Nuno Abranja: “O maior problema não é o avanço da Inteligência Artificial, o maior problema é o deficit de inteligência natural”

Hard skills e soft skills são conceitos que há muito entraram no domínio da hotelaria. Mas há outro conceito, hoje mais importante, o de “power skills”, que inclui a comunicação e a inteligência emocional, algo que Nuno Abranja, diretor do Departamento de Turismo do ISCE, diz não ser fácil encontrar. “As pessoas não conseguem gerir as emoções”, afirmou.
Nuno Abranja falava esta terça-feira no V Congresso da ADHP Júnior que teve lugar na Universidade Europeia, subordinado ao tema “Potencia o teu talento”. Na mesa redonda em que participou e que tinha como tema “Diversificação de competências no desenvolvimento de carreira”, o diretor e docente de Turismo do ISCE começou por dizer que “nos últimos cinco ou seis anos” quem está do lado da oferta tem tido que enfrentar o desafio de “compatibilizar os seus métodos, as suas técnicas, com os novos perfis geracionais” muito por via das questões que as tecnologias colocam.
Lembrando um vídeo em que se dizia que “a geração que está mais bem preparada para trabalhar com a Inteligência Artificial é a mais velha, porque tem know-how para saber interpretar o que ela diz”, defendeu que uma das questões colocadas pela tecnologia tem a ver com o facto de as gerações mais novas acreditarem em tudo o que veem na Internet, ou seja, para os mais jovens, se está na internet é porque é assim e como é sabido isso está bem longe da realidade.
“O maior problema é que muita gente pensa assim aos 20 anos, e esse é um problema de competências”, afirmou, acrescentando que actualmente os jovens não adquirem cedo essas competências, ao contrário, por exemplo, do que acontece no Canadá, onde “existem muitas plataformas de empresas que colocam as vagas para trabalho no verão para jovens a partir dos 15 anos”, o que em Portugal, por exemplo, não é possível.
Para Nuno Abranja, a obtenção de competências é algo instintivo, mas “powerskills” [aliar aos conhecimentos técnicos a capacidade para lidar com situações do quotidiano] é algo que uns têm e outros não.
“Embora aquando do recrutamento se saibam as qualificações dos candidatos, depois nem sempre se conseguem perceber as diferenças entre um candidato com o 12º ano e outro com uma licenciatura. “Infelizmente, vejo que muitas vezes não há [diferença], ou as pessoas fazem a diferença entre um curso profissional e um curso superior, ou não se conseguem distinguir no mercado de trabalho”
A propósito, o Professor do ISCE recordou um estudo da Turijobs sobre as 12 melhores competências para se trabalhar em turismo e hotelaria, sendo que neste ranking as técnicas de comunicação ficavam em quarto lugar, a gestão do tempo em terceiro, a gestão de conflitos em segundo e a primeira era a inteligência emocional”. Ou seja, “estamos aqui a falar de skills que não têm nada a ver com hard skills”, sublinhou.
Isto para referir que embora aquando do recrutamento se saibam as qualificações dos candidatos, depois nem sempre se conseguem perceber as diferenças entre um candidato com o 12º ano e outro com uma licenciatura. “Infelizmente, vejo que muitas vezes não há [diferença], ou as pessoas fazem a diferença entre um curso profissional e um curso superior, ou não se conseguem distinguir no mercado de trabalho.
A questão das “power skills” levou Nuno Abranja a falar também da questão da inteligência emocional que fica clara no estudo que antes tinha referido. “Se este estudo elenca em primeiro lugar, com mais de 70% das referências, as competências emocionais como a mais importante de todas elas, é porque as pessoas não conseguem gerir as emoções”, tanto no mercado de trabalho como na academia.
O docente do ISCE acabaria mesmo por colocar ‘o dedo na ferida’ ao considerar que “o maior problema não é o avanço da Inteligência Artificial, o maior problema é o deficit de inteligência natural e é importante nós pensamos sobre isso”.
Para Nuno Abranja “estamos a perder cada vez mais a nossa inteligência humana, os nossos recursos internos para sabermos lidar com a IA, e obviamente que a questão da inteligência emocional ligada a esta questão vai fazer a diferença”, ou seja, “aquelas pessoas que tiverem um sentido combativo, conseguem adaptar-se e vão ser os melhores profissionais no futuro”, apontou.
Para quem trabalha no turismo nem tudo é mau, é importante afirmar também as vantagens
Quando se fala na escassez de recursos humanos na hotelaria foca-se muitas vezes o horário de trabalho. A hotelaria funciona 24 sobre 24 horas, sete dias na semana, 365 dias no ano porque, obviamente, não pode parar, sendo os horários e as férias muito focados quando se menciona que os jovens deixaram de ter apetite por carreiras do turismo e hotelaria.
Sobre esta problemática, Nuno Abranja foi incisivo ao afirmar que há que perceber as mais-valias de trabalhar no turismo e na hotelaria.
“Quando se fala em trabalho na hotelaria, diz-se que se tem de trabalhar nas férias, nos feriados, nos fins de semana e eu pergunto: qual é o problema disso? Não é bom trabalharmos quando não há confusões, irmos para o emprego sem apanharmos filas de trânsito, podermos ter horários mais convenientes e fazer férias quando os outros não fazem, até porque em agosto as férias são mais caras? É importante nós percebermos as mais valias de trabalhar em turismo e hotelaria”, disse.
Afirmando não ter um conselho específico para deixar aos jovens, a não ser o de partilhar alguma experiência, Nuno Abranja sempre foi dizendo que “o conselho que posso deixar é que tenham uma visão a longo prazo, e é bom convencerem-se do seguinte: vocês não têm um poder só porque são bons em tecnologia porque não quer dizer que os outros não sejam”.
Lembrou ainda que “as competências são uma amálgama de tudo o que é possível fazer” pelo que há que adquiri-las “com a formação teórica, prática e técnica”.