“Da Hiperpersonalização às Fugas de Dados: A Jornada Inacabada da IA no Turismo” por Inês Carvalho

Embora considere que a personalização é uma das maiores vantagens que a IA traz ao universo das viagens, Inês Carvalho, Professora Associada na Universidade Europeia, chama a atenção para as preocupações sobre privacidade e proteção de dados que o uso da IA levanta no turismo.
Inês Carvalho
Professora Associada na Universidade Europeia
Imagine acordar num quarto de hotel inteligente, onde os estores se ajustam sozinhos à luz solar ideal e o seu assistente digital já preparou um itinerário à sua medida. Esqueça as típicas listas “top 10” repletas de monumentos óbvios e enchentes de turistas. Em vez disso, surge a possibilidade de explorar uma galeria de arte quase secreta ou de provar a mais genuína comida de rua. Poderá ser este o futuro do turismo, cada vez mais moldado pela Inteligência Artificial (IA).
A personalização é, sem dúvida, uma das maiores vantagens que a IA traz ao universo das viagens. Aplicações suportadas por algoritmos inteligentes poderão analisar as preferências individuais – desde experiências culturais a turismo de aventura ou gastronómico – e propor itinerários feitos à medida. Deixa de ser necessário passar horas a pesquisar fóruns de viagem; com apenas alguns cliques, poderá descobrir um mundo de opções selecionadas para si. Ao mesmo tempo, o atendimento ao cliente também sairá beneficiado, graças a chatbots multilingues capazes de responder instantaneamente a dúvidas, ou a sistemas de segurança em aeroportos que utilizam reconhecimento facial para acelerar o check-in, reduzindo assim as filas intermináveis.
A adoção de tecnologias imersivas promete enriquecer a experiência de viagem de forma inédita. Graças à Realidade Virtual, os visitantes podem “pré-visualizar” destinos, explorando exposições de museus à distância e graças à Realidade Aumentada podem “assistir” a uma batalha medieval travada num dos castelos de Portugal.
Contudo, nem tudo é perfeito. O uso de IA no turismo levanta preocupações sobre privacidade e proteção de dados. Afinal, criar perfis detalhados de viajantes exige a recolha de informações pessoais e mesmo de dados biométricos. É fundamental que empresas de tecnologia e entidades do setor turístico implementem normas rigorosas para salvaguardar a privacidade dos utilizadores e assegurem uma gestão de dados segura.
Há também o risco de uma certa “homogeneização” das viagens. Se todos os destinos nos forem recomendados com base em algoritmos, podemos perder a espontaneidade que torna a descoberta de novos lugares verdadeiramente mágica. Talvez a melhor casa de ramen da cidade não conste na lista de recomendações simplesmente porque a IA ainda não tem dados suficientes para a classificar em posição de destaque. Talvez percamos cada vez mais o hábito de falar com habitantes locais para pedir sugestões e orientações, tornando as experiências de viagem mais individuais e solitárias.
As atuais limitações da IA evidenciam a complexidade da sua implementação no setor do turismo. Os modelos de IA dependem de grandes bases de dados – muitas vezes rapidamente obsoletas ou recheadas de imprecisões – que resultam em desinformação ou roteiros “fabricados”, que não correspondem à realidade. Detalhes locais, como festivais sazonais, escapam frequentemente aos algoritmos, sublinhando a contínua necessidade de intervenção humana. Em conjunto, estes desafios mostram que, apesar de a IA poder agilizar certos processos, a caminhada rumo a um planeamento de viagens realmente fiável, personalizado e seguro continua em aberto.