Célio Fernandes pensa continuar a carreira no Brasil onde “gostaria da experiência de abrir um hotel para a Vila Galé”
Célio Fernandes é o diretor português do Vila Galé Marés, na praia de Guarajuba, na Bahia. Foi lá que o Turisver falou com ele sobre o que é dirigir um resort de grandes dimensões em All Inclusive no Brasil, sobre a oferta do Marés, nomeadamente as melhorias introduzidas em finais do ano passado, e sobre as diferenças entre os hóspedes brasileiros e portugueses, entre outros temas.
O que é que o motivou a vir para o Brasil?
Depois de uma longa carreira em Portugal, onde já tinha feito tudo aquilo que achava que devia ter feito em termos profissionais, e também porque não tinha tido a oportunidade, no início da minha carreira, de ter uma experiencia internacional, achei que estava na hora de a ter. Estavam reunidas todas as condições para fazer uma experiência internacional: a família estava estabilizada, tenho duas filhas já adultas e havia aquela disponibilidade para encarar a aventura. Por outro lado, senti que “ou é agora ou já não vai ser”, por isso decidir vir e ainda bem que o fiz.
Quando veio para o Brasil foi para Maragogi, para uma empresa brasileira?
Não, vim para o Grand Oca, para uma empresa que é espanhola, concretamente da Galiza. Eu pus-me no mercado à procura de novos desafios e eles fizeram-me uma proposta muito simpática. Na verdade, também tinha uma proposta para a Áustria que era interessante mas o país é muito frio e uma outra para o Sul de Espanha que não era exatamente o que eu pretendia, portanto optei pelo Brasil e pelo Grand Oca, em Maragogi que é um verdadeiro paraíso para desfrutar, embora não o seja tanto assim para trabalhar.
É depois que surge o convite da Vila Galé?
A minha experiência em Maragogi foi muito complexa porque a Grand Oca é uma empresa simpática mas no Brasil não tem estrutura para dar apoio, ou seja, o diretor era para tudo, tinha que ser quase um santo milagreiro. Não havia estrutura comercial, não havia estrutura operacional, não havia nada e tudo isso tornou muito difícil a minha experiência, por isso falei com a empresa e expliquei que não era exatamente ali que me via nesta fase final da minha carreira. Saí de forma muito tranquila, coloquei-me de novo no mercado e aparece o convite da Vila Galé para ser gerente geral do Marés, que é um resort grande.
Tão grande que tem capacidade para mais de mil clientes.
Quando o hotel está cheio conseguimos alojar entre 1.660 e 1.700 clientes. Temos 576 apartamentos mas muitos deles são apartamentos e suites familiares, muito têm dois quartos. Este é, essencialmente, um hotel vocacionado para famílias e por isso, em períodos como novembro, dezembro e janeiro, que são meses de época alta no Brasil, é raro o dia em que não temos mais de 1.500 clientes.
“A experiência do All Inclusive dentro do Brasil é ainda recente, este hotel já tem 18 anos mas só depois é que o Brasil entrou mesmo neste conceito, portanto ainda estão a aprender a desfrutar. Há muita gente que compra um pacote de férias All Inclusive mas que não sabe muito bem o que é que tem dentro – imagina umas coisas e quando o que é oferecido não corresponde a essa ideia, lá vêm as questões para nós resolvermos”
O cliente brasileiro é mais exigente do que o cliente português ou não?
É diferente. O cliente brasileiro tem umas nuances diferentes do cliente português. Estava muito habituado aos clientes do norte da Europa, aos portugueses e aos espanhóis e o brasileiro tem outro tipo de exigências e precisa de um tipo de atenção a que não estava habituado em Portugal. Por exemplo, dificilmente se consegue atender um cliente brasileiro em cinco minutos porque eles elaboram sobre isto e aquilo, são sugestivos, interventivos, mas sempre com boa intenção. O brasileiro é o principal cliente que temos aqui no hotel, é com eles que tenho que trabalhar e acaba por ser muito interessante.
Há quem diga que o cliente brasileiro ainda está a aprender a viajar. É assim?
É isso mesmo. O brasileiro viaja muito dentro do Brasil, não faz muitas experiencias internacionais – há uma faixa da elite que viaja muito mas o segmento médio ou médio alto não o faz, pelo que não tem a experiência do que é viajar para as Caraíbas- isto se estamos a falar do All Inclusive. A comparação que fazem é ao nível das experiências que têm dentro do próprio Brasil. Por outro lado, a experiencia do All Inclusive dentro do Brasil é ainda recente, este hotel já tem 18 anos mas só depois é que o Brasil entrou mesmo neste conceito, portanto ainda estão a aprender a desfrutar. Há muita gente que compra um pacote de férias All Inclusive mas que não sabe muito bem o que é que tem dentro – imagina umas coisas e quando o que é oferecido não corresponde a essa ideia, lá vêm as questões para nós resolvermos.
Desde que veio para o Marés têm mudado algumas coisas, nomeadamente algumas melhorias no Nep Kids e a introdução de uma área premium para um tipo de cliente que pretende uma maior tranquilidade e qualidade…
Estou aqui há cerca de ano e meio e logo que cheguei fui confrontado com alguns projetos de melhorias que era necessário pôr em marcha. Neste meu ano e meio de gestão foi feito um parque aquático de raiz no Nep Kids, construímos uma piscina, colocámos uma série de brinquedos e a capacidade duplicou face ao que existia.
Também aquilo que denominamos por ’Espaço Marés’, que é a área onde se fazem os shows, foi totalmente remodelado: reduzimos o tamanho do lago e criámos um espaço de exibições.
Em torno das nossas piscinas principais, que são as maiores do Brasil, modificámos toda a área envolvente, as espreguiçadeiras, os guarda-sóis, o piso…
Claramente, a “menina dos meus olhos” é a área Premium, um conceito novo e diferenciador, com 84 apartamentos que já existiam mas que foram todos remodelados e reconvertidos, entre os quais se contam 10 chalés superiores, 24 standards, 10 suites e 40 apartamentos standard. São alojamentos com um serviço diferenciado, comportam uma área a que chamamos “ilha” onde temos um restaurante, um lounge, um bar e uma biblioteca. Abrimos às 6h30 para servir o café da manhã que é diferenciado e exclusivo e mantemos o funcionamento durante todo o dia, com almoço serviço à carta, serviço junto das espreguiçadeiras durante o período de funcionamento das piscinas, e à noite temos um serviço de jantar também muito diferenciador, com serviço à carta e um menu muito interessante e abrangente.
Ficar na área Premium tem algumas vantagens para o cliente como o acesso ilimitado ao Spa – os restantes clientes têm que pagar – acesso ilimitado aos outros restaurantes. Nós temos quatro restaurantes à la carte e com o pacote tradicional os clientes só podem ir uma vez a cada três noites, ou seja, numa estadia de sete noites só poderão ir duas vezes a um desses restaurantes, enquanto no caso da ala Premium o cliente vai quantas vezes quiser, além de ter preferência sobre a reserva. Têm também um check-in personalizado e preferência sobre o early check-in e o late check-out. Ou seja, há uma série de valências que fazem com que valha a pena o cliente optar pelo Premium.
Mesmo no período de maior ocupação o hotel é muito grande e o número de pessoas não é demasiado
Quando se fala em 1.550 ou 1.600 clientes, o cliente português fica sempre com a impressão de que é demasiada gente, mas se não vierem no período de férias dos brasileiros, isso já não acontece?
No verão português a ocupação é bem mais baixa, mas a verdade é que mesmo no verão brasileiro esse número não é demasiado porque o hotel é muito grande e permite que as pessoas se dispersem, ninguém se apercebe de que está tanta gente. O hotel tem uma área de 200 mil metros quadrados eé em extensão, vai mesmo até à praia.
Aquele número de hóspedes acontece, como disse, nos meses de novembro, dezembro e janeiro, pode ir até ao carnaval mas depois a ocupação baixa para cerca de 50%, ou seja, metade da capacidade do hotel o que dá muita tranquilidade e o cliente português fica sempre muito agradado.
Este hotel tem uma relação muito interessante com os portugueses também por se tratar de um hotel de um grupo português o que ajuda – é impressionante o número de clientes portugueses fidelizados que temos, o que nos dá uma enorme satisfação.
Quais são as maiores dificuldades que sente no seu trabalho?
Os recursos humanos são o grande desafio. Para quem vem da Europa, como eu, habituado a outro tipo de exigência, chega aqui e tem um choque. Temos situações em que as pessoas faltam ao trabalho de uma forma quase escandalosa. Por exemplo, uma pessoa não está bem, vai ao médico e é-lhe passado um atestado de três ou quatro dias mas é a empresa que paga, ao contrário do que acontece em Portugal onde o trabalhador mete uma baixa e quem paga é a Segurança Social ou ninguém. E aqui as pessoas podem recorrer a esses atestados ilimitadamente. Tenho uma equipa de 380 pessoas mas estou sempre com uma média de menos 12 pessoas por dia e quando chegamos a períodos de festas como o Carnaval ou o São João, o número de faltas dispara, às vezes faltam 30 ou 40 pessoas no mesmo dia, isso impacta muito na operação e não há consequências.
Em termos do abastecimento o problema é a demora, as coisas vêm de muito longe. As toalhas, por exemplo, vêm de São Paulo e nós temos que pensar no mínimo em três ou quatro meses desde que preciso até que elas sejam entregues. Acresce que quando dizem que amanhã entregam, a probabilidade de isso não acontecer é muito grande.
Há uma outra dificuldade que reside na legislação brasileira de proteção ao consumidor. Aqui a proteção ao consumidor existe no sentido de o hotel ser responsável por tudo o que acontece das suas portas para dentro. Imagine que um cliente deixa um telefone na receção ou no bar e ele desaparece – a responsabilidade é do hotel. Eu acho que não porque cada um deve cuidar das suas coisas, mas a legislação é assim.
A Vila Galé já tem muitos hotéis no Brasil mas as distâncias entre ele são inibidoras de haver sinergias entre eles?
É um facto, apesar de conseguir negociar no que se refere a grandes compras, mas não conseguimos ter aquela sinergia do ‘empresta-me uma cama’, ‘arranja-me dois empregados para hoje’. Em Portugal trabalhamos muito nesse registo mas aqui as distâncias tornam isso impossível. O Vila Galé mais próximo é o de Salvador que é um hotel de cidade, mas todos os outros ficam muito longe.
Tenciona ficar no Brasil muitos anos?
Sim, a Vila Galé está a crescer muito no Brasil e eu gosto muito de trabalhar cá, é uma empresa que dá notoriedade e onde é muito bom trabalhar.
Neste momento a Vila Galé tem seis projetos em andamento no Brasil e a verdade é que me vejo num desses novos projetos porque gostaria da experiência de abrir um hotel para a Vila Galé – já abri muitos durante a minha carreira mas agora gostaria de o fazer na Vila Galé.
No final deste ano completo dois anos e meio de Marés e penso que seria ótimo entrar numa nova aventura, dependendo do que esteja disponível.
O Turisver esteve na Bahia a convite do operador turístico Viajar Tours