José Manuel Antunes e Fernando Bandrés: um duo que (não) se desfaz com a partida de Bandrés para as Maldivas
Fernando Bandrés, que desde há dois anos desempenhava as funções de diretor comercial do operador turístico Sonhando, onde era o “braço direito” do diretor-geral, José Manuel Antunes, vai sair da empresa muito em breve, rumo às Maldivas, onde assumirá o cargo de diretor comercial do hotel boutique ecológico Ecoboo Maldives. A notícia foi dada em primeira mão ao Turisver numa entrevista ‘a dois’.
José Manuel, vai haver alterações nos cargos dirigentes da Sonhando. Segundo o que se conhece, o Fernando Bandrés vai deixar a empresa?
José Manuel Antunes – Não penso que já fosse conhecido, mas é verdade. Aliás, nós decidimos dar esta entrevista a dois exatamente para tornar público a saída do Fernando Bandrés, que é uma saída que, obviamente, eu não deixo de lamentar, até pelo grande aporte que o Fernando trouxe durante estes dois anos à Sonhando, principalmente na área comercial, na relação com os agentes de viagens, até na informação interna em que ele me surpreendeu com características e capacidades excecionais para ajudar a empresa.
Mas há aqui uma questão que eu quero realçar: o Fernando sai porque teve uma oferta irrecusável para a vida dele, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista familiar, mas manterá um laço com a Sonhando. Fico triste com a saída dele, porque ele fazia-me falta e ajudou-me bastante nestes dois anos, mas fico feliz por ele, porque a amizade que eu tenho com ele há algumas décadas é de tal forma forte que é superior à tristeza que tenho pela saída dele. Vou sentir falta dele todos os dias, porque ajudava-me muito, e era, inequivocamente, o meu braço direito na empresa. Mas vai para uma situação bem melhor da vida pessoal e familiar.
Este é um setor que especula sempre muito e já é conhecido que o ano turístico da Sonhando não esteve ao nível de anos anteriores. Por isso eu ia perguntar se a saída do Fernando Bandrés não teve nada a ver com isso?
Claro que a saída do Fernando Bandrés não teve rigorosamente nada a ver com o ano turístico da Sonhando e é bom esclarecer já isso, antes que se comece por aí a especular.
Vamos lá a ver: nós temos cerca de duas dezenas de destinos e todos eles correram bem, com exceção de um, que foi Zanzibar, que correu mal e que, de facto, nos vai trazer prejuízos a que não estávamos habituados.
A Sonhando, desde que eu sou diretor-geral, ou seja, desde 2013 até hoje, deu sempre lucro, recuperou de uma imagem completamente degradada que tinha para a boa imagem que temos no mercado e, de facto, Zanzibar este ano foi um destino que nos correu mal. Nós sentámos com o nosso parceiro da operação, – o nosso parceiro de todas as operações-, a Solférias, para cancelar as últimas partidas para minimizar os prejuízos, mas eles, do ponto de vista operacional, não estavam em condições de poder cancelar e nós cumprimos as nossas obrigações, ficando na operação até o fim, com prejuízos que são assinaláveis.
No entanto, repito, em todas as outras, sobretudo nas outras 10 operações charter, nós temos lucros, portanto. De facto, Zanzibar correu mal – isso nota-se nas ofertas que temos feito -, tivemos a concorrência dos nossos concorrentes espanhóis, que estão no mercado com “armas” diferentes, porque têm a capacidade de perder milhões de euros em cada ano e nós não temos essa capacidade.
Isto é relevante porque nós temos que tentar ganhar algum dinheiro para podermos remunerar melhor os nossos funcionários, também porque as empresas fizeram-se para ganhar dinheiro e não para fazer descontos aos clientes e alguns destinos estão completamente aviltados por uma concorrência a que não quero chamar desleal, mas é uma concorrência muito estranha, não é uma concorrência económica e de capacidade de fazer melhores destinos, de fazer melhor programação, de fazer melhor contratação – é uma concorrência da capacidade de poder perder milhões.
Fernando Bandrés:“(…) é uma decisão que já vem de antes do verão, por isso não tem nada a ver com o facto de o exercício ter sido mais positivo ou menos. Tem muito a ver com essa outra forma de vida que eu ambicionava para mim e que tive a oportunidade, agora, de materializar”
O Fernando decidiu apresentar a sua demissão porque foi convidado para um projeto atrativo e fora de portas, segundo sei…
Fernando Bandrés – Exatamente. Acho que o sector sabe que quando eu decidi sair da Soltrópico foi para criar um projeto meu pessoal que tinha muito a ver com o turismo, porque era um ramo que eu não queria deixar, mas saltando da tour operação para a hotelaria, uma área que sempre me atraiu muito. Lamentavelmente, com a pandemia, o meu projeto pessoal não correu bem, consegui, no entanto, materializar uma coisa que o José Manuel e eu ambicionávamos desde algum tempo, que era podermos trabalhar juntos, e eu abracei o convite da Sonhando, da única forma que eu sei abraçar os projetos, que é entregando-me de corpo e de alma.
Só tenho mesmo que agradecer à Sonhando e ao José Manuel a forma como me acolheram de volta ao trade, no setor dos operadores turísticos, e também aos meus colegas de trabalho. A Sonhando, nestes dois últimos anos, teve uma reorganização a nível interno que foi positiva, mas obviamente isso não é fruto apenas da minha entrada, é fruto de uma série de pessoas que compõem a equipa da Sonhando e sem a qual essa reorganização, obviamente, não teria sido possível.
Dito isto, tive um convite que foi, como o José Manuel já referiu, irrecusável por vários aspetos, não só na parte económica, que teve o seu peso, mas também um bocado na parte da filosofia de vida que eu queria trazer para mim, para o meu entorno familiar. E é uma decisão que já vem de antes do verão, por isso não tem nada a ver com o facto de o exercício ter sido mais ou menos positivo. Tem muito a ver com essa outra forma de vida que eu ambicionava para mim e que tive a oportunidade agora de materializar.
A minha decisão foi tomada antes do verão, no mês de junho, e notifiquei a Sonhando. Obviamente que uma das minhas preocupações era não sair em plena época alta para tentar não desestabilizar a programação e as vendas da Sonhando numa altura em que nós temos muito risco envolvido. Por isso, o meu compromisso foi ficar até meados de setembro.
Da minha parte é um momento muito agridoce em algumas coisas, e à medida que se vai aproximando mais a data, essa sensação vai ficando mais óbvia, mais evidente. Primeiro a nível pessoal, porque eu estou ligado ao mundo da tour operação em Portugal desde há mais de 24 anos e não vou conseguir chegar às bodas de prata, porque eu faria 25 anos na tour operação em Portugal no dia 12 de outubro, por isso vou ficar a um mês dos 25 anos de trabalho cá em Portugal.
Essa sensação agridoce tem muito a ver com o facto de eu me ter sentido muito bem acolhido, não só pela empresa onde estou a trabalhar agora, mas também pelos colegas todos. Durante 25 anos há muitas relações de longa data que se vão construindo com clientes que hoje em dia posso dizer que são os meus amigos, e obviamente vou ter saudades disso.
Fernando Bandrés assume a direção comercial do boutique hotel ecológico Ecoboo nas Maldivas
Os nossos leitores vão querer saber de que projeto se trata e para onde vai o Fernando Bandrés.
Vou trabalhar para as Maldivas, vou fazer parte dos quadros do Ecoboo, que já começa a ser conhecido no mercado português. É um projeto de um engenheiro agrónomo português – acho que é o único hotel nas Maldivas de propriedade 100% portuguesa e é um projeto que, do meu ponto de vista, é disruptivo em algumas coisas nas Maldivas e até me atreveria a dizer em outras partes do mundo, no sentido em que tenta apresentar o hotel como um destino em si próprio, incorporando muitas das coisas que as Maldivas têm para oferecer e que a maior parte dos clientes, quando vão a um resort tradicional nas Maldivas, deixam de conhecer e de usufruir.
Um dos sócios do Ecoboo, o Hugo Pedrosa, dizia-me que o país é em 93%, salvo erro, território marinho, não são aquelas ilhas idílicas que nós temos na cabeça. As Maldivas em si, são puro mar, e o hotel tenta trazer essa experiência do mar para os seus hóspedes. É um projeto sustentável, tem a sua própria estação de tratamento de águas residuais, tem a sua estação de depuração de água do mar para água doce, cuida muito de qualquer tipo de detergente que se utiliza no hotel – mesmo o gel de banho e champôs, etc., são todos fabricados com produtos orgânicos que não afetam o ecossistema local – produz a sua própria eletricidade. Por isso tem muito a ver com aquele projeto que eu gostaria de ter montado cá em Portugal, só que lamentavelmente não vai ser meu, eu vou trabalhar para eles.
Em termos concretos, o que é que vai fazer?
Vou ficar responsável pela direção comercial, porque uma das áreas que eles precisam desenvolver neste momento são os canais de distribuição. Não tinham até agora nenhuma pessoa com experiência nesse ramo, e é um bocado esse o desafio que eu tenho pela frente: é fazer a comercialização do hotel e dar a conhecer um estabelecimento que é muito diferente em algumas coisas daquilo que o mercado e o sector estão habituados no destino.
Portanto vai exercer as funções de diretor comercial?
Exatamente.
José Manuel Antunes: “Claro que ele [Fernando Bandrés] vai fazer falta, vou pensar nele todos os dias, ainda para mais, muito provavelmente, uma boa parte do trabalho que ele fazia, vou ter que ser eu a fazê-lo, o que me vai custar, mas não está previsto que o Fernando seja substituído, porque não fazia sentido, não há ninguém no mercado que o possa substituir”
José Manuel, com a saída do Fernando, vai ser contratada outra pessoa para as funções que ele desempenhava ou vai alguém da casa ocupar esse lugar? O que é que está no vosso horizonte?
José Manuel Antunes – De imediato, o que está no horizonte é voltar ao que estávamos a fazer antes, quando eu acumulava as funções de diretor comercial com as de diretor-geral. O Fernando não entrou por haver uma falta na empresa de um quadro, entrou porque era o Fernando, porque é uma pessoa muito especial, por que ia acrescentar valor à Sonhando e eu não vejo, sinceramente, quem o possa substituir.
O Fernando avisou-me da sua saída na primeira semana de junho e acordámos que só sairia em meados de setembro para não haver abalos na operação de verão, portanto, há dois meses e meio que eu sei que ele vai sair. Tenho pensado algumas vezes nisso, e sinceramente não vejo ninguém no mercado que possa substituir o Fernando, e portanto não vejo necessidade de que ele seja substituído, porque o Fernando é o Fernando.
O Fernando terá sempre as portas abertas comigo, as de casa estão abertas todos os dias, e as da Sonhando também, porque a relação de amizade que nós temos, a relação profissional, é de facto muito forte.
O meu sentimento neste momento é de alguma tristeza, porque, obviamente, se o Fernando não fosse útil não tinha estado a trabalhar e fez muitas coisas boas na Sonhando, mas também é de grande felicidade, porque acho ele vai dar um grande salto, e a minha amizade por ele é tão superior ao egoísmo que eu possa ter do que era bom para a Sonhando, que sinceramente, no bottom line, estou feliz por este passo que ele vai dar na vida.
Claro que ele vai fazer falta, vou pensar nele todos os dias, ainda para mais, muito provavelmente, uma boa parte do trabalho que ele fazia, vou ter que ser eu a fazê-lo, o que me vai custar, mas não está previsto que o Fernando seja substituído, porque não fazia sentido, não há ninguém no mercado que o possa substituir.
Por isso, a Sonhando vai continuar como estava há dois anos, sem problema nenhum, mas aplicando alguns conhecimentos que o Fernando trouxe, não só a mim, como à equipe, e que agora vão ser aplicados e desenvolvidos.
A saída de uma pessoa como o Fernando, com as funções que ele exercia dentro da Sonhando, seria mau para o funcionamento da empresa em qualquer época do ano. Agora ele sai numa altura em que devem estar a negociar com hotéis, com destinos… O que vai ser a programação do ano que vem, como é que estão as coisas?
Estão a andar com normalidade. O Fernando esteve dois anos na Sonhando e ajudou-nos muito e vai deixar saudades mas durante os nove anos em que ele não esteve e eu acumulava os dois cargos, a Sonhando funcionou bem, deu lucro. O que eu quero dizer com isto é o seguinte, o Fernando vai fazer-nos muita falta, mas não era essencial para que a Sonhando funcionasse.
E já se pode adiantar quais são os destinos que estão 100% certos para o ano que vem?
São todos os que nós tivemos este ano, com exceção de Zanzibar, que é um destino que a Sonhando, e penso que a Solférias também, não está interessada em repetir, porque a experiência não foi positiva neste segundo ano. Tivemos um primeiro ano mais ou menos, também não foi excecional, e tínhamos esperança em que o segundo ano fosse melhor, mas a concorrência que houve à partida de Madrid, com o produto a ser vendido 400 euros mais barato do que nós, etc. são situações que, pelo menos no caso da Sonhando, nos levam a sair do destino. Saímos mais facilmente de Zanzibar onde estivemos dois anos do que Cuba onde eu estive mais de 20 anos.
Vai haver algum destino de longo curso para substituir Zanzibar?
É provável. Nós estamos a estudar um destino de longa distância, temos andado em negociações e é provável que o venhamos a fazer. As negociações estão relativamente avançadas, começaram já há muitos meses e é provável que venha a acontecer, mas ainda não há decisão final.
Fernando Bandrés: “Há uma coisa que eu queria frisar: a Sonhando tem a exclusividade na operação da comercialização do Ecoboo em Portugal, porque foi o único operador que acreditou no produto no primeiro momento e essa filosofia vai manter-se. Ou seja, tem uma postura muito fiel para aquelas pessoas que apoiaram o projeto desde o início e a nossa intenção é continuar a colaborar com a Sonhando e que sejam eles o principal emissor de clientes para lá, desde Portugal”
Fernando, e agora? Vai viver para as Maldivas? Vai andar cá e lá? Cá e lá porque terá que promover o Ecoboo junto de vários mercados e não conheço quais são os do hotel…
Fernando Bandrés – A nível das Maldivas, no geral, o primeiro mercado é o chinês e também o mercado russo, que apesar da guerra ainda se mantém com números consideráveis.Ao nível dos europeus, o principal é o italiano. A Itália foi um dos primeiros países que abriu Maldivas como destino turístico e ainda se mantém como principal destino emissor. Obviamente que a abertura de um hotel de capital português, que já começa a ser conhecido no mercado, está a fazer com que o número de portugueses, pelo menos lá no hotel, esteja a ter um crescimento considerável.
O meu exercício, pelo menos o que está definido no papel, vai fazer-me passar cerca de 70% do meu tempo lá e os restantes 30% em busca de novas vias de comercialização para o hotel, não só na Europa, mas também nestes destinos emissores, como a China, a Rússia, ou a Índia, que também é um mercado que tem um grande potencial de crescimento e que está muito pertinho das Maldivas.
A minha intenção é continuar com um pezinho cá, até por uma questão da afinidade pessoal, Portugal foi a minha casa durante 25 anos e sinto-me muito ligado a este país, quase poderia dizer que até mais do que ao país onde nasci, sobretudo a nível profissional. Tem sido cá o meu desenvolvimento, é cá onde eu conheço as pessoas todas e é onde eu me sinto em casa. Por isso, vou tentar dentro das minhas possibilidades manter todo o contacto possível, não só a nível profissional, com o trade, mas também a nível pessoal.
Há uma coisa que eu queria frisar: a Sonhando tem a exclusividade na operação da comercialização do Ecoboo em Portugal, porque foi o único operador que acreditou no produto no primeiro momento e essa filosofia vai manter-se. Ou seja, tem uma postura muito fiel para aquelas pessoas que apoiaram o projeto desde o início e a nossa intenção é continuar a colaborar com a Sonhando e que sejam eles o principal emissor de clientes para lá, desde Portugal.
Também me apercebi que há uma possibilidade de o Fernando ficar ligado de alguma forma à Sonhando para além dessa de terem o exclusivo da comercialização do Ecoboo para Portugal…
José Manuel Antunes– Sim. Aquilo que me preocupa mais é que nós, de facto, tínhamos um grande déficit na resposta às reclamações e o Fernando resolveu esse problema durante estes dois anos, sendo pontual, assertivo, e deixando as agências de viagens com resposta no tempo certo e com as coisas certas. Eu convidei o Fernando para continuar com este departamento e ele, em princípio, aceitou, portanto, nós vamos continuar a colaborar.
Isto quer dizer que o Fernando sai da sua ocupação diária na Sonhando, mas vai continuar umbilicalmente ligado a nós, porque as agências de viagens podem continuar a estar descansadas porque vai ser o Fernando a responder-lhes, umas vezes a grado com o que eles querem, outras vezes ao contrário, mas sempre com o pendor de justiça e de verdade que a Sonhando e o Fernando temos nestas questões.
Esse é um trabalho que é tranquilo de fazer online, não é?
Fernando Bandrés – Sim, sim. Isso pode conciliar-se perfeitamente à distância.
E não há nada contraditório com o seu trabalho lá fora?
Não, e nós tentamos ser muito puristas nesse sentido. Ou seja, as nossas respostas baseiam-se rigorosamente na lei. Temos uma lei que protege de forma bastante acentuada os interesses do consumidor, por isso a nossa postura na Sonhando é quando o cliente tem razão e a lei, assim, o assiste e, assim, o determina, a nós só nos cabe honrar esses compromissos e cumprir com a lei de pacotes combinadas, por isso essa parte não vai alterar nada, é com prazer que vou continuar com esta ligação com a Sonhando.
Deixe-me acrescentar uma coisa, agora que ninguém me pode acusar de estar a dar “graxa” ao chefe: a minha relação com o José Manuel tem sido também, do meu lado, uma relação muito especial.
Tenho aprendido muito com o José Manuel, não só a nível profissional, mas também a nível pessoal. Reconheço que custou-me muito tomar a decisão, e em parte foi pela relação da amizade que tenho com ele. Fico muito feliz, e tira-me um grande peso da consciência, o facto de ele ter percebido quais as motivações que me levaram a tomar a decisão.