Acordo com Moneris vai ajudar APAVT a aproveitar fundos europeus
Na segunda parte da entrevista com o presidente da APAVT, a tónica foi posta no caminho para a recuperação do setor, neste ano e seguintes, com Pedro Costa Ferreira a traçar as linhas que marcam a agenda da associação para este ano e a dar conta, também de algumas das principais preocupações relativamente ao futuro.
Depois da tempestade dos dois últimos anos pode vir a bonança mas vamos ter que fazer muito por ela. Quais são os caminhos para a recuperação?
O primeiro caminho para a recuperação, que é essencial para todos os outros, é termos todos, incluindo o Governo e em especial a nossa Tutela, a noção de que no turismo a recuperação vai ser lenta e vai necessitar de apoios – esta é a mãe de todas as soluções.
As empresas estão muito fragilizadas e quando se fala em ter resultados semelhantes a 2019 em 2023, às vezes liga-se isso à resolução dos problemas. Mas eu quero salientar que em 2020 e 2021, as empresas terão perdido seis a 10 anos de resultados e para quem perdeu 10 anos, ter em 2023 o resultado de 2019, só resolve um décimo do problema. Os balanços estão fragilizados, os capitais próprios estão destruídos e é por isso que a recuperação vai ser lenta e vai necessitar de apoios.
Este primeiro momento vai ter que ser de recapitalização e, por todos os diálogos que temos tido, até em sede da Confederação do Turismo, achamos que todos os processos de recapitalização assentes na relação com o Banco de Fomento, pela sua complexidade e por se destinarem, até por isso mesmo, a grandes empresas, vão colocar de fora as PMEs, e sobretudo a esmagadora maioria das agências de viagens. Por isso defendemos que se pague o Apoiar.pt desde abril a dezembro de 2021.
O Apoiar.pt surgiu com determinados critérios, pagando determinados valores e foi pago até abril de 2021. As circunstâncias do pagamento mantiveram-se, e até se agravaram porque a crise agravou-se, desde então até dezembro de 2021, portanto, a nossa primeira exigência é que o Governo pague já esses meses. Além de justo e coerente, provavelmente resolverá alguns problemas de recapitalização das PMEs e das microempresas que não têm outra via para se recapitalizarem. O assunto é tão importante para nós que no encontro que tivemos em sede de CTP, na altura da campanha eleitoral, com o secretário-geral do PS, António Costa, perguntámos objetivamente se, caso viesse a ser governo, a ideia era proceder a esse pagamento. A resposta foi positiva e isso, em cima de uma maioria absoluta, vai fazer com que o primeiro diálogo que tivermos com a Tutela seja a confirmação dessa promessa.
Depois, é preciso pensar que as agências de viagens saem desta crise com esta enorme fragilidade mas com algumas oportunidades importantes. Ao longo da crise, as agências de viagens ganharam novos clientes e novos potenciais clientes porque houve muita gente que perdeu dinheiro em sistemas de reservas concorrentes das agências de viagens, que não vão ser reembolsadas e que perceberam que quem tinha feito reservas com agências de viagens tinha sido, ou vai ser, reembolsado.
Por outro lado, a grande complexidade das restrições às viagens fez com que muitos clientes, corporativos e não só, sobretudo na área de lazer, que queriam viajar não conseguissem perceber essas restrições e solicitassem serviços às agências de viagens.
“Nós não temos a crise de recursos humanos que outros setores do turismo têm, até porque mais de 50% dos nossos recursos humanos são licenciados, mas é preciso pensar como é que vamos conseguir reter o talento e atrair novo talento”
O grande desafio vai ser o de consolidar essas oportunidades, fazendo crescer o espetro de clientes que já existia, e isso terá que ser feito com criação de valor e com a perceção dessa criação de valor por parte dos clientes. Isso vai ter que ser feito em cima da tecnologia, o que não me parece um grande problema porque as agências de viagens são grandes utilizadoras de tecnologia. E vai ser feito, de uma forma diferenciada, através de recursos humanos. Aí, o desafio é diferente: nós não temos a crise de recursos humanos que outros setores do turismo têm, até porque mais de 50% dos nossos recursos humanos são licenciados, mas é preciso pensar como é que vamos conseguir reter o talento e atrair novo talento.
A APAVT tem agora um sistema de benefícios para os colaboradores das agências associadas, que é o “+APAVT” que tem a ver com a nossa preocupação em diferenciar quem trabalha nas agências nossas associadas. Esse programa permite que os trabalhadores das agências APAVT tenham acesso a uma série de descontos numa muito diversificada gama de produtos, algo que é exclusivo destas agências.
Relação entre operadores turísticos e as agências de viagens
Com o retomar da venda de férias, consideram que foram esbatidas as questões entre operadores e agências de viagens?
A relação entre operadores turísticos e agências de viagens é um dos pilares da sustentabilidade do setor. Os operadores têm um papel importantíssimo que é o da assunção do risco. Sendo importante e de enorme dimensão, acho que beneficia, em larga escala, os agentes de viagens. Talvez por isso mesmo, reconheço que existe sempre – e vai continuar a existir -, alguma tensão nesta relação, e por várias razões. A principal é que os operadores, por assumirem risco, precisam de gerir esse risco com as agências de viagens mas não creio que isso seja um problema. Penso que isso se compara um pouco com a relação entre a TAP e as agências de viagens – há sempre alguma tensão mas que não significa antagonismo nem a necessidade de uma das partes abdicar da outra – se calhar a tensão existe porque nenhuma das partes pode abdicar da outra.
A APAVT habituou o mercado e os seus associados a pensar para a frente. Com esta situação, como é que as agências podem aproveitar para mudar a sua forma para gerir o negócio?
Na Associação definimos os grandes temas deste ano que foram checados com os nossos associados na reunião que fizemos no Congresso, em que justificámos as nossas ações até à data e tentámos projetar o que deveria ser a nossa agenda para 2022: os apoios, de que já falámos, o acompanhamento da incerteza com o Covid e com a inflação, os fundos europeus e as oportunidades que poderão surgir nos próximos anos. Este parece-nos um tema bastante importante e por causa dele acabámos de firmar um acordo com a Moneris, no sentido de nós, e os nossos associados, sermos informados das oportunidades que vão surgindo e, por outro lado, de sermos acompanhados na execução de alguns programas que correspondam a essas oportunidades.
Outra questão é a sustentabilidade, que não é um problema menor para as agências de viagens – é uma exigência dos consumidores, será rapidamente uma exigência do próprio mercado emissor português. Por causa disso, a APAVT é uma das poucas associações que aderiu no primeiro momento ao Sustour, um programa europeu de formação de empresas para a prática da sustentabilidade, e agora firmou um contrato com a Travelife, uma empresa europeia de certificação de práticas de sustentabilidade na área ambiental. Trata-se de um contrato que fizemos em exclusivo para as agências associadas da APAVT, tornando possível, não apenas formarem-se através do programa Sustour como também certificarem-se através da Travelife. Mais tarde ou mais cedo, esta certificação vai ser exigida pelos agentes de viagens e pelo cliente final, em todo o mundo.
“Temos um compromisso firmado com a DECO e estamos a trabalhar nas suas vertentes técnicas que basicamente têm a ver com processos de formação e de certificação exigentes, que vai permitir, em exclusivo às agências de viagens da APAVT, serem recomendadas como a DECO”
Questões relacionadas com as boas práticas e com a criação de valor junto do cliente são muito importantes. Temos um compromisso firmado com a DECO e estamos a trabalhar nas suas vertentes técnicas que basicamente têm a ver com um processo de formação e de certificação exigentes, que vai permitir, em exclusivo às agências de viagens da APAVT, serem recomendadas como a DECO. O trabalho técnico é meticuloso, está a decorrer e esperamos concluí-lo a breve prazo, para depois podermos apresentar às agências de viagens os passos necessários.
É muito importante, nesta fase, replicarmos aquilo que conseguimos nos momentos críticos. Tudo o que nos une é muito maior do que o que nos separa e nós temos que encontrar o que nos une, caracterizar o que nos une e regar o que nos une, de modo a que cresça e floresça – é isso que fazemos nos Capítulos. No Capítulo dos operadores é importante analisarmos, em conjunto, a oferta, analisarmos o risco em conjunto, analisarmos a possibilidade, para gerirmos esse risco, de fazermos operações em conjunto – e elas existem. Este é apenas um exemplo do que podemos fazer no Capítulo da Distribuição, no Capítulo Aéreo, no Capítulo de Incoming, e temos projetado o desenvolvimento desses Capítulos ao longo de 2022.
“(…) Temos a nossa atuação na esfera internacional, na ECTAA, onde se colocarão as questões da legislação europeia de proteção do consumidor e, portanto, a Diretiva Europeia das Agências de Viagens. Aqui acho que há alguma tensão…”
Depois, temos a nossa atuação na esfera internacional, na ECTAA, onde se colocarão as questões da legislação europeia de proteção do consumidor e, portanto, a Diretiva Europeia das Agências de Viagens. Aqui acho que há alguma tensão, por um lado o lobby defensor do consumir quer ainda mais rigor e mais compromisso do lado dos fornecedores, por outro a ECTAA e as agências de viagens europeias, que nem sequer estão contra esse compromisso desde que seja possível, pela primeira vez, estendê-lo ao longo da cadeia de valor e não colocá-lo todo nas agências de viagens. Hotéis, companhias de aviação, todo o rol de fornecedores está fora desse compromisso e nós queremos colocá-los dentro e queremos diálogos importantes, e quiçá decisivos, nos próximos anos, na esfera jurídica em Bruxelas.
Tentaremos manter a influência política do setor, há dois pilares importantíssimos de influência política que é a BTL e o Congresso. Não descurámos os aspetos estratégicos, estamos a terminar com a EY Partenon, o estudo estratégico que olha para daqui a 10 anos. É um desenho que pretende dar uma visão daquilo que poderá ser o setor daqui a 10 anos e das consequências que isso terá para o modelo de negócio das agências de viagens.
Quando é que poderá tornar-se público esse estudo?
Penso que nos próximos três meses teremos esse estudo concluído e a grande vantagem é que uma microempresa poderá aceder a um estudo complexo de um líder de mercado em estratégia – um estudo que custou dezenas de milhares de euros. Também por aqui se vê a capacidade agregadora da APAVT.
Finalmente, porque isso tem a ver com o futuro das agências de viagens, estamos preocupados com a formação, daí que tentamos ligar-nos mais à estrutura formadora do próprio país, portanto, à Academia, tentando nós próprios inserir-nos nas oportunidades do Fundo Europeu para podermos executar essa formação que terá muito a ver com a digitalização, com o marketing…
Os comboios na Europa já têm quase tanta importância como o avião
Em 2019 fizemos uma entrevista que se iniciou no Aeroporto de Lisboa e terminou no Montijo. Hoje, passado este tempo, se não estamos no mesmo patamar, estamos mais distantes de se prever quando é que Lisboa vai ter um novo aeroporto?
Acho que estamos mais atrás. A resposta é rápida: defino a situação como uma vergonha nacional. Tenho pena que um dos únicos aspetos estruturais totalmente dependente dos políticos seja o maior gargalo do desenvolvimento de todo o setor nos próximos tempos. É uma pena e acho que coloca os políticos em geral, e não apenas o Governo, numa posição bastante frágil.
Tem-se falado muito de comboios. Os comboios terão que ser tidos em atenção em termos futuros?
No presente, na Europa, os comboios já assumem quase tanta importância como a aviação. Quando temos reuniões da ECTAA, nos mais diversos pontos da Europa, Portugal já é dos poucos países que vai de avião – a maioria vai de carro ou de comboio.
O sistema de comboios, na Europa, está hiperdesenvolvido e é fundamental no corporate e no lazer, daí que tivéssemos a preocupação de ter colocado na agenda, no nosso congresso, a necessidade de uma ligação a esta rede europeia porque vemos um enorme risco enquanto emissores de turismo mas, sobretudo, enquanto destino turístico, relacionado com a evolução das necessidades da sustentabilidade. Hoje, os problemas relacionados com os voos de curto curso já têm uma agenda muito desenvolvida na Europa. Ora, grande parte do nosso turismo faz-se através de voos de curto curso. Na Europa já há um combate grande a esse tipo de voos e, por outro lado, já há voos de longo curso com várias etapas em que a última é feita de comboio. Isso seria importante na ligação de hubs, por exemplo, na ligação com Espanha.
Das questões que colocámos ao ministro sobre este tema, ficámos com a ideia de que, neste momento, essa preocupação é maior na APAVT do que na Tutela. Esperemos que possa haver condições, nomeadamente através do aproveitamento dos Fundos Europeus, para que esta vontade possa evoluir no governo e possamos ligar-nos à rede europeia de comboios.
Como é que está a questão da carga fiscal e dos impostos para a vossa atividade?
É um custo de contexto brutal, não apenas para nós mas para todo o setor – para a hotelaria, para a restauração, para a animação turística… Diria que há pelo menos dois problemas e uma certeza.
O primeiro problema não tem a ver com o valor dos impostos mas com a sua complexidade: há uma série de custos laborais nas empresas que têm a ver com a complexidade do cumprimento administrativo dos compromissos fiscais. Um segundo ponto tem a ver com a celeridade, a frequência, com que se alteram as questões fiscais, com a falta de estabilidade fiscal. O terceiro ponto tem a ver com o valor, e eu diria o seguinte: com a dívida que o Estado português tem, com o aumento da inflação e das taxas de juro, vejo com enorme dificuldade pensarmos em diminuição de impostos. Não havendo essa diminuição, se pudéssemos trabalhar na redução da complexidade dos impostos, provavelmente poderíamos poupar algum dinheiro em custos laborais e com isso termos algum benefício para as empresas.
Não poderia terminar sem lhe perguntar se, face à situação da Ucrânia, já se sente algum impacto nas viagens e, no caso de esta guerra durar, que prejuízos à atividade poderão daí advir?
Gostaria de responder a essa questão apenas parcialmente. Não me sinto bem a falar do negócio e de como ele poderá ser afetado quando o que está a acontecer é demasiado trágico. Portanto, em primeiro lugar, respeito pelo que está a acontecer. Já tivemos a oportunidade de manter contactos com a senhora Embaixadora da Ucrânia e de nos pormos à disposição para o que for necessário mas, sobretudo, penso que o maior papel que podemos ter é o do contraste, lembrando como a Ucrânia é um destino turístico com tantas valências e lembrando que o turismo, alimentando-se do amor pelas diferenças (de opinião, de religião, de raça, de costumes, de cultura…) é um caminho importante para a paz.
Dito tudo isto, gostaria de responder, também parcialmente, aos eventuais constrangimentos. Depois do Covid, com a perceção do aumento das taxas de juro, que aliás também advêm um pouco da guerra, pensarmos que a guerra se pode prolongar e que se pode dilatar geograficamente, é algo que não gostaria de abordar, porque também aqui gostaria de ser agente da retoma e da recuperação. Portanto, para já, acho que devemos todos trabalhar para que a guerra não se dilate geograficamente e não se prolongue. Se conseguirmos fazer esse trabalho talvez possamos, eventualmente, fazer com que as consequências, embora terríveis, sejam as menores possíveis.
No atual estado do conflito, diria que algumas empresas que fazem circuitos turísticos naquela área têm o seu ano bastante mais alterado, quem se relacione mais com aquela área, quer enquanto mercado emissor, quer enquanto destino turístico, tem alguns problemas para resolver. Aparte isso, diria que em termos de dimensão do negócio, se não coexistirem outros problemas, podemos sonhar com um verão parecido com o de 2019, porque ainda não temos cancelamentos, apenas algumas dúvidas, e temos um bom nível de reservas.
Tudo isto não anula o facto de não me sentir bem a falar do negócio perante tanta tragédia que existe à nossa volta.
Em 2019 estávamos todos muito otimistas com os crescimentos sucessivos do turismo. Na sua opinião, quando é que poderemos atingir de novo este otimismo?
Ninguém sabe e eu só posso desejar. Em determinadas condições, de evolução da guerra, da pandemia e da situação económica, acho que podemos todos desejar que em 2023 cheguemos a valores semelhantes. Mas isto é só um desejo, porque a incerteza, a nível da pandemia, da guerra e da situação económica, é suficiente para não sabermos se vamos recuar ou avançar.
De que é que não falamos nesta entrevista e devíamos ter falado?
Acho que falámos do que gostaria de ter falado: na superação pessoal que todos tivemos, na união que conseguimos construir e nos momentos de otimismo que conseguimos fazer emergir no meio de tantas dificuldades. Acho que são boas lições de vida que eu gostava de trazer no bolso para quando a situação melhorar efetivamente.