Nortravel 25 anos (Parte 3): Quando a hora de vender o operador chegou começou um futuro assente num passado vencedor
A história mais recente da Nortravel começa com a venda do operador turístico ao grupo espanhol Ávoris. É desse período, desde a venda até à atualidade, e também dos desafios que sempre se apresentam e que há que ultrapassar, que nos fala Nuno Aleixo, diretor-geral da Nortravel, completando assim uma história que já leva um quarto de século.
O crescimento de que temos estado a falar ao longo desta entrevista, criou “apetite” em alguns players que iam abordando a Nortravel para adquirirem a empresa. Existiram abordagens antes da venda ao grupo Ávoris?
Sim. Foi o grupo Ávoris que fez a abordagem mais concreta, mas existiram abordagens que foram feitas mais por curiosidade, o que é uma coisa diferente. Nós tínhamos a noção que devido à dimensão e aos valores que a Nortravel produzia, não seria qualquer grupo que teria capacidade financeira para adquirir a empresa e tirar o retorno do investimento.
A possibilidade da venda da Nortravel deve-se ao facto de o António Gama ter estipulado, em termos de idade, quando é que pretendia sair, mas gostaria fazê-lo de uma forma tranquila e deixar a empresa seguir.
Claramente, o grupo Ávoris foi aquele que mostrou mais interesse, foi um namoro pegado de quase dois anos. Esses períodos foram, do nosso lado, em termos operacionais e em termos comerciais, um pouco penosos porque já se constava no mercado que iria haver a venda.
Os nossos concorrentes começaram a usar isso como trunfo para dizer aos nossos clientes “cuidado vêm aí os espanhóis” e nós sabemos que em Portugal temos uma ideia nem sempre correta sobre as empresas espanholas. Por isso foram dois anos um pouco mais complicados e mesmo depois, o primeiro ano após a venda, também foi porque as pessoas estavam na dúvida sobre o que ia acontecer.
Se o António Gama já tinha estabelecido a sua meta em termos de idade para se “reformar”, o Nuno Aleixo não, porque era muito mais novo. Como encarou na altura essa venda?
Inicialmente tive um pouco de receio, porque não sabia quais seriam as intenções do grupo comprador. Eu e os outros sócios minoritários, ficámos numa situação diferente do António Gama que era o sócio maioritário e, obviamente, quem viesse a comprar poderia tomar a decisão de só querer a maioria do capital da empresa e não a sua totalidade, e um aumento de capital seria o suficiente para nós, sócios minoritários, não acompanharmos esse aumento de capital e podermos ficar prejudicados. Mas desde a primeira hora soubemos que a empresa compradora, o grupo Ávoris, estaria interessada em ficar com a totalidade da empresa.
Mais importante do que a questão dos 100% de capital era o comprador ficar com a equipe toda, uma equipa vencedora, e a grande tranquilidade que tive foi a de logo perceber que a Ávoris queria ficar com toda a equipe, eles desde a primeira hora disseram que só queriam o negócio se a equipe se mantivesse, obviamente, com a saída do António Gama, o que veio a verificar-se.
Mas como é que foi, em termos psicológicos, o Nuno Aleixo passar de patrão para empregado?
Isso foi complexo na teoria, na prática foi mais fácil. Falava-se no “bicho papão dos espanhóis”, dizia-se que as empresas espanholas tinham outra filosofia de mercado, que eram assim e assado… Admito que tenham existido más experiências no passado de junção de empresas portuguesas com espanholas, e foi uma passagem que me meteu medo, mas felizmente as coisas correram bastante bem e não se confirmaram os receios que me passavam.
Os profissionais espanhóis foram muito claros, já passaram várias chefias e todos mantêm a confiança na empresa, na equipe, pelo que tudo foi mais fácil do que pensei. Eu pensava que não ia conseguir seguir orientações, adaptar-me, claro que tive de me ajustar a muita coisa, a forma de fazer orçamentos é totalmente diferente, o grau de exigência, os timings da empresa, os contactos com a sede em Palma de Maiorca… não tem nada a ver com os timings que nós, eu e o António Gama, tínhamos, a forma de apresentar não era tão estruturada, tão detalhada como o grupo Ávoris exige, portanto há uma série de situações que mudaram. Claro que tive algumas dificuldades em adaptar-me, mas hoje já estou muito mais tranquilo.
“… fizemos a primeira grande experiência que foi o charter para Cabo Verde, para a Ilha da Boavista, à partida do Porto, que na altura foi uma parceria com o Club Viajar e depois, em 2017, deixámos de fazer a operação, mas passámos a ter condições de comercialização que até então não tínhamos com a TAP”
E o que é que mudou a partir da concretização da venda?
Basicamente, mudou o proprietário, depois, ao longo dos tempos, passou a haver diferenciações, por exemplo, a área financeira passou a ser integrada na de Palma de Maiorca, – sede do grupo Ávoris- , mas as pessoas que estavam na área financeira da Nortravel mudaram de funções e hoje estão nos recursos humanos, na área de contabilidade, continuam a trabalhar para a Nortravel.
Mais recentemente deixámos de ter a parte comercial autónoma, passou a estar integrada no grupo mas a parte operacional está exatamente igual. Continuamos a contratar, obviamente que agora com mais força porque temos muito mais capacidade de contratação, uma vez que temos o respaldo do Grupo em Espanha e a capacidade de contratação é exponencialmente muito maior. O resto, comunicação e tudo isso, continua exatamente igual.
Vocês mantêm neste momento os circuitos como raiz, mas acrescentaram, a partir de determinada altura, programação em charter. Como é que se dá essa mudança?
Isso foi um projeto que iniciámos ainda antes da integração com o grupo Árvoris. Em 2016, fizemos a primeira grande experiência que foi o charter para Cabo Verde, para a Ilha da Boavista à partida do Porto, que na altura foi uma parceria com o Clube Viajar e depois, em 2017, deixámos de fazer a operação, mas passámos a ter condições de comercialização que até então não tínhamos com a TAP.
Começámos então a ter o produto de Cabo Verde com mais intensidade na programação. Fizemos, inclusive, o produto de Cabo Verde criando um circuito com a TAP e em 2018, quando já estávamos na senda da integração com o grupo Ávoris, voltámos a ter o charter. Em 2019, já a contratação de todos os voos e aviões passaram a ser feitos através de Espanha.
Provavelmente, o facto de já fazermos destinos em charter também foi um dos atrativos que a Ávoris viu na Nortravel, porque o Grupo tem a sua companhia aérea que nós poderíamos vir a potenciar.
Isso quer dizer que, a determinada altura vocês perceberam que o mercado dos circuitos não era elástico e que para continuarem a crescer havia que entrar na programação charter?
Ainda hoje notamos isso. Com o aparecimento de novas rotas das companhias low cost mas também da TAP, por exemplo, passou a haver tarifas muito atrativas para se fazerem viagens por períodos curtos e já não é necessário fazer um circuito para viajar pela Europa.
Nós fazíamos o Benelux e, hoje em dia, durante um ano, as pessoas podem ir passar um fim de semana ao Luxemburgo, outro a Amsterdão, outro a Bruxelas, portanto, o conceito mudou completamente e nós temos que acompanhar essa evolução. Não teríamos nunca capacidade de propor esse tipo de produto aos clientes que fazem circuitos, porque a venda das low cost e dos destinos são vendas diretas.
Se bem que vocês introduziram uma coisa muito curiosa, que foram os minicircuitos…
Os minicircuitos surgiram quando já estávamos integrados na Ávoris, mas não o fizemos por isso, mas sim porque o mercado pediu. Como, por exemplo, nós nunca tivemos, até 2022, programação para os mercados de Natal na Europa, com uma viagem de quatro dias, e hoje, é um grande sucesso de vendas na Nortravel. E este ano introduzimos pela primeira vez, circuitos de quatro dias para passagem de ano, para várias cidades europeias.
O conceito mudou, a Europa está muito cara e as pessoas já não estão para fazer viagens pela Europa muito longas e dispendiosas, porque os circuitos da Europa duplicaram quase o preço no pós-Covid.
“Penso que uma das mais valias que o grupo Ávoris viu, foi precisamente a de manter a independência de funcionamento da marca. O Grupo olha para a Nortravel não como um operador que surge de dentro para fora, mas que vem de fora para dentro…”
Apesar da desconfiança que houve por parte das agências de viagens, sobre a independência da marca Nortravel dentro da Ávoris, esta manteve-se. Essa independência é uma parte da estratégia do Grupo em Portugal?
Penso que uma das mais valias que o grupo Ávoris viu, foi precisamente a de manter a independência de funcionamento da marca. O Grupo olha para a Nortravel não como um operador que surge de dentro para fora, mas que vem de fora para dentro, e sabiam que se a Nortravel não mantivesse esse tipo de identidade e independência, poderiam vir a perder mais do que ganhariam.
Entretanto, o Nuno Aleixo tem vindo a ter mais competências dentro do Grupo?
Sim, acima de tudo na manutenção das características do produto português, porque muitas vezes o produto vem de Espanha para Portugal.
Claro que há o produto que mais identifica o grupo Ávoris em Portugal, como as Caraíbas ou as ilhas espanholas, e existem várias marcas do Grupo a atuar no mercado nacional, mas devido à capacidade de contratação da Nortravel e ao conhecimento profundo do mercado, hoje dou um contributo principalmente na Nortravel, mas também noutras marcas, dando alguns inputs que são importantes e obviamente são levados em conta.
A marca Nortravel permitiu ao Grupo Ávoris ver o mercado português, não como uma extensão do mercado espanhol, mas sim como um mercado diferente.
A partir da altura em que a Nortravel passa a ser uma empresa do grupo Ávoris, o vosso crescimento mantém-se?
Desde que fomos integrados, em 2018, crescemos de 18 para 19, e bastante. Depois houve a pandemia e, obviamente, não crescemos em 2020 nem em 2021, mas em 2023 já nos aproximámos dos números de 18 e 19, e em 2024 mantivemos. Neste momento ainda não estamos nos números em que estávamos até 2019, só que também há outra situação.
Dentro do Grupo há várias marcas a atuar em Portugal, e isso levou a que já existissem alguns produtos que nós deixámos de ter, porque ficaram os que já existiam nessas marcas, principalmente na Travelplan. Além disso, também já não estamos a atuar dentro do mercado brasileiro, dado que a Ávoris identifica que a Special Tours é a grande especialista no mercado brasileiro dentro do grupo. Compreendemos perfeitamente estas situações e nós temos que respeitar todas as marcas, assim como elas nos respeitam a nós.
Já não é possível fazer o paralelismo da Nortravel 2024 com a Nortravel 2019, mas em termos de volumes, temos estado a trabalhar para voltarmos aos números, já com produtos diferentes e outro tipo de conceito.
E agora, quais são os desafios que a Nortravel tem?
Acima de tudo, é importante renovar, estamos sempre a mudar os produtos porque o mercado está em transformação diária, o consumidor está a mudar muito rapidamente.
Antigamente o consumidor era mais conservador, demorava muitos anos a mudar. Por exemplo, há mais de 10 anos os nossos circuitos passaram a ser de tudo incluído, com refeições, visitas e excursões incluídas, para as pessoas não terem qualquer preocupação com o dinheiro que gastavam. Curiosamente, hoje já estamos a voltar a ter alguns produtos, nomeadamente nos minicircuitos, em que damos tempo livre, orientamos os turistas mas são eles que procuram os restaurantes para as refeições, por exemplo.
Por isso, o nosso caminho será sempre o da inovação. Nas ilhas portuguesas, por exemplo, além destes circuitos começamos a ter um mais light, mais livre, para irmos ao encontro das opções que as pessoas querem e para dar mais liberdade.
Começamos a ter um crescimento exponencial nos produtos de grandes viagens, porque hoje em dia começa a ficar ao mesmo preço fazer 10 dias fora da Europa ou 8 na Europa.
Outra situação é que existem destinos na Europa para onde não existem voos diretos à partida de Portugal, como é o caso de Malta ou da Croácia, e nós temos essas operações em charter, como fizemos este ano e pensamos usar esta solução noutros destinos.
Leia a 1ª parte da entrevista a Nuno Aleixo, diretor-geral da Nortravel, aqui.
Leia a 2ª parte da entrevista a Nuno Aleixo, diretor-geral da Nortravel, aqui.