NDC: “As agências não podem “assobiar para o lado”” porque “esta nova realidade veio para ficar”, alerta Mário Almeida

“O Futuro da Distribuição Aérea” foi o tema de um dos painéis da XIX Convenção Bestravel que colocou em cima da mesa tema do momento, o NDC e as alterações que a sua implementação cria na relação entre as companhias aéreas, os GDS e os agentes de viagens. O Turisver falou com Mário Almeida, do Grupo Newtour, que moderou a sessão.
O painel que moderou na Convenção da Bestravel que teve o seu foco no NDC e na necessidade de os agentes de viagens poderem perceber mais e melhor esta ferramenta. O que acontece é que os GDS se sentem em perda face a esta nova ferramenta?
Penso que o termo correto não será “ os GDS se sentirem em perda”, mas existe uma mudança radical do modelo de distribuição que durante décadas tivemos, ou seja, durante décadas eram os GDS que controlavam a informação das companhias aéreas, enquanto com o novo modelo a companhia aérea é a dona da totalidade da informação, dos seus produtos, e disponibiliza-os consoante pretende para atingir o seu fim que é o de vender mais e vender melhor.
Mas a importância que os GDS tinham até agora, vai diminuir com a introdução por parte das companhias aéreas desta ferramenta (NDC)?
Sim a importância dos GDS diminui no sentido de que até há pouco, quando se falava de distribuição falava-se de GDS, agora fala-se de empresas TEC, que na verdade são os tais agregadores, mas hoje os GDS também são agregadores e eu diria que serão também agregadores no futuro, porque com uma experiência de décadas vão acabar por dar um “salto“ grande nesta área da agregação.
Então parece ser tudo uma questão de adaptação?
Sim, é uma questão de adaptação.
Mas também é uma questão de dinheiro?
Sim também é uma questão de dinheiro, sendo que na minha visão, quando se fala dos custos pagos aos GDS pelas companhias aéreas, eu acredito que estas o tenham repassado aos passageiros, e assim sendo o custo para as companhias era inexistente. Penso que a grande transformação reside no facto de as companhias aéreas quererem continuar a diminuir o seu custo, também no sentido de com o NDC as companhias pretenderem repercutir essa baixa de custo ao seu cliente final, e pensam fazê-lo personalizando. Isto significa que podem receber mais ou menos dependendo do momento exato, com a variação de preço a poder ser feita não apenas pelo dia de semana mas até pela hora, minuto ou mesmo ao segundo.
Mudança do modelo de negócio leva a que os GDS passam a ter menos capacidade de remunerar as agências de viagens
Sendo certo que os GDS não vão desaparecer do dia para a noite, mas vão deixar de ter as remunerações que lhes eram pagas pelas companhias aéreas, levanta-se a questão: quem é que vai pagar aos GDS?
O modelo de negócio dos GDS não depende apenas da remuneração das companhias aéreas, têm outros modelos, sendo que na verdade eles recebiam das companhias aéreas mas também investiam em marketing e no pagamento aos seus utilizadores (agências de viagens), o que é uma situação absolutamente normal, é assim que funciona a distribuição.
Mas atualmente os GDS começam a ter dificuldade em continuarem a ser pagadores, devido à diminuição das remunerações por parte das companhias aéreas?
Com a mudança do modelo de negócio que temos vindo a abordar, tudo muda, não só os GDS passam a ter menos capacidade de remunerar as agências de viagens suas clientes, como também as companhias aéreas passam a ter menos capacidade para remunerar as agências. Isto significa que o modelo de negócio que vai da cadeia da companhia aérea à distribuição e o retalho vai mudar e vai passar a ser um modelo de negócio como qualquer outro em que tem que se vender valor e cobrar ao cliente pelo valor acrescentado.
“Ao passarmos do modelo de GDS para NDC, as agências têm mais produto para vender e mais possibilidades para o venderem. Se um agente de viagens conseguir vender a um cliente algo a mais, ou seja, vender um bilhetes, um lugar específico, um lounge, possivelmente a companhia aérea irá remunerá-lo muito mais por esse serviço”
Isto muda o modelo de negócio que as agências de viagens tiveram durante muitos anos: se perdem a remuneração dos GDS, se continuam a perder a margem que lhes é paga pela venda de bilhetes das companhias aéreas, quem vai ter que pagar isso ao agente de viagens é o cliente final?
Depende porque ao passarmos do modelo de GDS para NDC, as agências têm mais produto para vender e mais possibilidades para o venderem. Se um agente de viagens conseguir vender a um cliente algo a mais, ou seja, vender um bilhetes, um lugar específico, um lounge, possivelmente a companhia aérea irá remunera-lo muito mais por esse serviço. Nós temos é que perceber o que podemos fazer de melhor para podermos ir buscar algum valor acrescentado, sendo que o foco deve ser vender melhor ao nosso cliente e dar valor ao nosso cliente. Se o nosso cliente estiver satisfeito criamos fidelidade e aí vamos ser reconhecidos pelas companhias aéreas.
Tentando fazer uma leitura simplista do que acabou de dizer, significa que o lucro não está no automóvel que se vende mas sim nos acessórios que se conseguem vender para esse automóvel?
Isso já acontece, compra-se um carro e depois uma série de softwares. Hoje em dia já podemos personalizar tudo, escolher o que queremos e isto é uma vantagem para o mercado porque cada um pode andar ao seu ritmo, vender mais um produto A ou um produto B.
“Penso que a faixa das tarifas mais baratas possam passar diretamente pela companhia aérea mas não acredito que as tarifas de maior valor, que exigem um serviço, possam ser absorvidas a 100% pelas companhias aéreas, até porque isso cria um grande desafio às companhias, que é prestar um serviço pós-venda de qualidade ao cliente”
Uma questão que também foi abordada no painel que moderou, é o facto de as companhias aéreas passarem a ter um conhecimento de tal forma elevado sobre o seu passageiro que pode vir, no futuro, talvez a médio prazo, a prejudicar o agente de viagens que até aqui era quem detinha grande parte desse conhecimento?
Tenho dúvidas se isso vai funcionar assim porque apesar de a companhia aérea passar a ter esse conhecimento terá muita dificuldade em vir a prestar ao seu cliente o serviço que o agente de viagens lhe presta. Penso que a faixa das tarifas mais baratas possam passar diretamente pela companhia aérea mas não acredito que as tarifas de maior valor, que exigem um serviço, possam ser absorvidas a 100% pelas companhias aéreas, até porque isso cria um grande desafio às companhias, que é prestar um serviço pós-venda de qualidade ao cliente. É muito fácil “roubar” um cliente mas é difícil mantê-lo, basta que não seja dado um bom serviço pós-venda para que o cliente vá para outro lado.
Não podemos esquecer que a compra direta a uma companhia aérea é um e-commerce normal, onde é fundamental um sistema de pagamento, um sistema de reembolso e um sistema de feedback aos passageiros – se um deles falhar, falha automaticamente a confiança e este é um trabalho que temos que fazer. É frequente ir numa companhia aérea, trocar depois para outra e quando há um problema é muito difícil conseguir falar com o call center em tempo útil. Ou seja, é uma revolução mas não é imediata, temos tempo para nos adaptar e acho que todos vão amadurecer e perceber que há espaço para todos.
O maior perigo para o agente de viagens não é apenas aquilo de que temos estado a falar mas sim o “olhar para o lado” face a uma realidade, ou seja, o agente de viagens tem que começar já a ter conhecimento da realidade do NDC para saber como vai trabalhar com esta ferramenta?
Isso é uma grande verdade, as agências não podem “assobiar para o lado” e fingir que a realidade não existe, têm que saber que esta nova realidade veio para ficar. A pergunta não é se vai acontecer, porque já está a acontecer, mas sim o quão profundamente isto nos vai mudar. Por outro lado, com a entrada da Inteligência Artificial, as coisas podem acelerar, portanto, é extremamente importante que todos tenham a consciência de que o futuro já está a acontecer.
Nós sabemos os milhares de horas de formação que os GDS deram aos agentes de viagens para que eles conseguissem trabalhar com aquelas ferramentas. Para conseguir trabalhar com o NDC vai ser preciso ter outra vez formação?
Não, para quem está sentado num balcão a única missão será vender. O que o NDC e as novas plataformas que assentam na Internet nos trazem é a capacidade de recrutarmos pessoas que sabem vender, cuidar do cliente e não apenas pessoas que são capazes de aprender os GDS porque são via Internet e todos nós hoje somos utilizadores e sabemos lidar com a Internet. Ou seja, permitem-nos ir buscar pessoas capazes de entregar valor, sem nos preocuparmos com a necessidade de terem três ou seis meses de treino.