Nortravel 25 anos (Parte 1): Nuno Aleixo recorda o caminho desde a criação da agência no Porto até à tour operação no Brasil
Corria o mês de abril de 1999 quando abriu no Porto, pela mão de António Gama e Nuno Aleixo, a agência de viagens Nortravel que num curto espaço de tempo se transformaria em operador turístico, e assim se mantém até hoje. Pelo meio, houve um imenso caminho percorrido que o atual diretor-geral do operador, Nuno Aleixo, recordou, na primeira pessoa, ao Turisver. É a história da Nortravel que começamos hoje a contar e que, em mais duas partes, irá até à atualidade.
Ainda se recorda de como é foram as primeiras conversas para a criação da Nortravel?
Sim, apesar de já terem passado 26 anos, as primeiras conversas surgem em 1998. Eu e o António Gama trabalhávamos no então Club Vip, ele mais no acompanhamento de grupos nos circuitos na época alta, e na promoção e divulgação junto das agências de viagens na época baixa e eu fazia a divulgação na região norte, no inverno, e no verão dava apoio na parte operativa do operador, na delegação do Porto.
Devido a uma situação familiar, o António Gama saiu de Lisboa e veio viver para o Porto e isso fez com que nos tivéssemos aproximado no fim dos anos 90. Tínhamos uma boa relação, sabíamos que nos poderíamos complementar em termos de trabalho, e o António Gama, que sempre foi uma pessoa mais empreendedora, lançou-me o desafio. Eu tinha acabado de casar e de ser pai, as responsabilidades eram bem maiores do que quando era solteiro e fiquei apreensivo, até porque o projeto inicial era baseado numa agência de viagens, e eu não tinha experiência nessa área, mas ele convenceu-me de que seria um bom arranque para podermos fazer numa coisa maior mais à frente e eu percebi que, com a minha idade, era uma oportunidade que devia agarrar.
A ideia foi criar os alicerces para depois montarmos aparte da tour operação, e também para não sairmos de qualquer maneira do Club Vip, uma empresa que sempre nos respeitou muito, e nós também quisemos respeitar, e nesse sentido, tivemos uma relação absolutamente fantástica com eles. Portanto, andámos em conversas até no final de 98 e em 99 decidimos arrancar.
Começaram então com uma agência, na cidade do Porto?
Correto, em abril de 1999 abrimos no Porto a agência de viagens Nortravel, porque o António Gama, já antes de falar comigo, tinha um nome, já tinha feito todo o estudo de mercado. Fomos recrutar uma colega, a Cristina Bispo, que foi essencial, porque apesar de não ter muita experiência na área das agências de viagens, tinha uma formação bastante elevada e o António Gama e eu tínhamos o know-how e a experiência, o que deu muita confiança aos clientes que nos visitaram. Tínhamos um movimento muito grande, de residentes e de pessoas que trabalhavam nas empresas à volta, e logo nesse ano de 1999 tivemos um volume de faturação superior ao que estávamos a projetar.
Assim que abrimos a agência, começámos a ser contactados por colegas de trabalho, a tentar perceber o que é que nós estávamos a fazer e inicialmente tínhamos algum receio, porque estávamos a vender ao cliente final e a entrar no campo dos clientes que pretendíamos vir a ter no futuro, que eram as agências de viagens.
“Foi um processo rápido porque percebemos que havia muita gente que gostaria de fazer viagens em grupo, devido também à forma como o António Gama falava das viagens que fez acompanhando grupos. Foram mesmo alguns clientes a lançar o desafio ao António Gama no sentido de fazer um grupo para acompanhar, e começámos rapidamente a programar”
Começaram logo nesse primeiro ano a programar ou só funcionaram como agência de viagens?
No ano de arranque funcionámos apenas como agência de viagens. No nosso projeto só ao fim de 3 anos é que iniciaríamos a tour operação, mas acabámos por antecipar e no ano 2000 já estávamos a fazer as primeiras operações.
Foi um processo rápido porque percebemos que havia muita gente que gostaria de fazer viagens em grupo, devido também à forma como o António Gama falava das viagens que fez acompanhando grupos. Foram mesmo alguns clientes a lançar o desafio ao António Gama no sentido de fazer um grupo para acompanhar, e começámos rapidamente a programar mas esta era uma área que conhecíamos bem melhor e foi muito gratificante. Entretanto, a agência de viagens manteve-se sempre, até à venda da Nortravel ao Grupo Ávoris, 18 anos depois.
Quando avançaram com o operador queriam fazer algo de diferente e uma das palavras que eu sempre vos ouvi foi qualidade…
E complexidade. A qualidade era essencial para nós, os circuitos do Club Vip eram reconhecidamente muito bons, sabíamos quais eram os padrões exigidos para entrarmos no mercado e não podíamos entrar com um produto inferior. Muito pouco tivemos a melhorar face ao que o Club Vip fazia, o que fizemos foi colocar atrativos mais condensados em alguns circuitos, juntámos mais do que uma região, começámos a entrar por uma cidade e a sair por outra, trocando as portas de entrada e saída na semana seguinte, o que em termos de voos é bastante mais complexo
Tentámos tirar quilómetros, pôr mais atrativos, muitas vezes vendíamos numa única viagem o que na nossa ocorrência tinha em duas. Mais tarde revertemos isso e começámos a pôr no mercado produtos que possibilitassem vender a mesma região em duas viagens.
Numa primeira fase, abriram muitos destinos ou concentraram-se em poucas opções?
Nós criámos um conceito com muito pouco produto. Aparentemente era muito diversificado, mas, na realidade, nós, com dois guias e dois autocarros, fazíamos cerca de seis produtos. Eram três produtos para cada circuito. Usámos muito os voos da Portugália, voávamos, por exemplo, para Colónia e depois íamos para outro aeroporto. No outro aeroporto, o grupo que ia no mesmo avião já ia fazer outro itinerário, que terminaria, por exemplo, em Berlim e aí começávamos a fazer mais um itinerário, o que significa que não tínhamos partidas semanais para esses produtos, também porque não tínhamos massa crítica, nem penetração no mercado, que nos permitisse isso. O que conseguimos foi a diversificação.
Conseguimos apresentar produtos com partidas ou quinzenais ou de três em três semanas e fazíamos seis produtos de circuitos com dois guias e dois autocarros. Isso foi muito interessante e ainda hoje usamos alguns métodos desses, que é chegar a um aeroporto e na semana seguinte, quando chegamos ao outro aeroporto para ir buscar o grupo, começamos um outro circuito para outra região, usando os mesmos meios, que são o guia e o autocarro.
“Foi curiosa a parte dos preços, porque nós ainda não tínhamos aberto a Nortavel e já tínhamos ido à FITUR e ao WTM com cartões quase escritos à mão, e andámos a fazer seleções nos stands dos países que nos interessaria mais trabalhar. Ainda hoje temos 3 ou 4 fornecedores que são dessa época…”
Quem entra no mercado, sofre logo a concorrência de quem já está instalado. A vossa preocupação era ter um produto diferente, mas também havia o problema de preço. Como é que os jogaram?
Foi curiosa a parte dos preços, porque nós ainda não tínhamos aberto a Nortravel e já tínhamos ido à FITUR e ao WTM com cartões quase escritos à mão, e andámos a fazer seleções nos stands dos países que nos interessaria mais trabalhar. Ainda hoje temos 3 ou 4 fornecedores que são dessa época, temos fornecedores desde o ano 2000 que contratámos nessas feiras onde formos identificar as nossas necessidades.
Nessa altura, éramos 3 pessoas, no ano seguinte passámos a 4, pelo que não fomos fazer contratos diretos individualmente com o restaurante, com o autocarrista, com o hotel, com o guia… o que fizemos foi identificar os agentes locais que nos permitissem dar essa solução com o produto ‘chave na mão’ e nós só tratávamos de juntar os voos. Esses contactos foram fundamentais, poderia dizer que foi por sorte, mas a sorte conquista-se e nós conseguimos identificar esses operadores locais que nos apoiaram muito. E claro, principalmente na questão da contratação do produto, o António Gama, com o seu conhecimento do terreno, foi absolutamente determinante em todos os produtos que criávamos.
O passo seguinte de crescimento na oferta acontece com a programação com MSC, ou com os circuitos fora da Europa?
Antes da MSC nós representámos, durante 3 anos, a Panavisión em Portugal, um operador espanhol que ainda está no mercado, com o objetivo de criarmos diversidade e dimensão. Nós não conseguiríamos aumentar o número de circuitos todos os anos – 3, 4, 5 circuitos por ano -, porque não tínhamos capacidade de distribuição instalada. Então o nosso caminho foi encontrar um parceiro, que foi a Panavisión, que também nos encontrou a nós e foi um win-win.
A Panavisión não tinha grande expressão em Portugal, não tinha estratégia para abordar o mercado português e nós decidimos complementar a nossa oferta com os produtos deles. Além disso, nós concentrávamo-nos muito nos meses de junho, julho e agosto, no máximo até setembro e a Panavisión fazia uma programação anual, uma vez que também tinha o mercado americano e o mercado sul-americano. O que nós fizemos foi promover os produtos da Panavisión com um folheto próprio para identificar que o produto seria distinto do nosso.
Isso permitiu-nos dar uma dimensão muito grande à Nortravel, porque nós não programávamos nada em abril e maio e vendíamos 20, 30 turistas portugueses em circuitos da Panavisión. Durante os 3 anos em que representámos a Panavisión, percebemos que tínhamos capacidade para fazer autocarros exclusivamente com portugueses em qualquer época do ano, e isso deu-nos visibilidade no mercado e foi um passo gigante para nós.
“Percebemos que era um produto que estava em falta no mercado porque as ilhas portuguesas eram programadas apenas com voo, estadias e transferes e depois o cliente tinha umas excursões que podia comprar. Nós começámos a fazer circuitos com o conceito de tudo incluído, com guia, e percebemos que as pessoas quando vão à Madeira e aos Açores querem ir conhecer…”
É por essa altura que começam também a programar a Madeira e os Açores?
Sim, aconteceu neste período uma entrada forte na Madeira e nos Açores com a programação de circuitos, o que também contribuiu para uma maior visibilidade da Nortravel no mercado.
Percebemos que era um produto que estava em falta no mercado, porque as ilhas portuguesas eram programadas apenas com voo, estadias e transferes e depois o cliente tinha umas excursões que podia comprar. Nós começámos a fazer circuitos com o conceito de tudo incluído, com guia, e percebemos que as pessoas quando vão à Madeira e aos Açores o que querem é ir conhecer, porque para irem para a praia têm a ilha do Porto Santo que é um dos melhores destinos portugueses neste segmento.
Depois surge a vossa programação de cruzeiros com a MSC. O mercado estranhou a situação?
A MSC ter surgido na nossa programação deveu-se muito ao Francisco Teixeira, da Melair, que era quem tinha a representação da MSC para Portugal, que nos abordou. Nós identificámos que poderíamos criar um produto novo e inovador, e avançámos com a ideia de fazer circuitos dentro de um barco, que é uma coisa curiosa. Fazíamos um pré-programa, por exemplo, voávamos para Bolonha, visitávamos Florença, fazíamos parte de Verona e terminámos em Veneza, fazíamos um circuito de 4 dias e depois embarcávamos num navio a fazer todo o Adriático até às Ilhas Gregas e aí englobávamos a excursão em cada porto. Era um produto diferenciado, com a mais valia de os clientes serem acompanhados por um guia a falar português, em permanência, desde Bolonha. Foi um produto com muito sucesso, e estivemos dois anos a fazer essa programação.
Depois surgiu a situação de a MSC procurar um parceiro GSA para Portugal. O facto de nós sermos o cliente que mais movimentos dava à companhia no nosso país- a MSC era uma desconhecida no mercado nacional – e termos uma quota importante de passageiros absolutos, fez com que a MSC identificasse a Nortravel como o parceiro ideal e é aí que arranca a parceria com a MSC, que durou até à criação do escritório próprio da MSC em Portugal.
“(…) o António Gama não era apenas o rosto da Nortravel, era o pensador, a pessoa que lançava os desafios e muitas vezes estava muito à frente a ver coisas que eu ainda não estava a ver”
Foi o crescimento da Nortravel que levou a que os sócios fundadores (António Gama e Nuno Aleixo) abrissem a empresa à entrada de novos sócios?
Sim, tivemos a necessidade de abrir um escritório em Lisboa, e em 2002 ou 2003 (não estou seguro da data exata) convidámos o Emídio Santos, que também trabalhou no Club Vip, para integrar a Nortravel como sócio e ficar à frente do escritório de Lisboa.
O projeto de Lisboa arranca com a direção do Emídio Santos e contou também com a Susana Almeida, que na altura já vivia em Lisboa, embora tenha trabalhado connosco no escritório do Porto. Mais tarde, entra o quarto sócio da Nortravel, o Ângelo Grilo, que tinha a mais valia de ser um conhecedor na área dos guias e da contratação do terreno.
Na altura dizia-se que o António Gama era o rosto da Nortravel e o Nuno Aleixo era a “formiguinha do escritório” da Nortravel. Era assim?
Sim, podemos usar esses termos, mas o António Gama não era apenas o rosto da Nortravel, era o pensador, a pessoa que lançava os desafios e muitas vezes estava muito à frente a ver coisas que eu ainda não estava a ver. Dizia-me “Nuno vamos agora arrancar com este produto” e para mim era um “mar” de dúvidas porque nunca tinha visto aquilo no mercado e eu baseava-me muito no que já estava consolidado no mercado. O António Gama pensava e lançava os desafios que depois eram agarrados pela equipe, porque quando um dizia que era para avançar toda a equipe agarrava a ideia e avançávamos.
Mas sim, o António Gama sempre se preocupou muito com a imagem e com a comunicação da Nortravel e nisso também teve um grande mérito. Éramos uma equipa fantástica e complementávamo-nos, eu não entrava na área onde ele desenvolvia o seu trabalho e ele também não se cruzava com área na qual eu trabalhava. Depois de definida a ideia do produto ele entregava-mo, e eu ia atrás de o montar juntamente com o resto da equipe, e foi isso que sempre funcionou muito bem.
Nesta fase percebem que havia clientes que queriam viajar para lá da Europa. Começam então a programar as grandes viagens…
Depois dos cruzeiros entrámos nas grandes viagens e foi quando começámos a pensar na Jade Travel, com as viagens para o Médio Oriente mas, com o background do Augusto Cardoso, falávamos também de viagens mais longínquas, e a partir daí damos início a este conceito.
Nessa altura avançam para a comprada Jade Travel?
O Augusto Cardoso e a sua equipa estavam a constituir a empresa da Jade, eles como sócios trabalhadores e nós falámos com o Augusto e propusemo-nos a entrar como sócios na empresa, também com o Augusto Cardoso como sócio, e a partir daí avançámos com o projeto Jade Travel.
A nossa intenção foi diversificar, porque a partir do momento em que a Nortravel se posiciona no patamar de qualidade, não podia colocar produto que não tivesse esse nível, só que também tínhamos que crescer, havia produto que tinha que entrar na vertente preço com competitividade, para outro tipo de público, mas que nos dava mais volume de contratação e de dimensão, e aí a Jade Travel encaixou-se bem porque veio segmentar a oferta na área onde a Nortravel não atuava.
Esse passo não impediu a Nortravel de ter programas para a China, a Patagónia, a Índia…?
Pegámos na capacidade de contratação integrada com a Jade e avançámos com o conceito que tínhamos na Europa, viagens com guia em português, com os serviços todos integrados com algumas opcionais, ou seja, era o conceito da Europa mas para destinos longínquos. A China foi um dos grandes sucessos iniciais da Nortravel e foi determinante para usarmos o poder de contratação que tínhamos aliado com o conceito que nós tínhamos na Europa.
Em 2008 a Nortravel avança para o Brasil, à conquista dos clientes brasileiros que queriam fazer circuitos na Europa. Como correu esse novo desafio?
Em 2007 o António Gama lançou a ideia e começámos a conversar sobre o projeto Brasil. Fruto dos muitos contactos com operadoras e agências viagens brasileiras, víamos o interesse que existia na nossa programação, por ser diferenciada da que existia lá e porque usávamos a língua portuguesa, quando no Brasil a principal força de distribuição do produto na Europa eram operadores espanhóis.
Começámos então a explorar mais o mercado brasileiro, a participar em feiras de turismo, como a ABAV ou o Festival do Gramado, fizemos a feira da ABAV do Paraná, portanto começámos a entrar muito pelo sul do Brasil.
Devido à nossa dimensão no mercado português, a equipe começou a ir lá quando ainda não tínhamos o volume de produto suficiente para eles terem capacidade de distribuição. A partir de 2009, estruturámos o produto tanto para o mercado português como para o mercado brasileiro e conseguimos coabitar com os dois mercados dentro do mesmo autocarro.
Passados uns anos a procura do mercado português mudou e o mercado brasileiro passou a ter outro conceito e aí nós decidimos dividir. Mas foi em 2008 que arrancámos para o mercado brasileiro, com muito sucesso. Depois eu também me envolvi muito nesse projeto, fiquei com mais tempo, fruto da minha vida pessoal ter-se alterado, e isso foi determinante para atingirmos os objetivos, porque é preciso tempo para seguir pessoalmente o mercado no Brasil.
Na 2ª parte da entrevista vamos abordar temas como:
- O crescimento da Nortravel em Portugal
- Traços distintivos face à concorrência
- Comunicação com o mercado
- O papel da Optigest, Artpixel e Futurismo no desenvolvimento da Nortravel