Miguel Ferreira: “Tenho o sonho do quarto voo” para o Brasil no réveillon
A acentuada recuperação turística verificada este ano foi o ponto de partida para a conversa do Turisver.pt com Miguel Ferreira, CEO dos operadores turísticos Exoticoonline e Destinos. A ligação ao grupo MTS, a operação de fim de ano para o Brasil e o relacionamento com as companhias aéreas, nomeadamente a TAP foram outros temas “em cima da mesa” numa entrevista em que também se falou do mercado.
Esperava que a recuperação do turismo acontecesse com a força que está a ter já este ano?
No primeiro trimestre do ano pensava que a recuperação ia ser mais lenta mas com o passar dos meses percebeu-se que foi melhor para nós – refiro-me especificamente ao caso da Exótico e da Destinos – do que aquilo que eu estava à espera, sendo que a Destinos não teve quebras, inclusive aumentou nos últimos anos porque com a limitação de viagens para o exterior, os portugueses ficaram em Portugal.
A Destinos é uma marca que tem vindo a impor-se paulatinamente no mercado, crescendo de ano para ano?
Olhando um pouco para o passado, arrisco-me a dizer que a Destinos segue a escola das programações de autoférias, que se faziam há umas décadas e que deixaram de aparecer porque entraram no mercado outras formas de comercializar este tipo de oferta. A Destinos especializou-se, apenas e só, na programação de Portugal para os portugueses.
O Algarve é o “carro-chefe”?
O Algarve é o destino número um de vendas da Destinos e a Madeira é o número dois, mas a discrepância do Algarve relativamente aos outros é muito grande.
Porque é que outras regiões não acompanham mais de perto? Tem a ver com a procura?
Tem a ver com a procura, sim, mas o caso do Algarve tem muito a ver com o DNA do Grupo MTS que tem no Algarve um dos destinos mais fortes, seguido da Madeira e nós, como Grupo MTS, por força do negócio global também beneficiamos disso, se bem que haja outros destinos que têm vindo a crescer, nomeadamente o Norte. Nos últimos anos, o Douro também cresceu muitíssimo pela abertura de novos produtos muito qualificados, assim como o interior de Portugal.
O Brasil é o ADN da Exótico
A Exótico tem uma postura diferente no mercado, sempre esteve muito relacionada com o Brasil.
A Exótico começou com o Brasil e depois foi programando outros destinos mas o seu DNA é o Brasil e especializou-se, concentrando a sua oferta no nordeste, principalmente, e no sudeste do Rio de Janeiro. O grosso da nossa programação é o nordeste brasileiro, por força dos voos da TAP e, em alguns períodos do ano, das operações charter que se colocam no mercado em parceria com outros players.
A abertura de cadeias hoteleiras no nordeste do Brasil ajuda muito e ao termos a TAP a voar direto para todos os destinos permitiu ajustar o produto face à procura.
Mas isso acabou por colocar os operadores um pouco “nas mãos” da companhia porque não há alternativas?
Digamos que isso já aconteceu mas a estratégia atual da TAP é de grande parceria com os operadores. Sem dúvida que, no último ano, a TAP voltou a olhar para os agentes de viagens como parceiros de mercado e mudou o seu comportamento para com o mercado.
Conseguimos encontrar um ponto de equilíbrio que fosse benéfico para todos. Um operador, para ter uma operação charter, tem de ter um risco. Através da parceria com a TAP libertamo-nos do risco em determinados períodos do ano, provavelmente pagamos um pouco mais com a aviação da TAP no regular – tal como acontece com outras companhias para outros destinos – mas o balanço é positivo para todos. Isto porque, se há operações charter a companhia, por vezes, não vende aquele destino mas o operador também pode não encher o voo. Em resumo, agora há um ponto de equilíbrio.
A Exótico deixou de ter risco em todas as suas operações, mesmo no verão?
Este ano tomamos essa decisão. Após os últimos anos, tentámos reequilibrar a empresa e caminhar passo a passo, sem correr grandes riscos. Para o próximo ano ainda vamos analisar o que vamos fazer mas para este ano tomámos a decisão de ter risco apenas nos voos de réveillon, para o Brasil e a Madeira.
Deixar de ter risco não significa que tivessem deixado de ter programação?
Não, em termos de programação continuamos na mesma, o que acontece é que, por vezes, podemos não ser tão competitivos quanto os demais.
Na sua opinião, este ano voltámos a ter algum excesso de oferta no mercado, com reflexos no preço de destinos?
Este ano, voltou a ver-se mais ofertas no mercado mas não sei quantificar. Pelo nível de ofertas, deduz-se que poderá ter havido algum excesso para alguns destinos. Quando se baixam preços num destino de longo curso, há outros destinos em que, por inerência, isso se reflete.
A Exótico beneficia do poder de compra do grupo MTS
Dubai, Maldivas e Madeira. São destinos onde já temos tradição porque como temos escritórios próprios da MTS, tanto no Dubai como nas Maldivas, isso permite ter uma abrangência de produto dentro do nosso próprio grupo.
A MTS tem alguma ingerência na vossa forma de atuação em Portugal?
Não, de forma nenhuma. Temos um “drive” de grupo mas depois temos autonomia total.
Onde é que a Exótico beneficia da associação à MTS?
Beneficiamos do poder de compra do grupo, do volume do grupo todo porque operamos com a diversidade de mercados, o que nos permite obter preços que sozinhos dificilmente conseguiríamos, ou então estaríamos sempre com os nossos parceiros habituais, com outro recetivo local e com as respetivas margens que eles têm.
O mercado precisa de novos destinos? Este ano foi lançado um novo destino, o Senegal, e pelo que sei teve um grande êxito.
O Senegal foi lançado no mercado por conta da abertura de uma nova unidade hoteleira nesse país. Por vezes existem destinos fabulosos mas onde o produto pode não se adequar ao mercado português. Não é porque um destino é fabuloso que o mercado português está disponível para o consumir. O Senegal é um desses casos: abriu uma unidade hoteleira que se encaixa nos padrões do mercado português e foi um enorme sucesso.
Ao que tem sido dito, para o ano poderá voltar a haver novos destinos charter no mercado, até de parceiros da Exótico. São casos para equacionar?
Neste momento ainda não tomámos decisões. Há várias situações em cima da mesa, há cenários, mas ainda não se passou disso, até porque temos que analisar o comportamento do mercado no próximo semestre.
A contratação para o próximo ano já está em curso?
Na área do internacional o grupo começou em agosto, a contratação da hotelaria nacional vai começar agora mas ainda não tenho ideia dos preços. Este ano, o preço médio pode ter subido ligeiramente mas o que se passou foi que o cliente deixou de comprar em early booking e, por isso, quando comprou, já não teve esse benefício e foi isso que levou a que se dissesse que este ano o Algarve estava mais caro.
No início, entre outubro e dezembro, quando os bons descontos de early booking existem, o mercado não comprou, ou seja, os hoteleiros até quase mantiveram os preços ou subiram de forma muito gradual mas o cliente não comprou. Este ano, a reserva antecipada foi bastante mais contida e aconteceu que, quando o cliente comprou, o preço médio foi mais elevado porque já não usufruiu do early booking.
Existe mais diálogo da parte das companhias aéreas
Como é que estão as relações com as companhias aéreas, para além da TAP?
Sendo transversal, pelo menos com as companhias com que mais trabalhamos, o relacionamento, em geral, é bom. Há casos pontuais mas isso acontece com todos. Pelo menos nota-se uma coisa: antigamente, tudo o que se perguntava ou tentava fazer tinha um não como resposta, agora existe abertura para o diálogo. Se depois é exequível ou não, já é outra coisa e às vezes pode não ser como queremos porque a companhia quer vender mais caro e nós tentamos sempre ter o preço médio que o mercado comporta.
Negociar com muita antecedência tem-vos permitido manter os contratos iniciais, sem o ónus dos suplementos de combustível?
Não, porque o suplemento do combustível cai em cima do preço da tarifa. No entanto, a grande generalidade das companhias dá-nos o período dos 21 dias, que é de lei, para emitir na tarifa em que foi contratada a reserva e se o cliente optar por emitir naquele período não terá incremento.
Para garantir o posicionamento da Exótico e da Destinos no mercado, tem que olhar para a “floresta”. Como é que ela está?
Pelo que se fala, acho que o mercado está todo muito animado e está bem. Nota-se que, no geral, o verão foi muitíssimo bom, à exceção de algumas operações que eventualmente tiveram que ser ajustadas, mas isso é normal. O mais importante no setor é a união que voltou a existir novamente, nota-se que os operadores têm um caminho e vão juntos nesse caminho e isso é muito importante em termos de futuro.
No entanto o mercado está agitado, fala-se em compras, vendas de empresas de distribuição…
Esse é o normal. Se olharmos para a última década, todos os anos aconteceram compras, vendas, aberturas e fechos, o que é normal não só em Portugal como por toda a Europa e pelo mundo. Em todo o lado as junções estão a existir, mesmo em mercados maduros, porque cada vez se entende melhor que sozinho ninguém vai a lado nenhum. Antigamente tínhamos o avião do A, do B, do C, hoje os grandes “tubarões” europeus dividem operações com operadores bem menores e é essa união que leva a que não exista excesso de lugares no mercado – a megalomania leva a que todos percam dinheiro e este ano isso não está a existir.
“A verdade é que hoje, pela procura do mercado brasileiro para a Europa e pelo posicionamento da TAP, que é a companhia que mais voa da Europa para o Brasil, a ocupação dos voos está altíssima, as tarifas médias subiram bastante”
O presidente do Grupo Vila Galé, Jorge Rebelo de Almeida, disse na conferência de imprensa que deu há dias no Brasil, que são precisas low costs a operarem entre o Brasil e Portugal. Como é que olha para esta ideia?
Às vezes dizem-se coisas e a forma como depois são entendidas altera-se, dependendo da pessoa que ouve. Eu penso que o que quis dizer foi que o custo médio do assento para o Brasil duplicou em relação há três anos e para um investidor com 10 hotéis no Brasil é necessário que exista mais aviação para lá e melhor preço. A verdade é que hoje, pela procura do mercado brasileiro para a Europa e pelo posicionamento da TAP, que é a companhia que mais voa da Europa para o Brasil, a ocupação dos voos está altíssima, as tarifas médias subiram bastante e o que o Jorge Rebelo de Almeida precisa é de mais assentos e com um preço mais acessível.
Se olharmos bem para as coisas, o preço que hoje tem uma passagem aérea é o mesmo de um pacote que se vendia há três anos, com hotel incluído. Penso que que foi nesta situação que ele quis bater – não no conceito low cost mas no preço médio por assento.
Quais são as perspectivas para esta fase final do ano? Neste momento devem estar a ter um pico de vendas para o réveillon…
Esperamos um bom inverno, aliás a Exótico, curiosamente, é mais forte no inverno do que no verão. O que se nota é que o Brasil voltou a ter uma procura muito boa, e mesmo fora do réveillon voltou a ter procura.
Para o fim de ano é surpreendente a receptividade do mercado aos charters de réveillon. Colocámos o produto mais cedo do que o normal “obrigados” pelo mercado e a receptividade deste foi enorme e não podemos esquecer que para o Brasil há cinco voos no mercado, três da nossa ‘pool’ e dois de outra.
Fecharam definitivamente “a loja”? Quem comprou, comprou e já não há mais?
Três já estão, mas se me perguntar se tenho o sonho do quarto voo… eu sonho alto, por isso tenho o sonho do quarto voo mas devo admitir que é difícil porque é preciso trazer também brasileiros para cá. Colocar portugueses, por vezes é fácil, encher o avião de retorno é que já não é tão fácil. Depois há outro fator que é o de o mercado interno brasileiro ser fortíssimo, pelo que a capacidade hoteleira também é capaz de não permitir colocar mais aviões.
A grande procura pelo Brasil não é contraditória com os preços altos?
Estou ligado ao Brasil há cerca de 25 anos e sempre funcionou um pouco como electrocardiograma, com picos altíssimos e depois com algumas quedas. Tem uma fasquia mínima de 120 a 150 mil portugueses por ano, depois chegámos ao meio milhão e caímos. É um destino que sempre se vai vender, nuns períodos muito e noutros menos mas nunca deixa de se vender Brasil. O que acontece é que por vezes vende-se um Brasil diferente, um Brasil de 15 dias, com mais cidades, porque o Brasil não é um destino é multidestino. Apesar de vendermos mais o nordeste por força das ligações aéreas, o Brasil tem dentro de si um conjunto de destinos que mais nenhum país no mundo tem.
Algumas indefinições para o próximo ano têm a ver com saber qual o caminho que vai tomar a economia e o bolso dos portugueses…?
E o fator câmbio, que é primordial. Não nos podemos esquecer que o dólar valorizou 20% em seis meses e destinos em que se mantenha o preço, só no câmbio aumentam 20 a 25%.