Ilha de São Jorge: Entre fajãs, falésias e cordilheiras… o queijo de São Jorge

Apesar de ser conhecida por “Ilha castanha”, é uma das mais verdes entre as ilhas açorianas. E com as vizinhas ilhas do Faial e do Pico forma o que se passou a denominar “triângulo central”. Mas a sua fama vem, para além das famosas fajãs, do seu queijo, o queijo de São Jorge. O resto são cenários impactantes, cada um mais belo que o anterior. Mas não mais do que o seguinte. Sucessivamente assim…
Fotos: Fernando Borges
Pouco mais de 20 minutos tinham passado desde que o Bombardier – Dash Q400 da SATA Air Açores tinha deixado a ilha Terceira quando, e após atravessar mais uma nuvem, se começou a ver a razão da ilha de São Jorge ser conhecida pela ilha das fajãs. Também uma das mais verdes entre as nove que formam o arquipélago dos Açores.
E foi com esta visão que fomos acompanhando, qual gaivotas, os contornos de uma ilha que a cada olhar parecia mergulhar vertiginosamente no denso azul do mar. Arribas e mais arribas que aqui e ali se abriam para deixar espraiar uma porção de terra plana que entrava pelo mar adentro. As tais fajãs. Mas este era um voar que também ia permitindo ver que esta ilha tem uma cordilheira montanhosa formada por picos e planaltos, uma “espinha dorsal” que a percorre de ponta a ponta.


Se esta era a visão que nos ia sendo oferecida durante os minutos em que o avião da SATA Air Açores se aproximava da pista, ela é também aquela que, já em terra, curva após curva, nos vai sendo entregue, em que tudo é verde, azul e belo, numa pureza natural em que a delicadeza da paisagem por vezes é substituída por uma mais selvagem, mas sempre numa perfeita harmonia entre o homem e a natureza.
Fajãs, uma imagem icónica entre paisagens deslumbrantes
E tudo poderá começar na vila das Velas, uma “cidade” que vai crescendo à volta de um porto, enclausurada entre falésias e montanhas numa espécie de teatro natural e construída sobre uma língua de lava que encontra o mar numa dança retorcida de arcos naturais, línguas de pedras negras e piscinas naturais, como a Poça dos Frades e as Piscinas da Preguiça, enquanto pelas suas ruas, delineadas por pequenos mas encantadores detalhes, como as suas casas brancas ou o quiosque de música do Jardim da República (Dr. Manuel de Arriaga), cujo minúsculo tamanho faz com que muitos considerem o mais bonito de todo Portugal. E assim vamos descobrindo monumentos e museus, como Portão do Mar, o Convento de Nossa Senhora da Conceição, o Castelinho, o Museu de Arte Sacra ou a Casa Museu Cunha da Silveira, um espaço onde a História, as Tradições e Costumes do Concelho e da ilha estão representadas através de um legado que se conta por séculos.
Depois é seguir pelas estradas ziguezagueantes que percorrem muitos dos 53 quilómetros de comprimento e quase sete de largura máxima e que nos vão revelando não só a estreiteza da sua geografia assim como vários padrões que são comuns às restantes ilhas açorianas, como o de serem marcadas por altos picos, recortadas encostas e campos cobertos de prados e florestas de loureiros que acabam, quase que como obrigação e sem tréguas, numa falésia ou numa pequena língua de terra resultante de deslizamentos de terras ou de lava, as tais fajãs, que são a parte mais característica da paisagem.
E é por essas estradas e caminhos que nos vamos encontrando com muitas das 40 fajãs de São Jorge, como a Fajã da Caldeira de Santo Cristo, que se destaca por ser onde dizem comer-se as melhores amêijoas de Portugal e que é reserva natural e um “santuário” para os amantes de surf e bodyboard, para caminhadas e passeios de caiaque. Ou com a Fajã do Cubres, com a sua lagoa de águas intensamente cristalinas e paisagens cobertas pelo verde das pastagens e flora endémica, como o zimbro dos Açores e o azevinho, ou a Fajã do Ouvidor, desenhada por piscinas naturais.
Um pouco mais ao lado, à nossa espera, está a Fajã dos Vimes, de onde se veem as vizinhas ilhas do Pico e do Faial, o lugar onde se ergue a Casa dos Vimes, uma unidade de turismo rural nascida da recuperação de casas em espaços agrícolas, a exemplo de outras que fazem parte da Associação de Turismo em Espaço Rural – Casas Açorianas, e que nos fazem viajar no tempo ao encontro de seculares e genuínas tradições, uma fajã onde se faz o cultivo do café, de um sabor único e excepcional, outra referência da ilha de São Jorge, o mesmo lugar onde ainda se pode ver artesãs a manufaturar em teares de madeira as tradicionais colchas de ponto alto, ou “mantas de São Jorge”.
Entre caminhos e miradouros, o milagre da Mãe Natureza
São lugares que deslumbram e que também se podem ver a partir de miradouros estrategicamente disseminados por toda a ilha, como o da Ribeira do Almeida, da Fajã das Almas ou da Fajã do Norte Pequeno, lugares fascinantes que se complementam quando chegamos, após uma longa e estreita estrada rodeada de ondulantes pastagens, à Ponta dos Rosais, dominada por um abandonado farol e uma torre de vigia de baleeiros de onde observavam os movimentos das baleias antes de partirem para o mar. Ou quando chegamos à ponta mais oriental e mais agreste da ilha e sob a proteção do Farol do Topo termos perante os nossos olhos o Ilhéu do Topo, que dizem ser o ilhéu para onde as vacas nadam durante o verão para se encontrarem com pastos mais frescos.


Mas há outros caminhos, como os que nos levam pela “espinha dorsal” e pelo planalto central da ilha até ao ponto mais alto de São Jorge, o Pico da Esperança, que por vezes se cobre de neve e de onde podemos avistar inesquecíveis panorâmicas sobre a própria ilha e estender o olhar até às vizinhas ilhas do Pico, do Faial, da Graciosa e da Terceira. Ou como os que nos levam à descoberta de belos exemplares da arquitetura barroca nos Açores, como a igreja de Santa Bárbara, em Manadas, de Urzelina, uma pequena aldeia junto ao mar marcada por típicos moinhos de vento e pela torre do que foi uma igreja, torre que miraculosamente sobreviveu ao terramoto de 1808 e agora totalmente rodeada por rochas negras e “perdida” no meio de uma paisagem também ela marcada pelo verde das pastagens e pelo azul do mar.
E seguimos. Quase que obrigatoriamente na direção de mais uma fajã, a Fajã Grande, onde a “cidade” da Calheta, a segunda maior de São Jorge, que por vezes parece adormecida junto ao seu porto, espera quem chega para mostrar como era, através de uma velha fábrica de conserva de atum e do Museu Etnográfico Francisco Lacerda, a vida e as tradições de São Jorge. Uma ilha que se mostra num virtuosismo naturalmente excêntrico entre arribas, quedas e moinhos de água, fajãs, terraços de pastagens empoleiradas sobre o mar, mistérios e histórias. E o sabor incomparável do queijo de São Jorge!