Graciosa: Das vinhas aos vulcões, pelo meio os Burros Anões
É conhecida como Ilha Branca, pela existência de rochas claras na costa sul. Tem 4.193 habitantes, um concelho, Santa Cruz da Graciosa e quatro freguesias – Vila de Santa Cruz, Vila da Praia, Guadalupe e Luz. Faz parte do grupo central do arquipélago dos Açores e é a que se posiciona mais a norte. Falamos da ilha da Graciosa, que visitámos a convite da APAVT, para dar a conhecer as “Rotas Açores” lançadas pela Direção Regional de Turismo.
Depois de uma passagem pela ilha Terceira (de que falaremos num próximo artigo), apanhamos o pequeno avião rumo à Graciosa, para aterrarmos comodamente no Aeródromo da ilha. A meu lado vem Maria de Fátima, uma filha da terra, que logo troca algumas palavras sobre o que ver na sua ilha, apontando através da pequena janela do aparelho um ou outro local. A viagem entre a Terceira e a Graciosa dura apenas uns 30 minutos, os suficientes para saber que a minha companheira de lugar ainda vai amanhar as couves e as batatas para o almoço do Bodo do Divino Espírito Santo em Guadalupe e que nós havíamos de experimentar no dia seguinte. Fá-lo há 16 anos consecutivos, por amor e partilha, como assim tem de ser. Já em terra despedimo-nos com um até já, quem sabe se a voltarei a encontrar…
Espera-nos o senhor Luís e a esposa, são eles que serão os nossos guias durante a curta passagem pela Graciosa, a eles juntar-se-á mais tarde a Neuza, uma angolana refugiada na Bélgica, que agora ali habita. Rumamos até ao Inatel Graciosa Hotel, é ali que vamos pernoitar. Com classificação de 4*, 44 quartos, duas suites júnior e seis villas preparadas para receber famílias, a unidade que se funde com a natureza e o negro das pedras, foi o local escolhido para o nosso almoço, antes de partirmos para as nossas rotas: das Vinhas e dos Vulcões.
Do Reservatório do Atalho à produção de Spirulina
A Graciosa é uma das três ilhas com selo de Denominação de Origem no que toca à produção de vinho, a par da Terceira e do Pico. À semelhança da paisagem dos Biscoitos na Terceira, também aqui a vinha se estende por entre os negros muros construídos pedra sobre pedra por quem sabe. Muros que sobrevivem a todas as intempéries e catástrofes naturais que de quando em vez assolam o arquipélago.
Nós tivemos oportunidade de degustar um reserva Pedras Brancas de 2020 (branco), com uns filetes de peixe porco com batata doce, no restaurante Costa do Sol, um dos poucos existentes na ilha.
Mas deixemos o vinho para trás e falemos de água. A escassez de água naquele território tem sido uma constante ao longo dos tempos, daí que o povo tenha conseguido “levar a água ao seu moinho” através da construção de estruturas para a recolha e retenção das águas provenientes das poucas nascentes existentes e da chuva, como por exemplo o Reservatório do Atalho.
A pequena estrutura branca ladeada de relva na superfície não faz antecipar a enorme estrutura que a sustenta no subsolo. Descemos as estreitas escadas e deparamo-nos com uma estrutura com seis metros de altura, 20 metros de comprimento e 15 metros de largura, capaz de recolher 1.800 metros cúbicos de água.
As suas colunas construídas à mão em tempos idos, os seus arcos, os seus lados abaulados para evitar a decomposição de lixos nas águas são de uma grandiosidade e de uma acústica, que atualmente (até porque já não é utilizado como reservatório) permite a realização de alguns concertos musicais e ainda uma exposição permanente explicativa de todo o processo.
Neste momento a ilha da Graciosa conta com três reservatórios de água e oito furos que abastecem toda a população, que em jeito de brincadeira costuma dizer, que ali “é mais fácil oferecer um copo de vinho a quem os visita do que um copo de água”.
E da água passamos para a Spirulina Azores (uma microalga rica em proteínas, vitaminas e antioxidantes que ajudam a prevenir doenças), que conta com uma loja em Santa Cruz e que é produzida na região pela 5Essentia. É Sónia quem nos espera na sua loja para nos fazer uma breve explicação sobre a produção e utilização da Spirulina, preparando-nos um sumo bastante verde, mas com um sabor apetitoso.
Conta-nos que as piscinas de produção de Spirulina ficam dentro de uma estufa de vidro e que aproveitam a água da chuva para produzir localmente com algas marinhas e alguns insumos necessários para o crescimento da mesma.
“Cultivamos, colhemos e secamos a baixa temperatura e embalamos tudo no mesmo local, pela mesma pequena equipa com respeito e cuidado para manter todas as propriedades do produto e trazer Spirulina de primeira qualidade”, explica a mesma responsável, acrescentando que para além da nutrição, “a Spirulina oferece múltiplas vantagens para o ambiente, pois requer 10 vezes menos água do que qualquer outro vegetal, as colheitas podem ocorrer durante todo o ano, a Spirulina tem o menor uso de terra por unidade de proteína e unidade de energia digerível humana. Basicamente, oferece o potencial para melhorar a segurança alimentar em países onde a desnutrição é uma ocorrência comum”. Ou não estivéssemos nós numa ilha classificada pela Unesco como Reserva Mundial da Biosfera.
As Queijadas da Graciosa e as Termas do Carapacho
Com as suas ruelas de pavimento empedrado que embocam numa praça central, com um coreto e dois grandes tanques de água, Santa Cruz é uma pequena vila com casas brancas que se misturam com as pedras negras basálticas. A Igreja Matriz de Santa Cruz da Graciosa, a do Santo Cristo, a Cruz da Barra e o Museu Etnográfico (que reúne peças ligadas à cultura do vinho) são visita obrigatória.
Visita obrigatória é também uma subida até ao Monte Nossa Senhora da Ajuda, onde encontramos três ermidas dedicadas a São João, São Salvador e Nossa Senhora da Ajuda. É a 24 de maio que se faz uma peregrinação que parte de Guadalupe até ali, seguida de uma missa, em louvor à Virgem pela proteção dada durante os tremores de terra.
Entre as ermidas, bem no meio de uma cratera de um vulcão, o povo construiu uma praça de touros, no mínimo peculiar. Aproveite para apreciar a paisagem do alto do monte e vislumbrar quase toda a ilha.
Quem conhece os Açores, decerto já ouviu falar das Queijadas da Graciosa. É impossível ficar-se indiferente a tal docinho e muito menos resistir a comer apenas uma. Fica na Vila da Praia a fábrica das Queijadas, mas foi Maria de Jesus dos Santos Bettencourt Félix que lhes deu o nome. Hoje é a filha Sara Félix, de 38 anos, que nos recebe, para brevemente explicar toda a história desta doçaria com produtos 100% naturais e açorianos (leite, manteiga, ovos e açúcar).
A mãe, mentora e fundadora destas queijadas e deste espaço, era apreciadora de um doce que não faltava em nenhuma festa a que davam o nome de “covilhete de leite”. Foi a partir daqui, que acabou por confecionar a sua própria receita. A princípio as encomendas foram chegando, até que as Queijadas se tornaram conhecidas fora de portas. Hoje 90% da produção é exportada para os Estados Unidos da América, Madeira e as restantes ilhas açorianas. E nós, é claro, também trouxemos uma caixinha.
É também na Vila da Praia que se encontram vários moinhos de vento, sendo que pelo menos 27 estão inventariados. As suas cúpulas vermelhas de inspiração flamenga, em forma de cebola pintam a paisagem e alguns foram mesmo transformados em alojamento local.
Ao fundo vemos o pequeno ilhéu da Praia, onde até há pouco tempo as famílias se dirigiam de barco para passarem o dia na praia.
O dia já vai longo, mas ainda temos tempo para relaxar nas Termas do Carapacho, uma estância termal situada na freguesia da Luz, conhecidas pelas suas águas já desde 1750, ditas milagrosas pelos antigos. Reza a história, que os lavradores deixariam por aqueles campos o gado com mazelas nos ossos e que já nada podiam fazer na lavoura. Quando ali regressavam para lhes dar água ficavam muito admirados, pois os animais já estavam curados.
A água termal utilizada em todos os serviços disponíveis apresenta uma temperatura entre os 35ºC e os 40ºC, altamente mineralizada tendo como principais características o magnésio, o cloreto e o sódio, sendo indicada na prevenção e tratamento de patologias do foro reumatológico.
Para além da piscina interior, que tivemos oportunidade de experimentar, conta ainda com quatro banheiras de hidromassagem. As termas podem ser visitadas de terça-feira a domingo entre as 10h30 e as 16h00, encerrando à segunda-feira para manutenção. Neste momento é grátis a sua utilização.
O melhor ficou para o fim…
Energias repostas depois do merecido descanso dos deuses há que regressar à estrada para não perdemos pitada desta que é a segunda ilha mais pequena do arquipélago açoriano. Hoje o dia será mais dedicado à Rota dos Vulcões, embora seja praticamente impossível estarmos nos Açores e não nos depararmo-nos constantemente com este tipo de relevo.
Primeira paragem do dia, junto ao farol da Ponta da Barca, construído em 1930, com 23 metros de altura, é o mais alto de toda a Europa. Ali habitam duas famílias de faroleiros. Mesmo ao lado, mas do lado do mar, quase que a atracar na ilha podemos ver uma formação rochosa de grandes dimensões com a configuração de uma baleia. É impressionante a parecença.
Ainda temos muito para ver, mas o tempo por aqui rende e de uma hora se fazem duas com grande facilidade. Quando falamos dos Açores para além do verde, surge-nos de imediato a presença de vacas, tão características desta região. Mas o que talvez não saiba é que o Burro Anão da Graciosa é também muito importante.
Esta raça autóctone de asininos, cuja denominação se deve à sua pouca estatura, uma vez que mede pouco mais de um metro, caracteriza-se também pelas riscas mais escuras nas costas, que sobressaem no seu pelo habitualmente cinzento. Uma paragem na Reserva dos Burros da Graciosa torna-se, pois, obrigatória.
Sandra e Franco são dois apaixonados por estes animais. Ela bancária e portuguesa, ele cenógrafo e italiano. Une-os esta paixão que já deu lugar a uma Associação. Neste momento contam com 27 animais, numa área de seis hectares de terra. Com uma esperança de vida média de 30 anos, os Burros Anões da Graciosa começaram por ser 45 em toda a ilha, agora já são 100.
Guigo é um burro com 10 anos, que mal nos vê aproximar se dirige a nós em busca de atenção. Cordial, amistoso, assim é o nosso pequeno amigo, que partilha o campo verdejante com outros tantos. Sandra percorre a propriedade explicando em pormenor toda esta sua paixão. Um verdadeiro investimento sem retorno, já que o casal não recebe qualquer apoio para a criação destes animais e muito menos os vende.
Na Rota dos Vulcões
“Sem eles não havia Açores. Sem eles a cultura Açoriana não seria a mesma. Para além da compreensão do fenómeno geológico, a Rota dos Vulcões, transversal a todas as ilhas, contextualiza a relação umbilical do Homem dos Açores com a Natureza ao longo dos séculos, bem como ilustra todos os desafios desta coabitação até aos dias de hoje”, lê-se a propósito da Rota dos Vulcões, uma das três lançadas pelas “Rotas Açores”.
A verdade é que cada paragem é sinónimo de exclamação perante uma Natureza que vive em harmonia com o ser humano. A Caldeirinha de Pêro Botelho e a Caldeira e a Furna do Enxofre são claros exemplos disso.
Comecemos pela primeira, a Caldeirinha de Pêro Botelho é uma cratera de um vulcão, cujo interior verdejante só permite aos bombeiros a sua descida. O comum dos mortais tem de se contentar com a paisagem belíssima que se pode observar através do miradouro ali existente ou então fazer o trilho de 15 minutos à volta da mesma.
E lá partimos nós em direção ao Centro de Visitantes da Furna do Enxofre, um espaço de visita obrigatória para quem deseja compreender melhor os processos vulcânicos que deram origem à Furna, à Caldeira e também à ilha Graciosa.
Descemos até ao interior da Terra. São 183 degraus em caracol, através de uma torre construída em 1939, até à Furna do Enxofre. Pelo caminho fazemos breves paragens para as fotografias até atingirmos o “fundo”, com um teto de abóbada perfeita, uma lagoa de água fria e um campo fumarólico. Ali somos pequenos, demasiado pequenos perante tanta beleza e grandiosidade.
O regresso faz-se pelos mesmos 183 degraus para de novo regressarmos à luz desta Caldeira, cuja erupção se deu há 5 mil anos, transformando-a na maior cúpula de toda a Europa, com 200 metros de diâmetro e 50 metros de profundidade. O preço de visita é de 5€ por pessoa (adultos). É ainda possível realizar um trilho à volta da Caldeira num percurso com duração de 3 horas.
E mesmo a fechar a nossa visita à Graciosa, tempo ainda para o almoço de Bodo do Divino Espírito Santo em Guadalupe. O Império do Espírito Santo de Guadalupe foi fundado em 1896 e celebra a Festa do Espírito Santo nos sete domingos a seguir à Páscoa. No domingo, realiza-se o cortejo do Espírito Santo para a Igreja, onde é celebrada missa de festa e a coroação de uma criança. A família promotora da coroação normalmente oferece um lanche aos convidados e às vezes há almoço para todos. E foi o que aconteceu naquele domingo, dia 28 de maio, depois da missa e de bênção das coroas dirigimo-nos numa pequena procissão até à Casa do Povo de Guadalupe para, juntamente com os demais, degustarmos as tradicionais sopas do Espírito Santo, a carne cozida, o arroz-doce com massa sovada, vinho de cheiro e sumos. Mais tarde há a distribuição do bodo, onde são oferecidas rosquilhas e vinho. Tudo divinal. Só tive pena de não encontrar a Maria de Fátima para lhe agradecer todo o trabalho e dedicação.
E é no fundo o que as “Rotas Açores” pretendem, dar a conhecer ao visitante todas as belezas do arquipélago, envolvendo a população local neste bem receber, durante todo os ano, nas suas 9 ilhas.
O Turisver esteve na Graciosa a convite da APAVT e da Direção Regional de Turismo dos Açores