Ilha Terceira: Da resiliência de um povo aos prazeres da alma

Não se sabe ao certo em que data terá sido introduzida a primeira videira na região, mas a necessidade de aproveitar os terrenos vulcânicos, não recomendáveis para o cultivo de cereais, acabou por levar ao aproveitamento dos “lagedos e lajidos” da zona como áreas de plantação da vinha, dando origem ao Vinho Verdelho dos Biscoitos. Estamos na ilha Terceira, nos Açores, para partirmos à descoberta das “Rotas Açores”, lançadas pela Direção Regional de Turismo.
A convite da Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo, no âmbito do programa “Açores: Destino Preferido da APAVT 2023” visitámos esta que é uma das ilhas açorianas do Grupo Central, a que pertencem ainda a Graciosa, São Jorge, Pico e Faial, entre 25 e 28 de maio, para ficarmos a conhecer a “Rota das Vinhas” e a “Rota dos Vulcões”, duas das cinco “Rotas Açores” previstas para a região.
Aterrámos no aeroporto das Lajes, na cidade da Praia da Vitória. À nossa espera está Pedro Silva, o nosso guia da Spot Tourism que nos acompanhará durante a nossa estadia. Primeira paragem é no restaurante “Caneta”, em Angra do Heroísmo, que nos presenteia com várias iguarias típicas da terra, terminando com um doce de vinagre, que de amargo só mesmo o nome.
Do Museu do Vinho às Casas do Morgadio
Partimos em direção à “Rota das Vinhas”, embora seja quase impossível dissociá-la da “Rota dos Vulcões” ou não devessem os Açores a sua existência a estes fenómenos geológicos. O ser humano é por si só engenhoso o suficiente para “dar a volta” às dificuldades e fazer destas novas oportunidades. Foi o que aconteceu na região de os Biscoitos, onde os terrenos vulcânicos acabaram por dar lar às inúmeras vinhas, desenhando no horizonte verdadeiros rendilhados de muros negros, onde se abrigam as videiras.
Nasce o Vinho Verdelho dos Biscoitos, mas tal como viria a acontecer nas outras ilhas açorianas, a vinha acabou por sofrer diferentes doenças e pragas, entre elas a Filoxera, eliminando quase na sua totalidade este néctar no século XIX. Vinte anos volvidos, Francisco Maria Brum seria o homem responsável pela reabilitação das vinhas abandonadas, tendo iniciado os primeiros ensaios nas Fontinhas e nos Biscoitos.



É nesta região que encontramos o Museu do Vinho, fundado em 1990 aquando do centenário da Casa Agrícola Brum, e onde damos início à nossa “Rota das Vinhas” na Terceira. Ali encontramos vários instrumentos relacionados com a vindima, assim como fotografias e documentos históricos referentes à vinha e ao vinho e à história de uma família que há cinco gerações se dedica à produção agrícola. É também aqui que podemos diferenciar as várias castas existentes na região e que se encontram plantadas ao longo dos terrenos do museu, que nos levam até à eira.
Já na pequena adega tivemos oportunidade de degustar os vinhos Donatário (seco de mesa e seco aperitivo) e o Chico Maria (seco e doce) servidos pela senhora dona Lurdes e o senhor Luís Brum, os atuais proprietários. Alguns copos depois e umas quantas histórias contadas, está na hora de partirmos para um pequeno passeio pela Paisagem Vitivinícola dos Biscoitos. Mas antes fique a saber que o Museu do Vinho pode ser visitado das 13h30 às 16h00, todos os dias, à exceção dos domingos e segundas-feiras. A entrada é gratuita.
Trilhamos um pequeno percurso por entre a vegetação, enquanto a nosso lado se perfilham os negros muros de basalto pintados pelo verde da vinha. Uma paisagem, que para além de grande beleza, nos relembra a resiliência deste povo e o seu engenho para sobreviver lado a lado com a natureza.



Pelo caminho temos ainda tempo para uma breve paragem na Adega Cooperativa dos Biscoitos, é aqui que grande parte das uvas dos pequenos produtores locais são transformadas em vinho e é também aqui que experimentámos o vinho Magma 2022 branco. E de novo ao caminho vamos apreciando a paisagem negra das casas de veraneio que por aquela zona se estendem até às piscinas naturais dos Biscoitos. Local escolhido por habitantes locais e turistas para um merecido mergulho.


De regresso e porque a tarde já vai longa, tempo ainda para uma breve paragem nas Casas do Morgadio (que já lhe tivemos oportunidade de falar), para uma degustação de vinhos, acompanhada de uma seleção de queijos açorianos.
A noite termina no restaurante Beira Mar, no Porto de São Mateus, em Angra do Heroísmo. Creme de marisco servido num pão caseiro, lapas grelhadas e uma variedade de peixes grelhados fez da nossa noite um verdadeiro banquete.


Do Centro Histórico de Angra do Heroísmo à Rota dos Vulcões
“No desenho dos itinerários propostos para cada uma das Rotas, concebidos em estreita colaboração com especialistas diversos e entidades de renome em cada uma das áreas temáticas, foram selecionados um conjunto de recursos patrimoniais, pontos de visita e experiências associadas, com base na sua atratividade turística. O conjunto de itinerários que as ‘Rotas Açores’ propõem, com ½ dia a 1 dia de duração, com a possibilidade de adicionar mais experiências que prologuem a estadia no território, podem ser consultados no link”, segundo podemos ler no flyer disponibilizado pela Direção Regional de Turismo dos Açores. Quanto a nós sugerimos que o ideal é aproveitarem a oportunidade e fazerem pelo menos as duas rotas que aqui descrevemos.
A ilha Terceira tem por si só toda uma parte cultural inerente à sua história, que pode e deve ser explorada por quem a visita. Vá sem pressas e absorva toda a informação.
O nosso segundo dia em terras terceirenses começam cedo. Depois de uma noite bem dormida no The Angra Shipyard Hotel, que abriu portas em outubro de 2021, com 29 apartamentos de tipologias T1 e T2, partimos ao encontro da nossa guia desta manhã, Hagna Dutra.
Foi a partir do século XVI que a cidade de Angra do Heroísmo se terá desenvolvido, inaugurando uma escala obrigatória para as carreiras marítimas de naus da Mina, Índia e Brasil, num porto abrigado de ventos e de piratas.


Estruturada num desenho urbano renascentista, a cidade cresceu em importância estratégica e adquiriu um carácter monumental, patente em obras como as fortalezas de São Sebastião, de São João Baptista, a Sé Catedral, a Igreja da Misericórdia ou o Palácio dos Capitães-Generais que tivemos oportunidade de visitar.
Classificada como Património Mundial pela UNESCO desde 1983, Angra do Heroísmo foi por diversas vezes símbolo de resistência. Em 1580 aquando da Crise de Sucessão resistiu ao domínio castelhano, expulsando os espanhóis. Por ali também passou Afonso VI de Portugal, detido na fortaleza do Monte Brasil, entre 21 de junho de 1669 e 30 de agosto de 1684.
Foi em Angra do Heroísmo que em 1492 se construiu aquele que se julga ser o primeiro hospital de Portugal, que embocava numa ermida e recebia os navegantes que chegavam com maleitas.
Já no século XIX, Angra torna-se no centro do movimento liberal em Portugal, abraçando a causa constitucional. Ali se estabeleceu em 1828 a Junta Provisória em nome da Rainha D. Maria II de Portugal e a 15 de março de 1830, foi nomeada capital do reino por decreto.



Passear por esta cidade é percorrer séculos de história e nada como cada um de nós interpretá-la ao seu ritmo. Nós apenas lhe deixamos algumas sugestões de visitas que não deverá perder, como o Palácio dos Capitães-Generais (hoje sede da Presidência do Governo na ilha Terceira), o Convento de São Gonçalo (onde se encontra um vasto conjunto com três parlatórios de grades, dois claustros manuelino e outro do século XVII, entre outras relíquias), a Sé Catedral de Angra do Heroísmo, a Igreja da Misericórdia, entre muitos outros.



História à parte, o que também não pode perder é experimentar as doçarias da Terceira, como as Queijadas D. Amélia que fazem as delícias por quem ali passa. Uma homenagem das senhoras daquela cidade terceirense aquando da visita da Rainha D. Amélia e do Rei D. Carlos em 1901.
Depois de uma manhã bastante produtiva e de o almoço no restaurante “A Tasca das Tias”, onde nos chegou à mesa um sumptuoso bife de atum grelhado, voltámos à estrada para a nossa “Rota dos Vulcões”.
A Terceira, a terceira maior ilha do arquipélago, e a terceira a ser descoberta no arquipélago, nem sempre assim se chamou. Nosso Senhor Jesus Cristo das Terceiras assim era conhecida esta ilha, que reúne um conjunto de estruturas vulcanológicas e geossítios muito particulares como é o caso do Pico Matias Simão, localizado a poente dos Biscoitos, resquícios de um cone de salpicos de lava, que oferece uma vista sobre o mar, outrora ponto de vigia das baleias.
Daqui partimos em direção à Reserva Florestal de Recreio da Lagoa das Patas, seguindo depois para o Algar do Carvão, que resultou de um fenómeno vulcânico. Classificado como Monumento Natural Regional, é possível visitá-lo e, ao longo do trajeto, ficar a compreender a trajetória seguida pelo rio de lava expelido pelo vulcão, mas travado por uma espessa cama de pedra. No seu interior e depois de descermos as extensas escadarias encontramos uma lagoa subterrânea e o conjunto de estalagmites e estalactites de vidro vulcânico. Olhar para cima e vislumbrar o céu através da cratera existente é qualquer coisa de inexplicável.



Terminámos com o trilho pedestre circular PRC10TER, de dificuldade apropriada a todas as idades, que nos levou até às Furnas do Enxofre, o campo fumarólico mais importante da ilha Terceira. Neste geossítio, a temperatura do vapor de água chega a atingir os 95 a 98º C. É de sublinhar que todos os itinerários da Rota dos Vulcões tiveram o apoio e validação do geoparque Açores.
O percurso faz-se bem, mas sugere-se roupa e calçado confortáveis e nada de pressas, pois a paisagem é merecedora de várias fotografias.
A chegar ao fim da visita…
Depois de um jantar regional no restaurante “Ti Choa”, em Angra do Heroísmo, onde não faltou a Alcatra (carne de vaca velha cozinhada lentamente no forno de um dia para o outro), os bolinhos de milho com carne, a linguiça e morcela, entre outros, foi tempo de retemperar forças para continuarmos o nosso passeio na manhã seguinte.
É que a nossa “Rota dos Vulcões” continua, desta vez pelo Monte Brasil, o maior cone de tufos dos Açores, cuja cratera está rodeada por quatro elevações: os Picos das Cruzinhas, do Facho, da Vigia da Baleia e do Zimbroeiro.
É também dali que podemos observar toda a cidade de Angra do Heroísmo, toda a zona Sul da Terceira e as ilhas vizinhas. É aqui que as famílias se podem reunir para um passeio entre alguns animais ou simplesmente fazer um piquenique no parque das merendas.



Tempo ainda para uma breve visita à zona balnear do Porto Martins, seguindo depois para o Miradouro da Serra do Cume, para observar a extensa planície, que resultou dos centros eruptivos vizinhos e que hoje se encontra dominada pelo verde das pastagens e os típicos cerrados divididos por muros de pedra vulcânica.
É nesta planície que se destaca ainda a presença de cerca de uma dúzia de pequenos cones vulcânicos, com vista para alguns dos geossítios mais marcantes da ilha, como o Ilhéu das Cabras, as encostas do Vulcão Guilherme Moniz, o Pico Alto e o Graben das Lajes.
Aposto que muito haveria ainda para visitar, mas isso fica para uma outra vez, agora está na hora de apanharmos o nosso avião rumo à ilha da Graciosa.
O Turisver esteve na ilha Terceira a convite da APAVT e da Direção Regional de Turismo dos Açores.