Carla Inácio premiada nos Xénios: “Hospitalidade está-me no sangue, poderia trabalhar noutra área mas não era feliz”

É de Lisboa, mas o coração levou-a para o Porto há alguns anos, onde trabalha no Hilton Porto Gaia. O jeito para as línguas estrangeiras e o amor pela História fizeram-na sonhar ser guia-intérprete, mas quis o destino que o curso de Receção que tirou na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, nas Olaias, a levasse para a hotelaria e a ser agora distinguida como ‘Melhor Diretor de Alojamento’ nos Prémios Xénios 2024.
Foi distinguida com o Prémio Xénios 2024 como “Melhor Diretor de Alojamento”. Sempre quis seguir esta carreira no setor do turismo ou tinha outros planos na sua juventude?
Confesso que o meu primeiro sonho era ser guia-intérprete, andar com os grupos de um lado para o outro a mostrar monumentos. Como adoro Línguas e História, sempre achei que era aquela vertente que eu queria. Mas não aconteceu e fui parar à Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa, nas Olaias, onde fiz o curso de Receção, com a duração de um ano, que simplesmente me apaixonou. Era um curso muito intensivo e exigente, todos os fins de semana tínhamos estágios em vários hotéis e no fim do curso tínhamos um estágio final e apaixonei-me completamente por esta área.
Mas não foi só essa a formação que fez?
Não. Comecei logo a trabalhar e já tendo aquilo que antigamente era mais difícil, um emprego, pensei “só isto para mim não chega”, tinha de fazer mais qualquer coisa. À época havia muito poucos cursos disponíveis em regime pós-laboral com interesse para a minha função. Havia cursos de gestão, que era o que eu gostava, mas eram diurnos, e isso eu não podia, porque já trabalhava e fazia turnos.
Então encontrei o curso de Relações Públicas e Publicidade no Instituto Superior de Novas Profissões, em que várias das disciplinas podiam ser praticadas na minha área e pensei que poderia ser uma mais-valia. O curso tinha duração de quatro anos e fiz um acordo verbal com o meu chefe de receção na altura, disse-lhe que queria fazer o curso, mas que só poderia fazer turnos de manhã, não prejudicando a operação, logicamente.
E assim fiz, entrava às 7h30 no hotel, saía, tinha os meus hobbies, ia a correr para o curso, saía às 23h00/23h30, estudava quando tinha de estudar e às 7h30 do dia seguinte estava outra vez no hotel. Foram quatro anos assim, foi fantástico. No final do 3.º ano, o meu chefe de receção saiu e propôs o meu nome para assumir o cargo dele e pensei que naquela posição não conseguiria terminar curso. Mas a verdade é que tive excelentes notas, consegui fazer tudo. Claro que a minha prioridade sempre foi o hotel. Na minha vida sempre fui assim, sou apaixonada pelos projetos, por aquilo que faço e pela minha profissão.

Nessa altura estava a trabalhar onde?
Estava no Quality Hotel & Suites Convention Centre, onde permaneci 7 anos, até 2004. Depois fiz outros cursos de línguas e outras formações e um curso de Food & Beverage, apesar de não ser de todo a minha área, mas é bom estarmos informados sobre tudo.
Mas depois decidiu sair de Lisboa…
Já estava naquele hotel há 7 anos e estava na altura de mudar, e para além disso o coração apanhou-me [risos], o meu namorado na altura era do Porto e eu concorri a um cargo de diretora de Alojamento no Porto – ainda tenho o anúncio do jornal. Pelo meio tive alguns contratempos até conseguir ir à entrevista e quando lá cheguei a diretora disse-me que o cargo ao qual eu estava a concorrer já estava ocupado, mas que tinha uma vaga para uma outra função que achava que era a minha cara, a de diretor de Qualidade.
Decidi experimentar e fiquei no Melia Hotels Internacional de 2004 a 2011. Mais tarde mudámos de marca para a IHG – Intercontinental Hotels Group e mudei para diretora de Alojamentos, já com a base toda da Qualidade, que veio enriquecer mais aquilo que eu pretendo de excelência para atingir os objetivos aqui no Hilton Porto Gaia e de satisfazer os clientes e fazer com que regressem. Hospitalidade está-me no sangue, poderia trabalhar noutra área qualquer, mas não era feliz.
“Gerir emoções é o mais difícil mas também é aquilo que me dá mais prazer, o poder dar a volta à situação e resolvê-la. Saber falar a mesma linguagem para todos é um desafio constante, mas eu adoro desafios”
Que responsabilidades tem um diretor de Alojamento?
Tem responsabilidades sobre a área de receção, do bem receber, de quem dá a cara ao cliente e isso é o primeiro impacto que um cliente tem no hotel. Há pequenos detalhes como a arrumação, as flores, a que os nossos olhos estão mais atentos quando somos clientes e nós, na hotelaria, só temos uma hipótese de causar uma boa impressão e deve ser sempre excelente.
Tem também responsabilidades sobre a equipa do house keeping e embora a parte da manutenção não seja diretamente da minha responsabilidade, cabe-me avisar o departamento se há algo mal. Há que manter um ambiente saudável e uma ligação entre todos os departamentos para que o cliente também sinta que está bem.
Quais são as maiores dificuldades que encontra no dia a dia no cumprimento das suas funções?
A maior dificuldade tem a ver com o caráter emocional, As pessoas têm muita tendência quando são chamadas à atenção, de pensarem que não gostamos delas. Não tem nada a ver, as pessoas têm de melhorar, saber o que está errado para poderem melhorar. Gerir emoções é o mais difícil mas também é aquilo que me dá mais prazer, o poder dar a volta à situação e resolvê-la. Saber falar a mesma linguagem para todos é um desafio constante, mas eu adoro desafios.
Ultimamente fixar trabalhadores tem sido a parte mais difícil para alguns diretores de hotéis, também sente isso no Hilton Porto Gaia?
Não sinto muito porque somos um hotel recente, que vai fazer três anos. Claro que como qualquer hotel na abertura há sempre muitas mexidas, há pessoas que se adaptam e há pessoas que pensavam que era uma coisa diferente, no entanto, eu posso dizer-lhe que a nível de receção, a maior parte dos colaboradores são os mesmos com que abrimos. A nível do house keeping já não, tenho apenas duas pessoas desde o início. Ir ao encontro de todas as expectativas dos colaboradores, satisfazer as suas necessidades, é hoje difícil, até porque a mentalidade das pessoas mudou depois do Covid.
Aqui no meu setor há uma constância em manter os colaboradores e isso é muito bom, porque também é meio caminho andado para a satisfação do cliente.
“Os clientes são cada vez mais exigentes. Não permitem falhas e estão muito habituados às compensações, a irem para as redes sociais e ameaçam logo. O cliente está a pagar e tem uma expetativa e o que nós queremos é dar-lhe experiências e exceder as suas expetativas”
Já está nesta área há alguns anos. Quais são as principais mudanças a que tem vindo a assistir quer naquilo que um hotel pode oferecer ao cliente, quer nas exigências e expetativas dos clientes?
Claro que todos os hotéis se vão adaptando ao longo dos tempos, por exemplo hoje em dia já é impensável chegar a um hotel que não tenha um carregamento automático de USB para os telemóveis ou uma televisão mais moderna, luzes de leitura, a questão de ter um spa, questões ambientais, por exemplo, os amenities que se utilizavam em doses individuais e que hoje em dia é apenas um doseador fixo que se vai reabastecendo, entre outros exemplos.
Os clientes são cada vez mais exigentes. Não permitem falhas e estão muito habituados às compensações, a irem para as redes sociais e ameaçam logo. O cliente está a pagar e tem uma expetativa e o que nós queremos é dar-lhe experiências e exceder as suas expetativas.
Por isso fiquei mesmo feliz de receber esta nomeação para os Prémios Xénios 2024, porque fiquei com a sensação de dever cumprido. Sem dúvida que é um reconhecimento, porque esta área não é fácil.
E o que significa para si ter recebido esta distinção nos Prémios Xénios 2024?
Foi uma surpresa ter sido nomeada e depois ter ganho. Tenho uma gratidão, pelo reconhecimento de todo o meu empenho e dedicação e digo isto com toda a humildade do mundo, porque acho que nesta profissão é importante sermos humildes. Sinto-me muito grata por fazer aquilo de que gosto e poder partilhar isso com as nossas equipas e poder passar-lhes os bons exemplos.
Apesar de estar na área há muitos anos pensa que esta distinção lhe pode abrir novas portas, mesmo que seja dentro da sua empresa?
Eu acho que sim, porque sempre fui uma pessoa muito discreta e estando numa posição de liderança, dou sempre a primazia a que os outros brilhem. Eu sei que eles são fruto de uma base, e que sou eu que os faz voar, mas fico feliz por isso, e por isso é que eu me senti mais reconhecida ainda, porque sempre me coloquei numa posição mais escondida e estou sempre a apoiá-los. Digo-lhes sempre para darem o seu melhor que eu estou aqui para os apoiar e orgulho-me muito disso.
É cada vez mais importante formar pessoas para esta área, porque existe uma certa escassez, mas esta é uma área de que tem de se gostar, se assim não for é melhor não insistir. Acho que é uma paixão muito grande e se têm lá o ‘bichinho’, oiçam-no. É muito gratificante, estamos sempre a aprender, é bom receber pessoas, fazer com que se sintam bem recebidas e proporcionar-lhes experiências, momentos que depois vão lembrar e passar aos amigos.