismo e isso é um problema, a que acresce ainda a sazonalidade, embora esta tenha sido muito atenuada por via do mercado brasileiro, por exemplo, que é um mercado que não vem no verão.
Precisamos ainda de diversificar a oferta turística e os fluxos turísticos para outros territórios. Ainda há partes do território que não estão exploradas em termos das suas potencialidades e há produtos ótimos para isso como o walking e o cycling, que fogem de zonas onde há mais gente e são produtos que, pela sua própria natureza, se adaptam muito aos territórios mais desfavorecidos em termos da procura turística. A Entidade Regional, responsável pela estruturação do produto, e a Agência, responsável pela sua divulgação internacional, têm estado a trabalhar muito nisto.
Na segunda parte da entrevista com Vítor Silva, presidente do Turismo do Alentejo e Ribatejo – ERT, poderá ler entre outros temas:
- Ribatejo, a outra “face” da Entidade Regional
- Winer Route 118
- Valorização do Tejo
- Iniciativas de promoção dos territórios