Formação profissional nas escolas secundárias carece de qualidade
Na segunda parte da entrevista ao presidente da ADHP, Raúl Ribeiro Ferreira, fazemos uma antevisão do próximo congresso da Associação e abordamos o tema da formação, falando também do futuro da gestão hoteleira.
Em Portugal temos realidades diferentes ao nível da formação. Temos uma de pendor mais profissional, ministrada pelas Escolas de Hotelaria e outra mais académica, feita pelas universidades. Que leitura é que faz do trabalho que está a ser realizado a este nível?
Uma das preocupações é o que está ser feito pelas escolas secundárias que estão a dar formação profissional porque isso lhes permite ir buscar verbas e onde há um grande problema ao nível da qualidade porque os professores não têm muito a ver com a nossa área. Nós vamos recebendo os estagiários e vemos que o grau de exigência é muito fraco em muitas escolas.
O Turismo de Portugal é um exemplo que nos deixa mais ou menos confortável. O problema é que o Turismo de Portugal tem apostado num nível de ensino pós-12º ano porque é mais desafiante. Isso deixa algum espaço para a formação até ao 12º ano e para a formação de ativos, em que têm feito algum esforço mas como não conseguem chegar a tudo, acabam por entregar ao IEFP e a formação do IEFP é mais para cumprir rácios e deixa muito a desejar em termos de qualidade.
O Turismo de Portugal tem capacidade para crescer e para fazer melhor nesta área, não deveria deixar de olhar para a formação inicial. Pode fazer os CTSP que quer [Cursos Técnicos Superiores Profissionais] embora aí estejam em cima das Universidades e dos Politécnicos e a formação de ativos, onde deve ter um papel importante.
Além disso, há os Politécnicos que têm um papel de formação mas aqui o problema é saber o que se quer exatamente dos Politécnicos e nós achamos que tem que enveredar pelo “saber fazer”, têm que dar aulas práticas – não podem ministrar uma formação académica porque isso cabe às Universidades.
Curso de gestão hoteleira não é apenas para aprender a falar inglês, mas para aprender a gerir um hotel
Os Politécnicos estão capacitados?
Os de gestão hoteleira, em teoria, estão. Tem sido feito algum caminho nessa área. O problema é que há uma preocupação grande com as línguas – ninguém quer retirar essa preocupação mas também ninguém vai fazer um curso de gestão hoteleira para aprender a falar inglês, mas para aprender a gerir um hotel. Como estão carregados de línguas e de outras disciplinas, acabam por faltar horas para a prática. Também há que perceber que a parte prática é a que custa dinheiro. Uma aula de cozinha de restaurante, uma aula prática de vinhos, custa dinheiro e estas escolas tentam condicionar este tipo de aulas para poupar em orçamento.
Há um caminho grande para fazer no que toca à ligação ao mercado de trabalho, às empresas que fornecem produtos porque as escolas deviam ser centros de inovação e de experimentação de produtos e isso não acontece.
As Universidades, por seu turno, também têm, na sua maioria, limitações no que se refere às aulas práticas pelo investimento que isso implica. Por outro lado, os alunos dos cursos de turismo também não estão disponíveis a pagar o que pagam os de outras licenciaturas e este é problema que só se irá minimizando à medida que o setor for sendo reconhecido.
Depois temos as escolas internacionais…
Aí há outro problema: a maioria das escolas internacionais não é reconhecida pelo sistema de ensino português, é apenas reconhecido pelo mercado de trabalho, ou seja, não são aprovadas em termos de licenciaturas ou doutoramentos. Mas esse é um mal europeu, não é só português.
Outro problema é que a maioria dos profissionais que faz cursos nestas escolas não procura emprego no mercado português, vai para mercados que os valorizam e pagam o suficiente para diluírem os custos que tiveram com os cursos, que não são baratos – estamos a falar de 20 ou 25 mil euros por semestre, enquanto em Portugal custa 250€.
Em Portugal há muitas situações que têm que ser rapidamente corrigidas, como os MBA, por exemplo, que não dão grau académico mas têm importância no mercado.Depois há as horas de formação anual obrigatória, que são 35. Ora se eu fizer um MBA estarei a fazer muito mais horas de formação, só que elas não são reconhecidas, o que não faz sentido.
Voltando à Associação, o que é que pode sair deste congresso da ADHP?
Nós estamos num ponto de viragem da gestão hoteleira. Acabaram-se os fundos fáceis e o próximo ministro da Economia não é propriamente adepto do turismo, o que significa que não vai haver dinheiro a rodos sem exigências. Portanto, vamos ter um mercado cada vez mais exigente e é preciso perceber que os profissionais que são responsáveis por esse trabalho têm que ter conhecimentos. Não vale a pena estarmos a pensar como é que se vai desenrolar a pandemia ou a guerra porque ninguém sabe, por isso não temos nenhum tema sobre isto.
“O que aí vem é, por exemplo, o problema da agenda para o trabalho digno, que vai impactar fortemente num setor que já está com dificuldade de recursos humanos e que não vai resolver nada mas sim criar mais problemas com o fim do trabalho temporário, com a dificuldade de contratar a prazo”
Temos é que pensar no que aí vem, e o que aí vem é, por exemplo, o problema da agenda para o trabalho digno, que vai impactar fortemente num setor que já está com dificuldade de recursos humanos e que não vai resolver nada mas sim criar mais problemas com o fim do trabalho temporário, com a dificuldade de contratar a prazo – não há ali nada que leve a contratar mais jovens, a apoiar a mão de obra mais profissional.
Há um compromisso, que vem já do tempo da anterior secretária de Estado do Turismo, Ana Mendes Godinho, que tem a ver com uma majoração da pontuação dos empreendimentos turísticos que contribuam para a formação e que tenham nos seus quadros trabalhadores devidamente formados. Até hoje nada disto foi resolvido.
Vamos focar outro problema importante que é o da sustentabilidade. O Governo acordou com Bruxelas normas muito apertadas para a sustentabilidade, em 2023 os hoteleiros terão que cumprir uma série de obrigações, como o tratamento de águas, a energia solar, quando a grande maioria dos hotéis está ainda longe de e aproximar dessas matas.
Vamos também falar sobre as novas tendências de investidores e sobre os Centros e Inovação do Turismo de Portugal. Há coisas interessantíssimas que se estão a fazer como o cliente saber quanta água gastou o quarto, ou os avatars que estão a ser testados em Setúbal. Teremos também uma parte mais tecnológica, em que falaremos dos perigos do crime informático. No fundo, o que vamos fazer é tentar dar ferramentas ao diretor para que ele possa, de forma mais coerente, tomar as melhores decisões porque o nosso sucesso é o sucesso dos empregados e o sucesso da empresa.