Alexandre Abade: Depois do Tarrafal Alfândega “temos intenções de continuar a fazer investimentos naquela zona”

Era incontornável que começássemos a segunda parte da entrevista com o CEO da Oásis Atlântico, Alexandre Abade, pela recente abertura de mais uma unidade do Grupo em Cabo Verde, concretamente no Tarrafal. A partir daí, “deambulámos” pela ilha de Santiago, mas também pelo Sal, por São Vicente e até Santo Antão
As dificuldades de que falámos na primeira parte da nossa entrevista, e que tiveram a ver com a pandemia, não vos fizeram parar o investimento que tinham previsto e que já estava no terreno, tanto que abriram recentemente um hotel no Tarrafal. Alguma vez pensaram parar a obra?
Não. A nossa perspetiva para o Tarrafal é uma perspetiva de longo prazo, gostaríamos de poder aumentar a notoriedade, o conhecimento e a experiência dos turistas relativamente ao destino Tarrafal e sabemos que isso não se faz de um momento para o outro, vai-se construindo ao longo de vários anos. Para marcar esta nossa visão decidimos avançar com a reforça de um edifício que já existia transformando-o numa pequena unidade hoteleira com 20 apartamentos para marcar o nosso início de atividade neste novo destino na ilha de Santiago.
Era algo que já tínhamos começado, o investimento já estava em curso quando se deu a pandemia, logicamente o projeto conheceu atrasos devido a todos os condicionamentos que existiram, tanto a nível das deslocações mas também a nível logístico ao nível do transporte marítimo e nas cadeias de produção mas nunca parámos porque o investimento estava estruturado em termos e financiamento e pretendíamos que fosse avançando durante a pandemia para termos a possibilidade de abrir logo no início do pós-pandemia, numa perspetiva de procura forte. É isso que está a acontecer, abrimos agora com esta unidade ainda pequena mas que marca a nossa presença.
Quem conhece a vossa oferta no Sal – e foram muitos os portugueses que por lá já passaram – e agora sabe que têm outro hotel noutra praia e noutra ilha ficará tentado em ir conhecer, mas vai encontrar uma realidade muito diferente…
É um destino diferente. Enquanto o Sal vive muito da praia de Santa Maria que é uma extensão de areia muito grande, e da proximidade à própria vila, no Tarrafal encontramos praias mais pequenas, baías, uma beleza natural diferente, com muito mais vegetação, e encontramos uma diversidade de atividades que o turista pode fazer e que não encontra no Sal. Há uma componente cultural mais forte, até pelo próprio forte do Tarrafal, a antiga prisão que está agora a ser recuperada, tem uma componente ecológica, com o Parque Natural da Serra da Malagueta, onde é possível fazer passeios e há áreas a norte do Tarrafal onde é possível visitar centros de artesanato, além dos desportos náuticos que são comuns ao Sal.
Há realmente uma maior diversidade e há também um turismo mais autêntico, ou seja, é um destino com valências diferentes daquelas que se encontram no Sal e que são uma mais-valia para o Tarrafal.
Nas agências de viagens, os clientes irão por certo fazer muitas perguntas acerca da praia do Tarrafal. O que é que os agentes de viagens podem dizer?
A praia do Tarrafal é uma baía, das mais bonitas de Cabo Verde, uma praia de areia branca que tem mais parecenças com as praias mediterrânicas do que com as atlânticas porque o mar é mais calmo. Além disso tem uma montanha e vegetação a cair sobre o mar, algo que não se imagina em Cabo Verde. Por outro lado, há palmeiras na praia, que é algo que não se vê na ilha do Sal nem na Boavista.
Ofertas de estadia entre a cidade da Praia e o Tarrafal
O Grupo tem um hotel perto do aeroporto, na cidade da praia e agora um hotel na ponta da ilha. Isso vai dar-vos a possibilidade de fazer combinados?
Isso está nas nossas intenções. Um dos nossos objetivos é termos uma proposta de valor diferente daquela que temos na ilha do Sal, que tem por base a praia de Santa Maria, excelente para quem gosta de sol e mar, mas aqui vamos ter uma oferta diferente para quem queira conhecer uma ilha com história mas também com praia. Quem vai para Cabo Verde quer aproveitar o tempo para fazer um pouco de praia mas se puderem complementar isso com um pouco de história e de natureza, ainda melhor e é neste sentido que esta nossa oferta vai ser distinta. O facto de termos o Hotel Praia Mar na cidade da Praia e agora esta pequena unidade no Tarrafal, no norte de Santiago, permite-nos fazer uma oferta combinada entre as duas unidades, beneficiando do facto de o hotel da Praia ser mais próximo do aeroporto e permitir ficar ali dois ou três dias para descobrir a cidade e toda a zona sul de Santiago até à Cidade Velha, primeira capital portuguesa na África subsariana que está a ser recuperada e fazer visitas a partir do nosso hotel na Praia e completar a sua estada com uns dias no Tarrafal, onde beneficia de uma das praias mais bonitas e Cabo Verde, além da componente cultural desta zona, caso da prisão do Tarrafal que desperta alguma curiosidade nos portugueses. Posso dizer que já encontrei grupos de portugueses a viajar para Santiago exatamente com o objetivo de irem conhecer o Tarrafal e agora há a possibilidade de fazer isso de uma forma mais estruturada e organizada, tirando mais partido da viagem e aproveitando a componente de lazer que a praia dá.
Uma das perguntas que por certo serão feitas nas agências de viagens terá a ver com o transfere entre o vosso hotel na Praia e o do Tarrafal. Isso será organizado pelos operadores turísticos?
Nós trabalhamos em estreita proximidade com os operadores turísticos e com as agências de viagens, há vários operadores locais a fazerem o transfere entre a cidade da Praia e o Tarrafal, uma viagem que é de cerca de uma hora e que pode ser feita ao longo da costa ou através do interior, pela montanha, sendo mesmo possível fazer um programa com algumas paragens no caminho para se conhecer também um pouco do interior da ilha de Santiago, pelo que acredito que isso será mais uma vantagem.
Qual é a oferta do hotel do Tarrafal?
É um hotel com uma dimensão reduzida que sempre foi pensado para ser o nosso ponto de partida no Tarrafal e não como o ponto de chegada e, como tal, teria que ser algo diferenciado daquilo que venhamos a construir no futuro em termos de oferta, já que temos intenções de continuarmos a fazer investimentos nesta zona.
Quisemos que esta unidade recuperasse um pouco a memória histórica do edifício em que está instalado, que é a antiga alfândega do Tarrafal e que tivesse um certo charme que permitisse valorizar uma unidade que é relativamente pequena. Como disse, nós projetamos continuar a investir no Tarrafal mas com outro tipo de oferta e com um perfil diferente. Aqui, importava a memória histórica, a preservação das características gerais do próprio edifício e também valorizar a paisagem porque o edifício está construído sobre um promontório com vista para duas praias e alguns dos quartos têm uma vista ampla sobre ambas as praias.
Combinar praia e cultura em São Vicente com a natureza de Santo Antão
Gostava de falar um pouco sobre São Vicente que é um ótimo combinado entre a parte mais artística e cultural que está muito arreigada na ilha, com Santo Antão em frente, que é uma ilha muito ecológica e assente na natureza. Porque é que S. Vicente não é tão procurado?
É uma pergunta interessante porque nós temos visto o crescimento da procura por S. Vicente mas menos no mercado português – o turista português quando pensa em Cabo Verde não pensa em S. Vicente – são mais os mercados do centro e norte da Europa que valorizam os passeios na natureza e a componente cultural.
Nos últimos anos, procurámos introduzir uma oferta no nosso hotel, com um apoio de praia na Praia da Laginha que é uma praia no Mindelo que forma uma baía, com o objetivo de fazer crescer a procura em mercados onde a praia pudesse ser um fator importante para a decisão de escolher o destino. Percebemos que no mercado português isso é muito valorizado e se a pessoa puder fazer algumas horas de praia por dia combinando isso com a cultura do Mindelo e de S. Vicente em geral, com uma ida a Santo Antão para conhecer uma ilha de natureza verdejante, com alguns pontos de semelhança com a Madeira, como as cascatas, por exemplo, achamos que poderemos fazer crescer a procura de Portugal para S. Vicente/Santo Antão.
Temos visto crescimento em mercados como o francês, o belga, o alemão mas o mercado português, numa perspetiva de lazer, não está a crescer como nós gostaríamos. A ilha tem condições para isso, falta despertar a curiosidade pelo destino para que as pessoas queiram, por exemplo, complementar uma semana de sol e mar no Sal com mais alguns dias em São Vicente/ Santo Antão, ou fazer apenas estas duas ilhas. Há aqui um trabalho adicional de divulgação que ainda falta fazer.
Penso que em relação a Cabo Verde ainda se está muito formatado para praia, sobretudo para a ilha do Sal mas também para a Boavista. As outras ilhas são mais difíceis de vender, não há uma oferta estruturada à partida, aliás essa oferta teria que ser construída sobre voos regulares, o que também traz os seus desafios, até por casa dos preços. Acredito que, de alguma maneira, esta nossa abertura no Tarrafal também vai ajudar a despertar a curiosidade para outros destinos dentro de Cabo Verde, que não os tradicionais Sal e Boavista.
“É preciso aumentar a oferta aérea para Cabo Verde, para as diferentes ilhas e essa é a nossa grande preocupação porque é a única forma que o turista tem de chegar lá”
O transporte aéreo é fundamental. Os TACV passaram de novo por um período muito difícil e tem sido a TAP que tem alimentado as ligações. O que é que os hoteleiros sentem que é preciso?
É preciso aumentar a oferta aérea para Cabo Verde, para as diferentes ilhas e essa é a nossa grande preocupação porque é a única forma que o turista tem de chegar lá. A pandemia trouxe uma disrupção grande no mercado, no caso da TAP tivemos a situação que todos conhecemos, de alguma instabilidade na empresa, uma sangria muito grande de quadros importantes, pessoas que conheciam a empresa e há agora uma nova equipa que está ainda a ganhar conhecimento, que está a fazer algumas alterações para tornar mais eficaz e efetivas as viagens para Cabo Verde. Os TACV passaram pelo mesmo: vinham de uma determinada estratégia, foram afetados como todas as companhias aéreas, houve uma grande incerteza quanto à continuidade da companhia no mercado, está a retomar paulatinamente os voos para Cabo Verde e para nós, investidores, é importante que a companhia possa reforçar a oferta para Cabo Verde, com uma credibilidade que permita aos agentes de viagens reservarem com confiança. Se tudo estabilizar em termos destas companhias, ou outras que pudessem entrar no destino, ajudará à divulgação do destino, à diversidade da oferta que permite construir pacotes sobre esses voos e au aumento do número de viagens de lazer para Cabo Verde.
O mesmo se passa ao nível do turismo de negócios que teve grandes alterações durante a pandemia. Pela sua localização geográfica, Cabo Verde tem uma posição privilegiada e em termos da lusofonia poderia ser um ponto importante para a realização de encontros e reuniões.
Olha para a BestFly como uma companhia aérea com “pernas para andar” e para poder desenvolver as ligações não só inter ilhas como a países como Portugal?
Tudo o que seja dinamizar a oferta aérea, aumentar a concorrência e fomentar a procura, é sempre positivo. Cabo Verde tem o desafio da insularidade, só se pode lá chegar de avião, por outro lado, é um país disperso, pelo que é fundamental que a nível do inter ilhas haja uma boa rede de transporte aéreo para que o turista possa visitar várias ilhas numa só viagem. Por isso, para nós, o papel que está a ser desempenhado pela BestFly é muito importante.
Na generalidade, penso que está a funcionar bem e à medida que a operação se vá robustecendo, irá melhorar ainda mais porque eventualmente terão que ter maior oferta e isso traz maior flexibilidade. Para nós, que temos hotéis em várias ilhas e que queremos fomentar a procura, isso é fundamental.
Para Cabo Verde e para as vossas unidades, o mercado português tem que peso?
Tem um peso interessante durante os meses e verão – no inverno são outros mercados que dominam – mas no total deverá representar entre 20 a 25% da nossa ocupação. Isto é um pouco ainda referente ao passado, agora o mercado está a mudar e só mais à frente poderemos ser mais precisos. O importante é sublinhar que o mercado português é estruturante para nós e que sabemos tratar bem dos turistas que vêm de Portugal, e é um mercado que queremos proteger e continuar a desenvolver. Gostávamos que os portugueses conhecessem mais ilhas de Cabo Verde, que interagissem de uma forma diferente com a população local.
*Leia a 1ª parte da entrevista a Alexandre Abade, CEO do Grupo Oásis Atlântico, aqui.