Covid foi a maior agressão feita ao turismo

José Manuel Antunes é uma figura incontornável da distribuição do nosso turismo, conhecido e reconhecido em muitos países do mundo. O Turisver.pt foi saber como este profissional, e o operador turístico Sonhando ultrapassaram este período difícil e como se prepararam para a retoma do setor das viagens.
Como é que foram vividos os primeiros dias após o anúncio da pandemia em março de 2020?
Assustado. Não há nenhum ser humano que não tenha medo do desconhecido e era disso que se tratava, do desconhecido, de uma pandemia que nunca antes tínhamos vivido.
Num mundo que depende muito das viagens, do intercâmbio, do conhecimento, do contacto pessoal, esta doença era inimiga de tudo isso – aquilo que não se podia ter era exatamente aquilo que nós vendemos no turismo, que passa muito pela alegria, pela convivência, pelo estarmos juntos, por conhecer coisas novas e estarmos com novas pessoas. Não podia haver uma agressão maior ao nosso setor, à nossa indústria, até porque era uma ameaça global e não localizada como outras que já tínhamos vivido.
Com a pandemia vieram o confinamento e as dúvidas. Que pensamentos o marcavam na altura? Como se ia continuar a trabalhar?
As situações foram evoluindo degrau a degrau. Inicialmente ninguém pensava que a pandemia ia durar dois anos, achávamos que era passageiro. A Sonhando foi o último operador a cancelar as operações de verão de 2020, já as cancelámos no princípio de junho e ainda mantivemos Porto Santo – tivemos a coragem de o fazer e felizmente arrastámos mais dois ou três concorrentes/parceiros. Foi um estímulo de coragem que demos.
Falámos com o Turismo da Madeira, dissemos que íamos precisar de apoios porque a operação ficou altamente mutilada, estava prevista para 17 semanas e funcionou com nove, sem na atura sabermos se iria haver adesão por parte dos passageiros. No fim, funcionou muito bem e foi como uma luz que se acendeu ao fundo do túnel, pelo que tenho muito orgulho em ter estado na linha da frente dessas decisões.
Paralelamente, na Sonhando, inventámos muito. Passámos a fazer voos de repatriamento, começámos com Angola e a Guiné, aproveitámos o facto de integrarmos um grupo que tem uma companhia de aviação e com isso conseguimos duas coisas: fazer entrar algum dinheiro, o que era muito importante e dar a ganhar algum dinheiro o que também era muito importante. Sobretudo, conseguimos dar esperança às pessoas que trabalhavam connosco. Nunca dispensámos ninguém e no fim da pandemia tínhamos mais duas pessoas a trabalhar connosco, o que penso ter sido caso único.
Conseguimos ultrapassar as dificuldades sem apoios do Estado à exceção do layoff, durante alguns meses.
Depois dos balões de ensaio com a Guiné e Angola, em que aliás fomos logo copiados, começámos com Timor, que tem sido um sucesso mas também um grande risco porque em cada operação a Sonhando assume responsabilidades superiores a 400 mil euros. Em tempo de pandemia e num mercado que para nós era desconhecido, assumir um risco como o que assumimos com Timor implica ter alguma coragem.
Os primeiros quatro voos para Timor foram feitos ainda em 2020 (abril, julho, setembro e dezembro), em 2021, fizemos mais quatro e este ano já fizemos um e estamos a caminho do segundo.
“Neste aspeto (reembolsos) não me canso de tirar o chapéu à APAVT e à sua direção. O que foi conseguido para o nosso setor foi brilhante, salvou muitas empresas”.
Os reembolsos foram uma cruz para a Sonhando?
Neste aspeto não me canso de tirar o chapéu à APAVT e à sua direção. O que foi conseguido para o nosso setor foi brilhante, salvou muitas empresas. A Sonhando não terá sido dos principais beneficiados porque ficámos com pouco mais de 100 mil euros de vouchers mas, sendo relativamente pouco, foi essencial para pagar os primeiros salários. Sem esse apoio de tesouraria teríamos tido muita dificuldade em manter os postos de trabalho.
A questão está resolvida, já pagámos praticamente tudo, falta-nos reembolsar pouco mais de 5.000 euros, que aliás ainda não foram reclamados.
A tempestade total antes da bonança
Veio janeiro de 2021, um mês terrível com uma mortalidade elevadíssima, mas mesmo assim programaram o verão.
Em janeiro de 2021, no pior período da pandemia em Portugal, estava em São Tomé a preparar a operação de verão. Estive fora sete dias mas quando regressei foi um choque, estava tudo novamente fechado. Tivemos que fazer uma nova readaptação, consolidámos muito a operação de Timor e, sobretudo, consolidámos Porto Santo, neste caso com um apoio extraordinário do Governo Regional da Madeira, tanto da parte do presidente como, sobretudo, do secretário regional do turismo, Eduardo Jesus. O excelente trabalho que fizeram levou a Madeira a ser a primeira região que primeiro conseguiu romper o cerco que a pandemia estava a fazer ao turismo.
Qual o momento mais negativo nestes tempos e o mais alto nestes dois anos?
No princípio de junho de 2020, quando constatei que depois de ter lutado até ao fim tínhamos mesmo que cancelar tudo porque não havia passageiros. Normalmente, nesse período, temos 100 a 150 reservas por dia e em 2020 tínhamos 100 a 150 cancelamentos diários. Foi também nesse momento que tivemos a coragem de dizer que não íamos cancelar Porto Santo, porque era perto, era Portugal, havia o mesmo Serviço Nacional de Saúde e as pessoas iam ter coragem de ir – e foram.
O ponto mais alto foi o êxito de Timor, que foi inesperado.
Foram dois anos em que conseguimos tornear os problemas, com imaginação, com vontade, com muita determinação e alguma coragem. Não demos um pontapé na Covid porque é uma doença monstruosa e não se deixa pontapear mas conseguimos, de alguma forma, tornear o problema que deixou de ser uma coisa central que acabava connosco para ser uma coisa com que tivemos que viver de maneira a podermos ter sucesso mesmo com essa circunstância.
O Governo esteve bem em todo este período?
Esteve e não só no turismo, esteve bem em geral. Houve algumas diatribes na DGS mas também houve muita dedicação para enfrentar uma situação que era desconhecida.
O Governo esteve bem, desde logo nos apoios económicos que salvaram muitas empresas e muitos postos de trabalho. Foi um apoio determinante para muitos. Não vejo que qualquer outro Governo tivesse feito muito melhor.
Amanhã no Turisver.pt pode ler a segunda parte da entrevista com José Manuel Antunes, diretor geral da Sonhando, onde poderá ler entre outros temas:
- A parceria alargada a multidestinos entre a Sonhando e a TAP
- As mega operações para Porto Santo e para a Tunísia
- A grande operação para o Brasil
- As novidades da programação como Guiné, com os Bijagós, Cayo Cruz e Maldivas
Bem Haja ao regresso do Turisver. Uma referência há décadas de leitura para quem quer estar a par do Turismo.
Bom regresso.
João Miguel Paulino