Miguel Quintas: “Vislumbro mais a possibilidade de adquirir do que de vender” alguma empresa
O panorama atual da operação turística e da hotelaria em Portugal, a situação da TAP, o estado do associativismo empresarial do turismo e as eleições na APAVT foram os principais temas abordados nesta segunda parte da entrevista com Miguel Quintas, fundador e chairman do Consolidador e do Grupo Airmet.
Como é que o Miguel Quintas / Airmet olha para o mercado dos operadores turísticos hoje em dia?
É impossível olhar para o mercado nacional não olhando para o mercado ibérico porque nós não temos uma escala suficientemente grande para podermos tomar decisões sem olhar para o que os operadores espanhóis estão a fazer no mercado português.
O grande problema de Portugal é a escala e a chave do negócio da operação reside, justamente, na escala. No fundo, trata-se de uma fábrica de viagens e quanto mais barato for o custo unitário da fábrica mais competitivo é o produto e mais possibilidade nós temos de vender junto do mercado. Acontece que um operador português, com a dimensão que tem, se quiser crescer para Espanha tem que crescer cinco vezes mais e um operador espanhol se quiser crescer para Portugal apenas tem que crescer mais 15%, o que é muito mais fácil.
Nesse sentido, nós temos que olhar para os operadores espanhóis, temos que estar próximos deles porque são eles que vão direcionar o mercado de uma forma generalista.
Se entrarmos na área do nicho é óbvio que os operadores portugueses têm uma palavra a dizer. Quando falo de nicho, considero que Cabo Verde ainda é um mercado de nicho, mas as Caraíbas não o são, ou seja, estamos a falar de destinos muito específicos.
Os operadores portugueses deveriam ser um pouco mais ambiciosos em termos de dimensão e para isso é preciso que se entendam e essa é a grande pecha do mercado nacional – e isso é transversal também às agências de viagens. Nós somos demasiado pequenos para não conseguirmos entender-nos e há muitos players neste setor que não se querem entender, que pelo contrário estão a olhar para a ‘galinha da vizinha’ para ver se é melhor ou não em vez de as juntarem todas na mesma capoeira. Na minha perspetiva, esta é uma mentalidade que tem que mudar para podermos ter uma palavra a dizer, não só em Portugal mas também noutras geografias, e essa é uma das razões pelas quais o Consolidador tem vindo a internacionalizar-se e eu quero que no final deste ano esteja presente em 10 mercados. Atualmente estamos em cinco, contando com Portugal e quero dobrar esta presença porque temos que ter uma escala internacional, não nos podemos cingir ao mercado português que é a nossa casa, claro, mas temos que ter espaço para poder continuar a crescer e para poder continuar a operação.
“Acredito que o futuro da TAP passe pela privatização”
Ao longo desta conversa teríamos forçosamente que falar do transporte aéreo e, como tal, da TAP. A TAP tem sido uma preocupação para o setor, umas vezes mais outras vezes menos. Neste momento, está numa fase muito preocupante?
A TAP é uma empresa muito importante para o nosso setor pela dimensão que tem, é uma empresa com imensos recursos, ao nível das pessoas, do equipamento, dos destinos para onde voa e em termos de atividade comercial, mas é uma empresa demasiado politizada, o que lhe trava todos os movimentos normais de uma companhia aérea. É politizada, primeiro, porque pertence ao Estado, pertence a todos nós, mas é uma arma de arremesso em função daquilo que são os interesses políticos, o que prejudica todo a nossa atividade.
Acredito que o futuro da TAP passe pela privatização, não vejo outra hipótese por uma questão de estratégia política e por uma questão de estabilidade da própria empresa.
Se olharmos para o passado, tivemos dois períodos de tranquilidade dentro da TAP, uma na gestão de Fernando Pinto, em que a empresa conseguiu oferecer ao mercado aquilo que o mercado necessitava, e outra durante a tempo em que foi privada, e essa estabilidade é fundamental para o nosso setor.
Sendo uma empresa extraordinária, que deve ser potencialmente preservada para os players do nosso setor, ela pode estar na mão de A, de B ou de C, o mercado deve funcionar, deve deixar escolher e seguir o seu caminho porque há muito espaço para muitos players entrarem neste setor. Sou adepto de que a empresa seja eficiente para poder servir melhor ainda os interesses do mercado nacional.
Há uma nota que quero deixar relativamente a esta politização e às necessidades do setor. Quem é “dono” dos turistas em Portugal, e para fora de Portugal, são os empresários que promovem os destinos – é o restaurante, o hotel, o tuk-tuk, são as empresas de passeios fluviais, etc, porque são esses, que se promovem internacionalmente, que fazem com que o destino seja desejado e que trazem clientes para cá. A TAP é um meio de trazer os turistas como qualquer outra companhia aérea. Neste sentido, quando se politiza este tema dizendo que se a TAP deixar de existir os turistas deixam de vir isso não é verdade, os turistas não deixam de vir porque eles não pertencem às companhias aéreas nem aos autocarros, nem aos táxis – os turistas pertencem aos destinos e às regiões que fazem com que esses turistas tenham interesse em ir para determinado local. Com isto não quero dizer que a TAP não é relevante, porque é um meio mas não é o fim, e nós temos tendência a discutir a TAP como se fosse um fim e não um meio.
Posto isto, espero que tudo corra bem rapidamente, felizmente a greve foi cancelada, prejudicou-nos no caso da convenção da Airmet mas também nos beneficiou no caso do Consolidador porque vamos continuar a poder vender e a TAP também vai poder continuar a vender. Poupamos todos enquanto cidadãos e enquanto contribuintes mas é bom que se organizem.
Não posso deixar também de falar no Aeroporto. Andamos há demasiados anos a adiar o que é inadiável, andamos a criar condições para que o país seja prejudicado no presente e no futuro, porque a imagem e a mensagem que passamos aos nossos clientes, sejam de lazer ou de negócios, é francamente má quando o aeroporto colapsa e isso acontece sempre no período das férias.
O Consolidador tem perto de 350 mil hotéis na central hoteleira
Já falámos das agências de viagens, dos operadores, da TAP e do Aeroporto. Falemos agora de hotelaria: face à subida de preços, à falta de recursos humanos / perda de qualidade de serviço em algumas unidades hoteleiras, como é que vocês, que têm empresas que vendem diretamente ao cliente final, estão a olhar para esta situação?
O Consolidador tem outra área de negócio que é uma central de hotelaria. Temos perto de 350 mil hotéis na nossa central e vendemos bastante no mercado nacional. Na minha perspetiva, enquanto vendedor, a hotelaria em Portugal tem três áreas distintas: temos uma hotelaria tradicional gerida por excelentes profissionais, com equipas profissionais muito bem estruturadas, e aqui falamos essencialmente de grupos mas também de algumas unidades individuais; temos um lastro grande de pequena hotelaria muito mais tradicional ainda mas onde não existe tanto conhecimento ao nível da capacidade de gestão e temos muito alojamento local que não podemos escamotear porque também tem um impacto muito grande na nossa economia e muitas vezes até tem à frente excelentes profissionais.
Na minha opinião, a hotelaria em Portugal é um caso de sucesso justamente pelas razões contrárias daquilo que acontece na distribuição e na operação turística. Os gestores hoteleiros em Portugal conseguiram entender que há muito mais coisas que os unem do que aquilo que os separa na concorrência direta de captarem o seu cliente final e assistimos a inúmeros casos de promoção conjunta, onde até se podem “atacar” os mesmos clientes mas garantindo que não há erosão de preço. Acima de tudo, há uma união muito grande naquilo que é a estratégia geral de Portugal enquanto destino turístico e quando existe esta união estratégica as pessoas percebem que a soma da sua totalidade é muito mais importante do que a individualidade de cada um, sendo que, dentro desta comunhão de interesses, nada obriga a que se perca a identidade. É aqui que reside o verdadeiro sucesso da hotelaria em Portugal.
Temos uma oferta hoteleira extraordinária, em termos da relação qualidade-preço se não for a melhor da Europa é uma das melhores, quer ao nível da hotelaria de cidade como da hotelaria de lazer, o que faz com que Portugal tenha o sucesso que tem em termos internacionais, porque se promove muito bem e tem um produto muito bom. Temos muita capacidade de formação de recursos humanos, temos excelentes profissionais, somos um povo que sempre gostou de receber e esse espírito está na nossa hotelaria. Antevejo sempre um futuro fantástico para a hotelaria, sei que a pandemia não foi fácil mas foi por termos excelentes profissionais que conseguimos ultrapassar as dificuldades.
Gostaria, alguns casos, que o setor da distribuição tivesse tanta visão como tem a hotelaria. Pode ser que isso venha a ser possível lá mais para a frente, e agora deixo esta nota: se algumas coias mudarem.
“Serei sempre apoiante de concorrência, o que neste caso significa mais uma lista. Se irei liderar ou não isso já é outra história, mas apoiar a abertura de mais listas isso apoio”
Essa última parte da sua resposta leva-me a uma nova questão: como é que o Miguel Quintas olha hoje para o setor associativo do turismo, em geral, e particularmente no setor das agências de viagens? Ou não olha?
Claro que olho, é o meu setor e estou sempre atento. Existem duas associações de viagens em Portugal e faço questão de pertencer às duas, primeiro porque sou adepto da concorrência e darei sempre a máxima força para que existam mais associações porque só beneficiamos com isso – torna-se completamente antidemocrático dizer que só deverá haver uma associação e eu repudio automaticamente tudo o que é antidemocrático. Era bom que houvesse várias associações, e fortes.
Em segundo lugar, estou sempre atento à evolução porque é fundamental haver alteração de direções, alterações estratégicas. Não há ninguém que se deva perenizar numa posição porque isso só traz estagnação, só traz falta de ideias e atraso num processo que se quer de renovação permanente, de olhar o futuro, de entender que existem permanentemente condições de atuação na nossa vida.
Claro que tenho preferências de associações porque a própria idiossincrasia de uma das associações da área das agências e viagens obriga a que, a haver eleições, 33% dos associados estejam alinhados. Ora isto é completamente antidemocrático, não há praticamente a possibilidade de criar condições de eleições suficientemente concorridas, com programas inovadores, concorrenciais, com programas que façam com que o setor se reinvente, sendo que se mantém o status quo ad aeternum porque não há espaço para criar mais listas e as pessoas perenizam-se. Sou totalmente contra isso mas é o setor que temos e não deixo de pertencer às associações por isso, embora neste aspeto seja extremamente crítico. Se eu tivesse uma palavra a dizer, essa era a primeira coisa que eu mudaria: limite de mandatos, porque precisamos de uma renovação permanente
Quando fala em 33% alinhados, significa que uma lista tem que ser proposta por 33% dos associados?
Exato e isso impossibilita o aparecimento de várias listas. No melhor dos casos só poderia haver três listas em torno das quais estariam 100% dos associados, o que é completamente ilógico. Já haver duas é praticamente impossível porque a maior parte das vezes as pessoas não têm tempo para o associativismo. Construiu-se um sistema estatutário muito pouco democrático que inviabiliza o aparecimento de novas listas, de novas ideias, de novas pessoas e sou veementemente contra este tipo de estrutura que permite que as pessoas se perenizem nesta função.
Está a aproximar-se o período eleitoral na APAVT. Poderemos ter o Miguel Quintas envolvido ou está mais concentrado nos negócios?
Eu tenho o problema de nunca dizer não a nada e com a idade tenho o problema de garantir que as coisas são mais justas e tentar, dentro da medida do que me é possível enquanto pessoa, garantir que o país que eu deixo seja mais equilibrado. Nesse sentido, gostaria de ver eleições concorridas na APAVT, que não fosse uma lista única, que não fossem os mesmos e que houvesse possibilidade de haver competição de ideias, de formas de estar, de inovação, de uma forma geral.
Serei sempre apoiante de concorrência, o que neste caso significa mais uma lista. Se irei liderar ou não isso já é outra história, mas apoiar a abertura de mais listas isso apoio.
Tendo em conta os projetos de que foi falando ao longo da entrevista, as perspetivas de crescimento futuro que apontou, podemos concluir que está otimista?
Estou muito otimista. Sou uma pessoa de desafios, é o que me motiva na vida e parto sempre otimista para os desafios, de contrário não os assumiria. Tenho a certeza que 2023 vai ser um bom ano e 2024 também.
Outros investimentos na área do turismo estão previstos?
Para já, não. Estou dedicado a uma startup que já não é bem uma startup que está fora do âmbito mas é ao que dedico a maior parte do meu tempo.
Fala-se muito em compras e vendas no mercado. Nenhuma das suas empresas está em vias de deixar de pertencer na íntegra ao Miguel Quintas?
Não vislumbro isso no curto prazo. Se calhar vislumbro mais a possibilidade de adquirir do que de vender.
*Leia a primeira parte da entrevista a Miguel Quintas, fundador e chairman da Consolidador e da Airmet, AQUI.