A paixão pela natureza levou o engenheiro de minas José Pedro Calheiros a criar a SAL

Fundada em 1996 por José Pedro Calheiros e Jorge Calheiros, a SAL Sistemas de Ar Livre é uma empresa de animação turística, e operador, especializada em passeios pedestres, cruzeiros fluviais e costeiros, educação ambiental, formação e muito mais. O Turisver falou com o diretor-geral, José Pedro Calheiros, sobre o passado, presente e futuro da empresa.
A SAL, não sendo um dinossauro, já tem uma história longa, não é assim?
Nós fazemos este ano 26 anos de atividade. Curiosamente, o registo da empresa saiu no dia 1 de abril de 1996, mas a empresa estava a ser preparada desde setembro de 1995 porque na altura não havia “empresas na hora”, registar uma empresa levava muito tempo.
A SAL nasce de forma diferenciada. Eu não sou do turismo, sou licenciado em engenharia de minas pelo Instituto Superior Técnico porque sou de uma família de engenheiros e pareceu-me natural seguir essa via. Na altura, talvez por volta dos meus 15 anos, liguei-me ao Clube de Montanhismo de Setúbal e essa ligação fez-me conhecer a Arrábida e a natureza o que acabou por despertar em mim uma paixão que me fez sentir que era necessário ter um projeto de vida ligado à natureza. Quando chegou a altura de ir para o ensino superior, escolho a engenharia de minas porque achei que tinha uma ligação à natureza e a par da minha carreira universitária continuei no Clube de Montanhismo onde fui diretor, vice-presidente e presidente, encetando uma série de projetos, nomeadamente ao nível das caminhadas para associações e escolas, e também projetos internacionais. Foi neste âmbito que me desloquei várias vezes à Alemanha e comecei a ver que nas florestas e nos bosques havia percursos pedestres sinalizados, que atraiam pessoas de todas as idades.
Nessa altura, pensei que este interesse pelas caminhadas ia chegar a Portugal e decidi que queria fazer parte disso. Não tinha ainda visão empresarial e pensei fazer isso no Clube mas a vida associativa é muito complicada e a certa altura fui desafiado pelo meu irmão para constituirmos uma empresa nesta área. Foi isso que fizemos em 1995, criando a SAL que é o acrónimo de Sistemas de Ar Livre mas que é também uma palavra “sal” que está intimamente ligada a Setúbal e que é um componente essencial à vida, tal como as atividades que propomos e que devem resultar em experiências inesquecíveis.
É então que a SAL arranca, mas não apenas com o montanhismo?
Não, nós começámos a fazer eventos para empresas. Logo no início de 1996 decidimos que iriamos fazer um passeio pedestre todos os domingos do ano e foi o que fizemos até ao início de 2020, quando chegou a pandemia. Mantivemos uma agenda permanente, e a partir do ano 2000 começámos a fazer passeios também aos sábados, e passeios noturnos no verão. Fizemos mais de 4.500 passeios pedestres.
Mas ofereciam igualmente passeios no rio?
Também, porque percebemos que essa era uma área de negócio que era uma espécie de produto estrela. Sabíamos que não era apenas com os passeios pedestres que íamos ganhar dinheiro, que o que iria gerar receitas eram os eventos para empresas, sem perder a ligação à natureza e até à crise de 2009 este foi um produto basilar que no final da troika reanimou, caiu com a Covid mas está de novo a reanimar.
No Sado, em Setúbal, havia uns galeões e um barco que era o Costa Azul que fazia passeios mas o que nós criámos foi diferente, foi o conceito de cruzeiro, em que, para além de uma tripulação técnica que gere o barco, tem outra que serve as comidas e as bebidas a bordo, outra que é a equipa da animação, e um diretor de cruzeiro, que sou eu, que recebe as pessoas, fala com elas – no fundo funciona como um verdadeiro cruzeiro mas em ponto pequeno.
Começámos também a trabalhar com a Amieira Marina, com o barco Guadiana, já trabalhamos com a Alqueva Cruises, vamos começar a trabalhar com um barco adicional em Sesimbra e desde há 12 anos trabalhamos com o iate São Cristóvão, na barragem do Castelo de Bode.
A SAL tem quatro áreas de trabalho e lançou festivais de caminhadas
Hoje, a SAL tem quantas áreas de trabalho?
Podemos dizer que temos quatro áreas, mais uma: passeios pedestres como operador; área corporate através dos eventos para empresas, quase sempre outdoor mas que podem ser indoor se as condições climáticas assim o exigirem; a área dos cruzeiros, embora não tenhamos barcos e tendo optado por trabalhar com empresas parceiras. A quarta área de negócio é mais social porque é um trabalho com escolas e colégios. Trabalhamos com escolas e colégios de todo o país apesar de territorialmente só fazemos passeios na região de Setúbal.
Desde 2010 começámos também com a área da consultoria, temos consultores e auditores, fazemos estruturação de produto. Associada a essa atividade lançámos, também em 2010 mas que só realizamos pela primeira vez em 2013, os festivais de caminhadas. Criámos a marca Portugal Walking Festival e para isso fui ao estrangeiro ver o que eram os festivais de caminhadas e percebi que um festival de caminhadas tem que ser uma espécie de holofote sobre um determinado território, em que são capitalizadas pessoas para o evento mas, acima de tudo, mostra o território.
Começámos com os festivais de caminhadas em 2013, em Seia, em 2014 fizemos na Sertã, em 2015 fizemos dois no Alto Alentejo. Em 2018 voltámos a Alpalhão, que repetimos em 2019, onde contámos com a parceria do Hotel Monte Filipe que é até o promotor da atividade, que voltámos a repetir este ano, trocando a designação Alpalhão por Alto Alentejo ganhando assim escala e as coisas correram muito bem até porque envolvemos também o turismo literário.
Em 2021, porque tínhamos estruturado a Rede Transalentejo, que é um percurso sinalizado pela ERT do Alentejo, criámos o Festival de Caminhadas Transalentejo que se prolonga durante praticamente um mês – quatro fins de semana de caminhadas, que se dividem pelas zonas norte, centro, Baixo Alentejo e Alqueva. Este ano, vamos repeti-lo em outubro.
Nos festivais de caminhadas organizados por nós, a semana é dedicada a aulas abertas nos estabelecimentos de ensino a falar de turismo de natureza e de empregabilidade. Além disso fazemos fam trips em que trazemos responsáveis de empresas que organizam grandes caminhadas para que eles possam conhecer e programar o nosso território.
No mundo real assistimos a uma pulverização do mercado
O principal mercado do Alentejo que, em conjunto com a península de Setúbal é o vosso território natural, é o nacional e depois é que vêm os internacionais. Com a SAL também é assim?
É assim. O que sentimos é que o mercado internacional, que era inexistente em Setúbal até 2014, começou a aparecer em 2019, caiu com a pandemia e agora voltou a acordar. Basicamente é um turista que viaja de forma autónoma mas a tour operação está a aparecer, não através das grandes empresas mas de outras mais pequenas que chegam até nós através das nossas páginas na internet. Digamos que estamos na moda no mundo real e o mundo real é o de uma pequena agência de Toronto, por exemplo, que fala com uma pequena agência em Portugal.
A pulverização do mercado é algo muito interessante que está a acontecer e que nos leva a pensar qual vai ser o papel dos grandes operadores no futuro.
A estruturação de produto é hoje muito importante na SAL e dedico-lhe muito tempo e este é o caminho que vamos continuar a trilhar nos próximos anos, nomeadamente no território do Alentejo. Gostava muito de estruturar Cabo Verde mas ainda estão numa fase muito embrionária nesta área. Também fiz uma proposta ao Turismo de Moçambique, mas também lá tem-se ainda muito a ideia de que o turismo é um resort onde as pessoas chegam de helicóptero.
Como é que vai ser o futuro?
Tenho 54 anos e acho que ainda tenho muitos anos para dar ao turismo. Hoje ainda consigo subir a Arrábida e fazer 30Km a pé, sem problemas mas todos sabemos que a vitalidade vai decaindo com a idade. Tenho vontade de ser cada vez mais estratégico no turismo, de pensar o turismo em Portugal porque acho que os desafios são muito grandes. Aquilo que eu vejo para o meu futuro é dar cada vez mais contributos ao nível das estratégias regionais de turismo mas as estratégias nacionais também não estão fora da minha capacidade.
Quando, em 2017, fiz a auditoria do Caminho de Fátima, senti que era importante o que estava a fazer nesta área do turismo de peregrinação, do turismo de natureza, da infraestruturação do produto, é uma área que em Portugal ainda precisa de muito trabalho que não termina em folhetos bonitos nem em apps para telemóveis, aliás há uma série de apps que não têm utilização a não ser no dia em que são mostradas.
Por tudo isto, acho que o meu futuro tem que passar pela estratégia na infraestruturação de produto e esta não tem território, o que signifique que posso fazê-la no Alentejo como em Trás-os-Montes, na Croácia como no Japão, desde que se entendam as realidades locais.
Amanhã no Turisver.pt pode ler a segunda parte da entrevista com José Pedro Calheiros, diretor-geral da SAL – Sistemas de Ar Livre, onde serão abordados, entre outros temas:
- A importância que a estruturação do produto tem para a SAL
- Qual a colaboração dos municípios na criação do produto turístico
- Perfil do turista de caminhadas
- O posicionamento das empresas de animação no mercado