Marcelo Freixo tem como objetivo abrir um escritório da Embratur em Portugal a curto prazo

Em entrevista ao Turisver, Marcelo Freixo, presidente da Embratur – Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo, vincou a importância do mercado português e o objetivo de reabrir um escritório da Embratur em Lisboa e falou dos novos caminhos que esta entidade está a trilhar para recuperar a marca Brasil no mercado internacional.
A Embratur assinou, no sábado, um protocolo com o Turismo de Portugal. Já se pode saber o que é que consta desse acordo?
O protocolo é uma iniciativa da Embratur, que é o órgão responsável pelo turismo internacional do Brasil e pela reconstrução da sua imagem no mercado, com o Turismo de Portugal, que é uma referência para nós porque em cinco anos conseguiu duplicar o número de turistas em Portugal.
Hoje, Portugal tem aproximadamente 10 milhões de habitantes mas tem 18 milhões de turistas estrangeiros e se contarmos com o turismo nacional esse número chega a 27 milhões de turistas. São números muito expressivos, principalmente se tivermos em conta a dimensão do país, e entender o sucesso de Portugal e como é que ele foi possível, é muito importante para o Brasil. É claro que há que salvaguardar as diferenças, Portugal está no coração da Europa e isso é decisivo para os fluxos turísticos e entre Portugal e o Brasil há um oceano que nos separa, o que é muito impactante.
Ainda assim, há as questões como a conectividade, a inovação e a implementação de medidas que foram importantes ao nível da qualidade e que permitiram que Portugal desse esse salto. Nesse sentido, assinámos um protocolo de troca de boas intenções e de parcerias. A construção começa a ser feita a partir da assinatura do protocolo e a intenção é que possamos aproximar as duas práticas turísticas.
O que se pretende em termos mais imediatos é trazer mais turistas brasileiros para Portugal e levar mais turistas portugueses para o Brasil, mas o protocolo passa também por saber que tipo de práticas turísticas e de iniciativas poderemos fazer em conjunto para que o turismo cresça, tanto em Portugal como no Brasil.
Afro turismo e turismo literário são produtos que Embratur e Turismo de Portugal podem trabalhar em conjunto
Mas já existem já algumas coisas em concreto?
Sim. Uma das áreas em que poderemos avançar em conjunto é o afro turismo que nós já estamos a desenvolver na Embratur. Apesar de só estarmos a trabalhar há 100 dias, já desenvolvemos alguns pilares do produto afro turismo que tem um potencial muito forte no Brasil e nunca foi estruturado. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem na sua zona portuária o Cais do Valongo que é o lugar por onde entraram mais escravos na Améria e temos Salvador da Baía – são duas cidades com uma presença muito forte da diáspora africana. Tanto numa cidade como na outra há iniciativas imediatas de construção de um museu da história negra no Brasil e isso é um elemento muito forte que podemos aproveitar, aliás o Luís Araújo [presidente do Turismo de Portugal] disse-se que Portugal também tem muito interesse em fazer esse trabalho com o afro turismo.
Um segundo ponto é o turismo literário, em que os dois países têm muitas possibilidades. Tive a oportunidade de dizer ao Luís Araújo que o Rio de Janeiro, onde eu nasci, tem diversas ruas como nomes de mestres da literatura, caso de Machado de Assis. Resgatar essa memória territorial da literatura e trazer isso para um projeto turístico é um potencial importante. Com Portugal passa-se o mesmo, pelo que ambas as literaturas podem encontrar-se num programa de turismo comum. O turismo literário está muito pouco desenvolvido no Brasil e Portugal também tem muito interesse em desenvolvê-lo.
Além da troca de experiências e modelos de promoção, as iniciativas possíveis são muitas e vamos agora trabalhar nelas.
Quando fala no afro turismo, qual é o começo?
A procura por esse tipo de turismo está muito centralizada nos Estados Unidos. Nós reunimo-nos com os responsáveis pela promoção turística de Angola [Infotur – Instituto de Fomento Turístico de Angola] até porque há um projeto denominado ‘Do Congo ao Valongo’, em que queremos inserir África. O Presidente Lula tem também um interesse muito grande em fortalecer os laços com África e vamos agora recuperar um voo para Joanesburgo, tudo isto são iniciativas que vão encontrar-se nessa relação Brasil-África em que queremos colocar Portugal.
Relativamente aos Estados Unidos, a ideia é que o trabalho passe pela promoção conjunta?
Exatamente. Para ser sincero, os contactos partiram dos Estados Unidos, houve agências que nos contactaram a dizer que queriam fazer esse tipo de turismo e isso não estava organizado no Brasil.
“No Brasil, o turista português procura principalmente o sol e praia e nesse produto competimos com o Caribe – se a passagem aérea para o Brasil estiver mais cara do que um pacote para o Caribe, ficamos claramente em perda”
Desde 2000 a presença da TAP tem sido muito forte no Brasil e há companhias brasileiras que têm vindo a ganhar algum espaço que tinham perdido. Na sua perspetiva, as companhias aéreas brasileiras devem voar mais para a Europa, nomeadamente para Portugal?
O período em que o Brasil recebeu mais turistas portugueses foi 2005, recebemos cerca de 350 mil portugueses o que é muito significativo. É verdade que há 1,3 milhões de brasileiros a visitar Lisboa mas a população brasileira é muito grande, pelo que 350 mil portugueses a visitarem o Brasil é muito considerável. Para ter uma ideia, o ano passado, com a recuperação, o número de turistas portugueses foi 175 mil.
O que aconteceu foi que em 2006 tivemos a crise da Varig e aí o Brasil começou a perder voos. A TAP é muito importante para qualquer projeto nosso, já tive a oportunidade de me reunir com a TAP mas precisamos de manter um diálogo permanente. A TAP hoje tem 80 frequências semanais e 13 rotas para 11 estados, é muito significativo mas nós queremos ampliar. Claro que também me reuni com a Iberia, que também um voo diário para São Paulo e três semanais para o Rio de Janeiro, reuni-me com a Condor que tem interesse em voltar a voar para o Brasil, porque quanto mais companhias estiverem interessadas em voar para o Brasil, melhor.
As companhias aéreas brasileiras também têm muito interesse em voar para Portugal mas, para mim, o importante é que as companhias brasileiras não voem só com brasileiros e que levem estrangeiros para o Brasil.
O que é que tem transmitido à TAP? Que voe para mais cidades brasileiras ou que reforce os destinos para onde já voa?
Ter voos para 11 estados já é considerável, se podermos seria muito bom mas também seria muito bom aumentar o número de voos porque hoje em dia temos um grande limitador que é o preço da passagem aérea e no mercado português estamos a competir com destinos vizinhos. No Brasil, o turista português procura principalmente o sol e praia e nesse produto competimos com o Caribe. Se a passagem aérea para o Brasil for mais cara do que um pacote para o Caribe, ficamos claramente em perda. Por isso, quanto maior for a oferta e quanto mais baixo for o valor da passagem aérea mais estimula a procura.
Hoje temos um problema concreto que é o preço do combustível – tivemos 400% de aumento. A guerra também nos atrapalha e as companhias estão ainda em processo de recuperação do período da pandemia, em que sofreram muito. Da pandemia, acho que nos estamos a recuperar muito bem mas a redução do preço do combustível é um elemento decisivo.
Já há alguns anos, o Turismo de Portugal criou um apoio para novas rotas. Se a TAP quiser abrir um novo destino no Brasil, a Embratur tem algum instrumento financeiro de apoio à criação dessa nova rota?
É Isso que estamos a tentar junto dos governos estaduais e junto ao Governo Federal porque o Brasil, com a dimensão territorial que tem, tem estados mais ricos do que outros e alguns deles, como algumas cidades, têm potencial para promover esses voos porque é disso que se trata, da promoção desses voos, de garantir os assentos e a sua regularidade. Há alguns prefeitos e alguns estados, mais o Governo Federal, com esse interesse.
Abrir escritórios da Embratur em várias cidades é um objetivo a curto prazo
Referiu 2005 como o ano áureo do turismo português no Brasil e nessa altura, no verão português, havia um elevado número de charters para o nordeste, ou seja, havia uma coincidência dos voos regulares da TAP com a oferta charter. Nos últimos anos não houve charters de verão para o Brasil e este vai haver apenas um para Maceió. Pensam reativar essa política junto dos operadores turísticos?
Sim. Penso que há dois elementos importantes quando olhamos para 2005 e a oferta charter é um deles. Foi uma oferta que funcionou bem e precisamos de a recuperar, pensando quais os destinos em que isso seria mais viável e existem vários no Brasil em que essa recuperação pode ser mais rápida. Outro elemento importante foi a abertura de um escritório da Embratur em Lisboa, em 2004.
Foram dois momentos importantes que se encontraram e deram muito bons resultados, por isso essa é uma estrutura que estamos a tentar implementar de novo na Embratur. Hoje mesmo [segunda feira, 24 de abril] vou regressar ao Brasil porque vai haver esta semana votações importantes no Congresso Nacional para que possamos estruturar a Embratur de uma maneira que nos permita vir a ter um escritório em Lisboa e noutras cidades europeias, como Berlim. Se conseguirmos ter quatro ou cinco mercados estratégicos, isso terá um efeito imediato.
Desde 2005 a hotelaria portuguesa no Brasil cresceu muito, há mais empresas portuguesas, como o Grupo Vila Galé, o Grupo PortoBay, o Grupo Oásis Atlântico… penso que em 2005 só existia o Grupo Pestana. Pode haver uma articulação com essas empresas, para fomentar os fluxos turísticos?
Claro que sim. Com o Grupo Vila Galé temos reuniões e conversas permanentes, inclusivamente participei, com o Gonçalo Rebelo de Almeida, num seminário na Casa da América Latina, pensando o caminho do crescimento turístico no Brasil. O investimento do Grupo Vila Galé é decisivo para nós, há espaço para qualquer rede hoteleira portuguesa no Brasil e isso facilita bastante a comunicação e a ida de turistas portugueses.
Os grupos hoteleiros portugueses podem também facilitar o contacto com os mercados europeus?
Exatamente e o papel do nosso escritório aqui seria facilitar isso: se há uma companhia aérea, uma rede de hotéis, operadores turísticos e agências de viagens, um escritório da Embratur em Lisboa facilitaria essa comunicação.
Eixo Portugal-França-Alemanha é fundamental para a estratégia europeia da Embratur
Que estratégia tem a Embratur para a Europa?
A América Latina é um mercado muito importante que precisamos de consolidar. Em janeiro e fevereiro tivemos um número recorde de turistas estrangeiros no Brasil, chegámos a 1,5 milhões de turistas estrangeiros, o que foi um muito surpreendente porque batemos os números da pré-pandemia, mas 65% desses turistas eram da América Latina. Por isso, é um mercado importante que temos que consolidar.
Depois temos os Estados Unidos, com temáticas específicas, e Portugal que é um mercado estratégico, não apenas em si próprio mas também em termos da Europa porque é a porta de entrada e de saída da Europa. Por isso, quando fazemos um bom trabalho em Portugal estamos a dar um passo importante relativamente à Europa.
Já estivemos na Alemanha e reatámos relações importantes com a França, e esse eixo Portugal-França-Alemanha é fundamental para nós, até porque são mercados que procuram ofertas diferenciadas. Na Alemanha, por exemplo, a maior procura é pelo turismo de natureza – 52% dos turistas alemães procuram no Brasil o turismo de natureza. Reatámos as relações com a maior organização de ecoturismo do mundo que nos vai ajudar nesse convénio com a Alemanha.
O mercado europeu é muito importante porque tem um potencial de crescimento muito grande e vemos nele um grande potencial de recuperação.
Percebi que estão a identificar nos mercados europeus o tipo de turista que pode procurar o Brasil.
Estamos a fazer essa segmentação, por isso é que reestruturámos a Embratur. Parece que estamos há quatro anos na Embratur mas estamos apenas há 100 dias e neste período pegámos numa empresa muito prejudicada pela gestão anterior, numa situação delicada que nos levou a ter que fazer mudanças muito profundas, enxugámos a máquina da Embratur, qualificámo-la tecnicamente e montámos uma empresa com gerências muito técnicas.
Uma das gerências que criámos é vocacionada para a sustentabilidade e a responsabilidade climática. Conseguimos ter uma grande autoridade do Brasil para fazer a gestão desta área e isso facilitou muito o diálogo com países que veem a sustentabilidade como um ponto decisivo, que é o caso da Alemanha.
Criámos outra gerência para a inteligência de dados, que trabalha com big data e qualidade de informação e que vai qualificar a informação, melhorar a segmentação do sector, definir que mensagem vai ser direcionada a cada mercado porque de contrário perde-se tempo e dinheiro. Trata-se de uma área muito estratégica para a segmentação de mercados que estamos a fazer, principalmente na Europa, e é um dos focos do protocolo que estabelecemos com o Turismo de Portugal.
Qual é o objetivo que tem para o próximo ano em termos do mercado português?
Não gosto de avançar números porque é sempre muito perigoso. O Brasil é um país de futebol e chutamos muito, chutamos todos os números mas eu não quero chutar números, eu preciso de entender qual o potencial de crescimento, numa base científica porque para qualquer número que se pretenda atingir tem que se saber de onde se parte.
O que posso dizer é que não podemos ter menos que 175 mil turistas portugueses que foi o número do ano passado e queremos aproximar-nos o mais possível do número de 2005 que foi 350 mil, mas sabemos que chegar a 350 mil num ano é muito difícil até porque há elementos que não dependem de nós. Agora, nos quatro anos do meu mandato já acho que seja possível.