Fernando Garrido considera preocupante que o número de inscritos nos cursos de turismo esteja a diminuir

Os recursos humanos – as pessoas – foram a tónica da primeira parte da entrevista com o presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal, em que Fernando Garrido deixou claro que não estamos a formar o número necessário de profissionais. Reconhecimento e fidelização dos profissionais, atualização das carreiras, formação e especialização, estiveram entre os temas abordados.
Quando a Direção a que preside reuniu no pós-congresso e fez o balanço do evento, como é que se sentiram?
O sentimento que tivemos foi o de que tínhamos cumprido aquilo a que nos tínhamos proposto. O nosso congresso teve uma excelente aceitação por parte de todo o setor, não só dos profissionais como das escolas, das áreas públicas e privadas que estiveram presentes mas, acima de tudo, conseguimos manter a nossa génese em termos do congresso: falar de temas técnicos, trazer informação útil aos nossos associados, aos diretores de hotel, sejam eles diretores departamentais ou diretores-gerais.
Ao nível dos nossos parceiros, o resultado final foi extremamente positivo, tivemos uma presença muito alargada de patrocinadores e, na generalidade, todos gostaram muito do evento em que estiveram presentes muitos profissionais mas também muitos futuros profissionais e isso deu visibilidade às marcas e aos produtos que estiveram presentes.
Saliente ainda que fomos muito bem recebidos, tanto pela Câmara Municipal de Albufeira como pela Região de Turismo do Algarve, assim como pelo próprio hotel, na pessoa do seu diretor, Marcos Sousa, e da Highgate que tinha acabado de tomar posse da propriedade dos hotéis, tendo ambos tido uma presença muito ativa no nosso congresso.
Acho que os resultados foram extremamente positivos, foram ali abordados alguns temas muito importantes e foi passada informação relevante, nomeadamente pelo secretário de Estado do Turismo.
Que conclusões se podem tirar ao congresso que deem à vossa direção argumentos para fazerem o levantamento de algumas situações?
Foram vários os temas que estiveram em discussão, mas inevitavelmente acabamos sempre por tocar naquele que é a base de tudo: as pessoas. Falamos disto com alguma regularidade e o tema de que hoje tanto se fala na hotelaria nasceu exatamente num dos nossos congressos, que é o facto de vivermos num sector “de pessoas para pessoas” – hoje esse conceito foi alargado e foi acrescentado “feito por pessoas”. Esta é a base de tudo e por isso se falou bastante da questão da falta de recursos humanos e da falta de qualificação dos recursos humanos e do que fazer sobre isto.
O secretário de Estado do Turismo levou ao congresso um tema que nos diz muito, que é a questão das categorias profissionais. Hoje, as categorias profissionais estão completamente desatualizadas, assentes ainda em carteiras profissionais que não existem e estamos a remunerar os colaboradores por algo que é inexistente e que é definido por cada um à medida do seu próprio gosto porque, na realidade, não temos cozinheiros de 1ª nem de segunda, nem empregados de mesa de 1ª ou 2ª nem assistentes de direção. Não existem carteiras nem é isso que defendemos, no entanto, tem que haver uma bitola que nos possa “classificar” e reconhecer as profissões.
O facto de o secretário de Estado do Turismo ter anunciado, no encerramento, que as categorias profissionais iriam ser repensadas e revistas, foi extremamente importante. Desde logo, dispusemo-nos a ajudar, já fomos falando, pontualmente, desta situação e temos uma ideia muito concreta, a de que o reconhecimento dos profissionais tem que ser feito não só pela sua experiência, que é fundamental, mas acima de tudo pela sua formação – não uma formação estática mas contínua. Esta foi a base que sempre defendemos porque é isso que vai dar mais-valias à atividade do turismo e vai trazer a qualidade e o garante de que vamos ter excelentes profissionais e, consequentemente, vamos entregar um produto final muito interessante ao nosso cliente, que irá fazer com que ele volte mais tarde.
“Segundo o inquérito ao emprego de 2022, só 51% dos profissionais do setor têm ensino superior, secundário ou pós-secundário, o que é muito pouco e o grande objetivo é que até 2026 sejam mais 10%, o que é facilmente exequível desde que existam recursos e todos nos unamos para o alcançar”
Sabem se há alguma equipa no Ministério a trabalhar sobre esta matéria?
Essa equipa está a ser constituída, está definida na Agenda das Profissões, vai ser multidisciplinar e contar com as associações empresariais e profissionais e o Turismo de Portugal está a liderar o processo. A Agenda das Profissões, que está publicada, tem objetivos muito concretos e, na minha opinião, muito fáceis de alcançar. Não quero com isto dizer que estamos a ser pouco ambiciosos mas sim que se tomarmos as medidas concretas e corretas os objetivos vão ser fáceis de alcançar.
Esta Agenda das Profissões tem algumas informações importantes, nomeadamente no que diz respeito à questão das habilitações literárias e face a outros sectores nós estamos bastante abaixo em termos de formação. Segundo o inquérito ao emprego de 2022, só 51% dos profissionais do setor têm ensino superior, secundário ou pós-secundário, o que é muito pouco e o grande objetivo é que até 2026 sejam mais 10%, o que é facilmente exequível desde que existam recursos e todos nos unamos para o alcançar. Refiro-me à tutela, com o reconhecimento das profissões, pela formação mas associada à experiência, e refiro-me ao próprio setor que está a fazer o seu papel com a questão dos salários. O mesmo estudo diz que o alojamento, restauração e similares pagavam, em 2021, menos 30% do que outros sectores da economia nacional, e isso é lesivo para a imagem desta atividade lesivo também para a captação de recursos.
Acredito que hoje em dia, se este estudo fosse feito, a diferença entre os salários pagos nas áreas do alojamento, restauração e similares já seria bastante menor face aos outros sectores da economia. Posso dizer que, na generalidade, em 2022, houve aumentos muito significativos na massa salarial, entre os 15% e os 20%, e já este ano poucos são os casos em que os aumentos foram inferiores a 5%. Ainda é pouco mas é um caminho e penso que hoje as empresas estão muito conscientes de que há a necessidade de apostar na remuneração e na valorização que não é só monetária mas também de outro tipo de benefícios.
Uma das preocupações que a ADHP tem demonstrado é a de que, para conquistar os jovens para o turismo deveria de haver uma ação junto deles muito mais cedo. Qual é a vossa ideia sobre este tema e, na vossa opinião, quem é que deveria ser responsável por estas medidas?
Desde há 10 anos – até mesmo antes -, a Associação sempre esteve presente nas escolas superiores e também nas médias mas pensamos que esse trabalho devia ser feito ainda mais cedo, junto dos mais jovens. Dou um exemplo: uma coisa tão simples como o parque de diversões da Kidzania em que existe um exemplo de um hotel, que é desenvolvido pela Vila Galé, acaba por criar uma expectativa e o anseio de pertencer a uma atividade que acolhe pessoas e que proporciona lazer. Quando eu era bastante jovem, ansiava por pertencer ao turismo porque era um setor onde as pessoas estavam bem, estavam a relaxar e que trazia bem estar. Essa imagem e essa expectativa deve ser criada nos mais jovens que são a melhor forma de fidelizar os nossos potenciais colaboradores.
Situações como esse parque têm um enorme impacto nas crianças. Ainda recentemente uma criança de apenas 10 anos estava extasiada porque tinha estado a rececionar cliente no Vila Galé da Kidzania.
Nas escolas, o papel tem que ser partilhado, nunca deverá passar apenas pelas instituições públicas e posso dizer-lhe, em primeira mão, que um dos acordos que fizemos com a Câmara Municipal de Albufeira que colaborou diretamente no nosso congresso, foi a participação em pequenas palestras em escolas do ensino básico e médio, para transmitir um bocadinho aquela que é a vivência de um profissional do setor.
Isto não pode ser uma imposição da Secretaria de Estado ou do Ministério, estas ações têm que ser feitas muito a nível das instituições locais, em conjunto com as empresas locais e os profissionais, porque não se trata de uma empresa que se vai publicitar mas sim de profissionais que vão demonstrar o que é a sua profissão neste setor: o simples facto de fazer uma sopa, criar um cocktail ou acolher pessoas, são coisas muito reconhecidas pelos mais jovens.
É necessário desenvolver pós-graduações cada vez mais especializadas
Hoje, quando se fala em falta de trabalhadores fala-se muito na escassez de quadros superiores. Isso quer dizer que há uma décalage entre o número de formados e as necessidades do mercado face ao aumento de unidades hoteleiras, ou significa que as pessoas se formam e depois mudam de profissão?
Haverá sempre aqueles que se formam, que experimentam a profissão mas que depois acabam por sair, porque este é um setor que não vive apenas da formação. As pessoas têm que se formar mas depois têm que experienciar as suas funções, só assim podem ter a competência e a capacidade para gerir uma unidade hoteleira. A experiência é muito importante e os formandos que saem do ensino superior não têm entrada imediata nos quadros, há todo um percurso a fazer.
Penso que, na generalidade, há margem para o crescimento a nível desses quadros que são formados, até porque cada vez mais a formação é mais especifica, mais direcionada e especializada para que a parte da experiência na operação seja diminuída.
Hoje, a ADHP tem o curso de direção hoteleira que é extremamente abrangente porque num hotel há muitas áreas que um diretor tem que gerir. Temos uma profissão de multi-competências e cada vez mais encontramos alunos a formarem-se e depois a especializarem-se, através de mestrados, numa determinada área e isso acaba por diminuir a parte de experimentação. Por isso, há margem para crescimento, há margem para diversificação dos cursos e penso que temos tudo para desenvolver pós-graduações cada vez mais especializadas.
Nesse aspeto, a Associação tem feito um trabalho interessante, com o nosso curso de especialização em direção hoteleira temos formado profissionais que hoje já são pessoas de relevância na operarão ou que, simplesmente, querem abrir uma unidade hoteleira de menores dimensões e querem ter conhecimentos para isso. Trata-se de um curso com uma aceitação enorme mas também temos apostado numa formação mais adaptada às empresas.
Mas estamos ou não a formar o número necessário de profissionais para o mercado de trabalho?
Não, não estamos. Os formandos que estão a ser lançados no mercado não são suficientes e há uma outra coisa que nos deixa mais preocupados que é o número de futuros formandos. A perceção que vamos tendo das escolas superiores é que o número de inscritos nos cursos tem diminuído e isso preocupa-nos porque já são poucos aqueles que vêm para o setor e que apostam neste tipo de carreira, que é de grande dedicação e de grande presença.
É por isso que se tem falado também na necessidade de ir procurar formandos e de os fidelizar para que entrem no sector.
Quando se sai do nível dos quadros superiores e se fala nos operacionais, ou seja, naqueles que trabalham nas várias áreas que são necessárias para dar um bom serviço ao cliente, as lacunas são ainda maiores?
Sem dúvida. Diria que esses trabalhadores são a parte mais importante da operação porque os directores podem definir uma estratégia mas se não houver profissionais e chefias que a ponham em prática, essa estratégia de pouco vale. Eles são a parte mais importante da operação e esse é o nosso grande calcanhar de Aquiles, é aquilo que mais nos está a pressionar na oferta de um serviço de qualidade.
O facto de não haver mão de obra, de termos que recorrer a mão de obra não qualificada, de termos que começar a formar do zero – muitas vezes indo mesmo a áreas que têm mais a ver com a educação, com o saber estar – tem sido a grande dificuldade do setor. O ano passado foi muito duro nesse aspeto porque vínhamos de dois anos de quase paralisação da atividade e passámos para um momento de grande crescimento, este ano estamos um pouco melhor fruto da manutenção das equipas que já vinham do ano passado, mas mesmo assim continuamos com grande dificuldade no recrutamento de pessoas e continuamos a ter a necessidade de formar do zero a maioria daquelas que conseguimos contratar.
As parcerias que foram feitas, em especial com os PALOPs, têm sido positivas mas também isso não é suficiente e temos outras dificuldades, nomeadamente ao nível da hotelaria mais sazonal, onde há que dar benefícios adicionais e as empresas estão dispostas a fazê-lo, nomeadamente no que se refere à questão do alojamento, mas uma das coisas de que se fala muito é no apoio que o Governo poderá dar ao nível do alojamento para os profissionais, nomeadamente isentando-o de determinados impostos.
Amanhã poderá ler no Turisver a segunda parte da entrevista a Fernando Garrido, presidente da ADHP, em que abordaremos, entre outros, os seguintes temas:
- Preocupações na gestão das unidades hoteleiras
- Os preços da hotelaria em Portugal
- Constituição da Ordem dos Diretores de Hotéis
- Os 50 Anos da ADHP e a atividade até ao próximo congresso