As empresas estão a valorizar os estagiários na “perspetiva de os poderem contratar” afirmou o presidente da ADHP

Para Fernando Garrido, presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP), o ano de 2022 foi “extremamente enriquecedor” mas foi também um ano de desafios, em que o maior foi conseguir gerir a falta de recursos humanos de modo a prestar aos clientes um serviço adequado ao preço que estavam a pagar. Para isso, em muitos casos, houve que formar “do zero” os recursos disponíveis.
Este foi um ano que colocou a hotelaria no mesmo patamar de 2019, em algumas zonas do país até foi ultrapassado e terá havido empresas hoteleiras com resultados superiores aos daquele ano que tinha sido o melhor de sempre. Essa foi a maior virtude deste ano turístico?
Efetivamente, este ano está a ser extremamente enriquecedor em todos os sentidos e estamos a conseguir obter resultados iguais e até acima de 2019 na generalidade das regiões. Algumas unidades que trabalham mais o mercado corporate estão ligeiramente abaixo mas apenas porque nos primeiros três meses do ano não se trabalhou e o que temos de redução é relativo a esses meses. A nível da ocupação estamos ligeiramente abaixo, transversalmente, mas o que estamos a conseguir é capitalizar preço.
Na realidade, as maiores vitórias não estão na recuperação da atividade mas sim no grande desafio de prestar um serviço de qualidade com a falta de recursos humanos que tivemos e, para além da falta de recursos, a falta de recursos qualificados. Em muito casos tivemos que partir do zero com os recursos que tínhamos, tivemos que ensinar a saber estar e não a saber acolher, tivemos que partir da base, o que é muito mais difícil. Prestar um serviço adequado àquilo que era pago pelo cliente foi, efetivamente, o maior desafio trazido por 2022. Dito isto, foi um ano que nos deu um enorme gozo a todos – clientes, colaboradores, empresas – porque foi o ano em que pudemos retomar a nossa atividade, depois de mais de dois anos que foram assustadores para todos, nunca ninguém pensou que algum dia pudesse viver-se a situação que se viveu.
Falou-me em capitalizar preços e, de facto, os preços aumentaram substancialmente e terá havido vários fatores que terão levado a isso. A primeira parte da questão é se os preços teriam inevitavelmente que aumentar? A segunda parte é se foi a inflação que fez os preços subirem de forma mais agressiva?
Essencialmente, houve uma grande procura e esse é um ponto base para o crescimento do preço. Houve o tal “turismo de vingança” do Covid e os turistas vieram em massa para Portugal, mas também para outros países da Europa porque houve um crescimento genérico da procura turística e hoteleira por toda a Europa, embora em Portugal isso tenha sido mais acentuado. Mas, sem dúvida, que a subida de preços teve também a ver com o aumento dos custos das matérias-primas, da energia, dos serviços. Temos estado a viver essa realidade e se bem que estejamos a faturar mais, grande parte da faturação que estamos a ter a mais está a ser consumida pelo aumento dos custos, a montante da operação, e não apaga a realidade que vivemos nos últimos dois anos. O decréscimo de receita, ou a sua inexistência nos anos de pandemia, não é apagado nem sequer por um ano excecional como o que estamos a viver e há toda uma recapitalização das empresas que tem ainda que ocorrer.
Grande parte dos custos foi passado para o cliente porque houve grande procura
Este aumento de custos surge também como uma pressão para os diretores de hotéis, nas suas variadas áreas, no sentido de passarem alguns desses aumentos para o cliente final? Há uma parte desses custos que tendem a ser absorvidos pela estrutura?
Este ano, porque houve uma grande procura, não houve uma grande pressão porque conseguiu-se passar uma boa parte desses custos para os clientes. Relativamente aos anos vindouros, em especial o próximo, temos algum receio que isso aconteça. Inevitavelmente, esses custos têm que ser passados porque são avassaladores e estamos a sentir isso muito em particular neste último trimestre do ano em que estamos a ter um grande impacto e uma antecipação dos custos do próximo ano, em que as empresas estão maioritariamente a aumentar preços e, nesse caso, vamos ter que os passar, obrigatoriamente, para o cliente, porque são incomportáveis para a operação do dia a dia – tudo vai depender da operação.
Nós, enquanto Associação, estamos confiantes em que não vamos ter um mau ano, acreditamos que será próximo deste ano para as empresas que estiveram ligeiramente abaixo de 2019 – 9 a 10% abaixo, que é o que representa o primeiro trimestre –mas nas empresas que estiveram muito bem este ano, acreditamos que 2023 ficará ligeiramente abaixo. Ainda assim, acreditamos que 2023 será um bom ano turístico porque esta cultura de viagem continua a existir e vai continuar a existir, obrigatoriamente, mas não nos podemos esquecer que estamos a viver um período de grande inflação, de recessão económica e que a Europa vai ressentir-se. As empresas continuarão a fazer algumas atividades, em especial ao nível do corporte, nas unidades hoteleiras e acreditamos que vai ser bastante positivo, embora ligeiramente abaixo deste ano.
A nível dos custos, as unidades hoteleiras também podem implementar medidas tendentes a reduzi-los, seja ao nível de um consumo mais racional da energia seja até através da alteração de fornecedores e da substituição de alguns produtos por outros…
O que não estamos a conseguir passar para o cliente são essencialmente os custos energéticos que têm tido aumentos incomportáveis mas em momento algum deixámos de prestar um serviço de qualidade. Numa situação em que estamos a aumentar os custos para o cliente, não podemos reduzir qualidade, isso está fora de questão.
“Penso que estas parcerias e protocolos estabelecidos entre associações, regiões de turismo e entidades patronais com determinados países, sobretudo os PALOP, irão ter um resultado mais positivo a partir do próximo ano”
Outra das questões que se colocou este ano e que irá colocar-se ainda nos próximos, tem a ver com os recursos humanos. Houve uma série de tentativas, de protocolos, entre associações, o Estado, as Embaixadas e os países de expressão portuguesa. Houve resultados práticos?
Penso que o resultado final não vai aparecer este ano. Primeiro, nós tínhamos uma boa perspetiva de atividade para este ano mas nunca esperámos que fosse deste nível, que ficássemos ao nível de 2019. Por isso, quando partimos para estas soluções já o fizemos tardiamente, já tínhamos as operações a decorrer. Penso que estas parcerias e protocolos estabelecidos entre associações, regiões de turismo e entidades patronais com determinados países, sobretudo os PALOP, irão ter um resultado mais positivo a partir do próximo ano.
A fuga de recursos humanos da hotelaria para outras áreas é atribuída às condições de trabalho, em termos de horários, de flexibilidade, etc., ou aos salários que são pagos no setor?
Acho que é um todo. A questão dos ordenados é uma falsa questão mas é importante que seja abordada. É uma falsa questão porque, efetivamente, este ano houve um aumento muito significativo da massa salarial paga por cada uma das empresas. Na generalidade, as empresas fizeram aumentos na ordem dos 15 a 20% em termos de benefícios aos colaboradores, sejam eles diretos, em ordenados, seja em benefícios complementares – e não estamos a falar de aumentos salariais para contratar, estamos a falar de aumentos salariais para reter.
De todas as formas, este é um trabalho continuo. Tínhamos uma base salarial assente sobre uma premissa de retribuição, em parte, pelo próprio cliente que pagava as gorjetas que faziam um complemento muito significativo à remuneração fixa do colaborador e isso passou a existir em menor valor. Nesse sentido, as empresas vão, obrigatoriamente, caminhar para a melhoria de condições financeiras e complementares.
Em questões mais relacionadas com a vida pessoal de cada um, uma boa parte dos nossos problemas passa pelo facto de nós trabalharmos 365 dias por ano, sete dias por semana, 24 horas por dia, e é impensável termos colaboradores que trabalhem exclusivamente nos dias de semana. Hoje, as empresas tentam repartir esta situação, colocar trabalhadores de folga ao fim de semana, de forma rotativa, mas não podemos imaginar que a hotelaria trabalhe apenas cinco dias por semana, por isso este é um problema que vai sempre acontecer. A questão é saber como é que se dá a volta e isso passa muito pela flexibilidade mas ela tem que existir de ambas as partes, ou seja, do lado das empresas mas também dos sindicatos.
A semana de quatro dias de trabalho
Quando se anuncia que vamos iniciar no próximo ano uma experiência com a semana de quatro dias de trabalho, para a hotelaria até parece uma piada?
Não necessariamente. O turismo e a hotelaria já por mais de uma vez fizeram prova da sua resiliência e, efetivamente, esse é um caminho e é inevitável que se caminhe no sentido da semana de quatro dias. Este ano, pela primeira vez, tivemos que substituir um colaborador por dois colaboradores em part-time, não havia outra solução e isto aconteceu em muitas unidades hoteleiras pela dificuldade que tivemos. Se nós tivermos a possibilidade de o trabalhador fazer mais horas em menos dias da semana, conseguimos readaptar os horários e ter a mesma eficiência, se calhar até mais, do que se trabalharmos cinco dias por semana. Se tivermos dois trabalhadores a fazer um dia completo, com mais horas, conseguimos ter uma maior eficiência. Isto passa tudo pela flexibilidade de que falei há pouco. É preciso é que haja vontade de ambas as partes porque são quatro dias por semana mas não deixam de ser as 40 horas de trabalho e aquilo de que as instituições sindicais às vezes falam é de, ao mesmo tempo, reduzir o horário de trabalho.
Os estagiários foram uma peça importante para colmatar a falta de mão de obra que houve este ano?
Sem dúvida e acima de tudo, se já se dava importância aos estagiários, deu-se-lhes ainda mais valor ao nível da formação. Ao contrário do que se diz muitas vezes, que o estagiário é ‘pau para toda a obra’, penso que as empresas deram-lhe mais enfâse no sentido de os valorizarem, de os ensinarem, numa perspetiva de os poderem contratar e isso foi muito importante. As empresas, com toda esta questão da falta de recursos, deram uma importância muito maior à formação. Quando falo em formação não me refiro a estar fechado numa sala de aulas mas da formação no local de trabalho e nós temos essa obrigação e essa necessidade.
Na segunda parte da entrevista a Fernando Garrido, presidente da Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal (ADHP), poderá ler, entre outros temas:
- A comemoração dos 50 anos da ADHP
- O trabalho da ADHP ao nível da formação
- A maior visibilidade e notoriedade da Associação
- A constituição da Ordem profissional dos diretores de hotéis
- Novos projetos