Debate a três com Gonçalo Rebelo de Almeida, Miguel Proença e Jorge Catarino
O investimento durante a pandemia e os constrangimentos às intenções futuras de investir foram temas abordados por Gonçalo Rebelo de Almeida (Vila Galé) Miguel Proença (Hoti Hoteis) e Jorge Catarino (consultor) no painel “Investidores – Caminho a percorrer” do Congresso da ADHP.
A pandemia não parou os investimentos hoteleiros. Isso mesmo expressou Gonçalo Rebelo de Almeida, ao deixar claro que, durante este período, “a Vila Galé continuou os investimentos que tinha e começou a planear novos projetos”, mantendo o calendário que estava previsto. A única coisa que fez, relativamente a projetos pendentes, que estavam em licenciamento foi “não os apressar”.
“Tudo o que estava contratado em termos bancários até fevereiro de 2020 executou-se em períodos normais”
Miguel Proença (Administrador Hoti Hoteis)
Também na Hoti Hoteis “tudo o que estava contratado em termos bancários até fevereiro de 2020 executou-se em períodos normais”. Já daí para a frente, fazer novos investimentos foi impossível, porque deixaram de existir financiamentos bancários. Miguel Proença referiu ainda que “a pandemia acabou por ser o momento indicado para efetuarmos rebrandings profundos em todos os produtos Tryp” devido à separação da Melia e da Wyndham, tendo este tempo sido aproveitado para realizar “requalificações”, nomeadamente nos hotéis de Castelo Branco e Lisboa.
A atitude de não parar os investimentos foi considerada a mais acertada por Jorge Catarino, ao sublinhar que “não é fácil parar um investimento hoteleiro só porque surge uma pandemia, devido aos compromissos já assumidos”. Porque “os custos de uma paragem são muito elevados”, ao consultor “não surpreende que um empresário hoteleiro tenha optado por dar seguimento aos projetos que tinham. Era a decisão mais racional”, até porque, ao contrário do turismo em geral e da hotelaria em particular, “o setor da construção civil não parou”.
Já quanto ao momento atual, Jorge Catarino (Hotel & Real Estate Investment & Asset Management Advisory) referiu que “há 130 hotéis em pipeline”, embora tenha frisado que “existe uma elevada taxa de mortalidade “infantil”” nestes projetos, principalmente num momento em que “estamos numa fase de incerteza enorme quanto aos custos de construção (…) e há grandes dificuldades ou mesmo impossibilidade de acesso ao financiamento” e “a rentabilidade associada a capitais próprios, que claramente têm que ser reforçados, é mais importante que entrar em novos financiamentos”.
Sublinhou igualmente que, apesar de os valores dos hotéis terem caído entre 15% a 25% em 2020 “o mercado não foi inundado de unidades à venda e em saldo”, resultando em que o ano passado tenha já havido “uma valorização de 5%”. Para 2022, prevê-se “um grande volume de transações porque existe excesso de liquidez” mas estas serão “muito mais” em termos de “ativos existentes do que terrenos para construção de raiz, porque a construção está muito mais cara”.
Principais constrangimentos a futuros investimentos
Já no futuro próximo, poderão existir entraves ao investimento, muito embora, como defendeu o administrador da Vila Galé, “na base da escolha do investimento a fazer o racional vai continuar a ser o mesmo”. No entanto, investir será mais complicado, seja pelo aumento dos custos de construção (“o ferro e aço dobraram o preço”, frisou), quer pela capacidade (vai ou não haver empresas de construção disponíveis). E mesmo havendo, o que poderá não existir são os recursos humanos indispensáveis à operação hoteleira, ponto que considerou “dramático” pela “ausência objetiva de recursos humanos no país” que não se resolve pela melhoria de vencimentos.
“Temos um problema demográfico no país”, considerou, defendendo que este apenas poderá ser resolvido através de “políticas de incentivo à natalidade e uma política de imigração responsável”.
Prazos de licenciamento “continuam a ser muito lentos”, tanto que “demoramos tanto tempo a aprovar um projeto como a construí-lo”
Gonçalo Rebelo de Almeida (Administrador Grupo Vila Galé)
Outros constrangimentos passam, por exemplo, pelos prazos de licenciamento que “continuam a ser muito lentos”, tanto que “demoramos tanto tempo a aprovar um projecto como a construí-lo”. A isto se soma ainda, disse Gonçalo Rebelo de Almeida, a “imprevisibilidade” de uma legislação que está sempre a ser alterada, não dando segurança ao investidor.
Também Miguel Proença sublinhou que o problema da falta de recursos humanos na hotelaria não se resolve apenas com o aumento de salários: “em quatro anos, em clima de quase não crescimento de preços, tivemos na Hoti um aumento de custos com pessoal de cerca de 30%, em crescimento real”, afirmou, acrescentando que, numa situação de pleno emprego como a que se vive em Portugal “enquanto não forem criadas condições de normalização do mercado de trabalho, este problema é capaz de durar algum tempo”.
Para o administrador da Hoti Hoteis, a escassez de recursos humanos integra um conjunto de fatores de pressão de que fazem parte “os custos energéticos, a inflação, o aumento dos custos das matérias-primas, mesmo as correntes” Tudo isto somado, alertou, “pode resultar em perdas de competitividade da exploração hoteleira que podem chegar aos 10 pontos percentuais na rentabilidade corrente do hotel”. Isto vai obrigar, sublinhou, a “uma revisão de expectativas” uma vez que “quando falamos de zonas de sazonalidade e em produtos mais generalistas, podemos estar a falar em inviabilização da hotelaria que existe”.
Outro constrangimento terá ver com o financiamento que se tornará ainda mais difícil para quem está a entrar na atividade, uma vez que “o turismo passou a ser uma atividade com risco e os bancos alteram a estratégia”. Para quem já está em atividade, não será tão limitador: “nós mantemos os projetos e os compromissos, mas é possível que tenhamos que ter uma passada mais lenta”, afirmou.
“Os recursos humanos são um tema absolutamente crítico porque sem pessoas não temos serviço”
Jorge Catarino (Hotel & Real Estate Investment & Asset Management Advisory)
Também para Jorge Catarino “os recursos humanos são um tema absolutamente crítico porque sem pessoas não temos serviço” e, se é impossível ter mais recursos “há que aumentar a produtividade das pessoas que temos, acrescentando tecnologia, introduzindo flexibilidade”.
Para o responsável, o problema das remunerações existe, mas não é único, a ele acrescendo as condições de trabalho, as possibilidades de progressão na carreira e a adequação da vida profissional com a vida pessoal. Tudo somado, faz com que “muitos dos que saíram desta atividade não vão voltar ou voltarão apenas nas condições que eles próprios quiserem”. Também por isso, para a imigração “Portugal será sempre ponto de passagem” de onde vão partir em busca de melhores condições.
Preços nos hotéis vão aumentar em especial no F&B
O aumento do preço das matérias-primas é já uma realidade, muito por via dos custos energéticos e da conjuntura mundial e isso levará, inevitavelmente, ao aumento do preço da hotelaria, em particular ao nível do F&B.
Para Gonçalo Rebelo de Almeida há que começar por “reequacionar a oferta” e “acentuar o combate ao desperdício” mas se a escalada de preços se mantiver, seja pelo aumento real da matérias-primas, seja pela especulação, que para o administrador da Vila Galé é já uma realidade, “não vai haver outra forma que não seja fazer refletir nos preços ao cliente”. Adiantou mesmo que “no F&B este ano ainda serão revistos os preços” o que, inevitavelmente “terá impacto no preço do alojamento”, impactando negativamente na bolsa do cliente número um da hotelaria em Portugal: o consumidor nacional.
Também para Miguel Proença será inevitável que o aumento dos custos das matérias-primas, nomeadamente ao nível do F&B se reflita no preço ao cliente: “alguns acharão justo e continuarão a tomar refeições nos hotéis, outros tenderão a procurar restauração lá fora”, antecipou.
Mesmo assim, olhando para o futuro, os hoteleiros estão mais ou menos otimistas e confiantes: “Na vida passamos por vários ciclos económicos e há sempre momentos de recuperação”, afirmou, a propósito, Gonçalo Rebelo de Almeida.
Subordinado ao tema “Atrair talento. Recuperar o setor. Planear o futuro.”, o 18º Congresso Nacional da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal decorreu de 31 de março a 2 de abril, em Vila do Conde.